V 5.2 Fogo

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Finalmente, estava frente a frente com a antiga ruína de Judicaël. O sangue pulsava impiedoso nas veias, ele sentia a sua energia se acumulando, assim como a raiva que o levara até ali. Há semanas, a ideia de invadir Judicaël controlava a sua mente, se infiltrando nos seus sonhos, dominando seu humor. Desde que o ancião soprara aquelas palavras há tanto guardadas, elas retumbavam nos seus ouvidos.

Assim que as ouvira, ele temera esquecê-las antes de poder compreender seu significado.

Mas agora, a folha de papel amassada entre seus dedos, era inútil.

"Acorrentada e acossada, a morte lhe foi negada, assustada e esquecida, uma vida desconhecida."

As palavras de Merab tinham vencido o desafio do tempo e encontrado o caminho até ele, como a Rana sabia que chegariam.

Ele estava diante do ninho.

E iria queimá-lo.

Não estava mais escuro quando o último homem se enfileirou, tomando sua posição no ataque, mas Noa já estava lá desde o meio da madrugada.

Observando.

Tentando descobrir qualquer pista.

Ter ao menos um vislumbre dela.

Mas tudo o que ouvia era um grande silêncio.
Os filhos se escondiam, como ratos que fogem pelos buracos quando os donos da casa chegam.

Sorrateiros e imundos.

Ele os queimaria também.

Mais uma vez, alisou o mapa do Palácio Afogado. Ao seu lado, estava o único a acompanhá-lo tão cedo. Damien fora o primeiro a chegar, o semblante descansado como se não precisasse dormir. Noa sabia que era muito diferente das olheiras profundas que marcavam seu rosto. Porém, já estava acostumado com elas. Desde que a terra se abrira, rasgando o Abismo da Rani, elas também delinearam um caminho definitivo no seu rosto. Como se dorme quando o mundo inteiro diz que sua mulher está morta, mas seu coração se recusa a acreditar nisso?

Como se dorme quando se é capaz de sentir cada angústia, cada sensação dela?

Frio.

Sufocamento.

Ossos nos pés.

"Vou tirá-la daí, minha rani", prometeu Noa, tentando, de algum modo, que aquele pensamento atravessasse aqueles jardins decadentes e chegasse até ela.

– Por mais que eu olhe, por mais que eu me esforce... É como se eu nunca tivesse pisado aqui – confessou Damien de repente, arrancando Noa das suas promessas.

Os dois observaram os canteiros secos, o chão rachado, as fontes de água parada e tóxica. Pequenos riachos cortavam o jardim que estava bem diante do Palácio Afogado, tomado por hera e espinhos. Apesar do som tranquilo de água jorrando, a aparência era nebulosa, como se almas pairassem por cima da água fresca.

– Christine... Imagino que ela tenha explicado o motivo da intervenção de Ariel – arriscou Noa.

– Sim, ela me contou sobre Luc e Roparzh. Sobre como o poder de Luc é... Potente demais para não deixar nenhuma marca na mente. Afirmou que perder a memória pelas mãos de Ariel foi um ato de misericórdia. Mesmo assim, lutar lado a lado daquele que me tirou o que me era mais precioso... Tudo o que eu tinha... Mas eu o farei, por ela.

– Luc pode ser poderoso, porém Ariel é habilidoso. É melhor que Luc neste aspecto. Ele sabe disso, deixou que Ariel o fizesse, porque gosta de você. Eram companheiros, em algum nível... Acho que precisamos entender duas coisas sobre Luc... Você, Damien, é um ponto fraco para ele. Luc o libertou mesmo sabendo que você poderia nos trazer até aqui. E Luc não é tão poderoso quanto tememos. Estava perdendo autoridade diante de você, mesmo com os grilhões. Ariel tem mais domínio do próprio poder que ele.

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