II 2.7 Vingança

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– Tem certeza de que quer ficar aqui? – perguntou a jovem. Agora, ele já sabia que seu nome era Adele e que era uma antiga amiga de infância.

Damien olhou, mais uma vez, para o interior do casebre abandonado. Nos últimos dias, tirara os galhos secos que haviam entrado durante uma tempestade, limpara a poeira e remendara as janelas e a porta.

No interior, havia apenas o estrado de uma cama de madeira. O colchão era antigo demais para ser aproveitado, assim como as cobertas, os travesseiros e qualquer outro utensílio doméstico.

O casebre era pequeno e rústico, mas ele sentia ali dentro um vazio tão imenso quanto o das suas memórias. Mesmo assim, ele assentiu: – É a minha casa.

Nos últimos dias, Damien havia aceitado o nome pelo qual era chamado, ouvido mais histórias sobre Yara e Sohan e procurado juntar os quebra-cabeças do seu passado.

Mas, além da busca por quem ele era, havia outras necessidades.

Precisava de comida e abrigo e, por mais que Adele oferecesse a sua casa, a mãe dela não era tão hospitaleira.

Apesar da confirmação de que fora ali, naquele campo de lírios de Amadam que sua mãe crescera e o criara, ele não se sentia bem-vindo.

Apesar dos cabelos iguais a todos, os traços da intoxicação pelo lírio, os olhos ametistas eram suficientes para torná-lo um forasteiro.

E o gato...
Apesar de Adele insistir que era dócil e carismático, ela era mirado com medo. Ninguém tentava afagar suas orelhas – o que Damien agradecia, pois seria bem constrangedor – pelo contrário. Se afastavam quando ele passava, com olhares amedrontados.

Damien não os culpava.

Aquela era uma vila pacata, com pessoas que cultuavam a deusa da família. E ele era um assassino, um homem marcado por ter matado o próprio pai.

Adele balançou os cabelos brancos, em negativa.

– Perdoe-me, Damien, mas não acho que esta seja a sua casa.

– Você mesma disse que era aqui que a minha mãe vivia...

A mulher suspirou, tocando levemente seu ombro, algo que ele aprendera, nos poucos dias que estava ali, que seria mal-visto pelos outros bahijistas. Mas ela estava disposta a confortá-lo.

– Sua mãe não viveu aqui, Damien. Ela veio aqui para morrer. Assim como Sohan. Suas memórias se foram, mas esse lugar ainda é assombrado por eles... E você mesmo passou poucos dias aqui.

– Os últimos com a minha mãe – comentou ele, desejando mais do que tudo ter aquela memória de volta.

A mulher concordou: – Venha viver no vilarejo. Há casas que podem ser alugadas... Aqui é ermo e solitário.

– Não sou aceito e eu os compreendo. Não quero impor a minha presença.

– Eles vão se acostumar, Damien... Dê uma chance a eles...

Damien se sentou no estrado, provocando um estalo alto causado pelo seu peso. Deixou as mãos acolherem a cabeça, exausto.

– Não quero que se acostumem a mim, não quero nada disso e, ao mesmo tempo, não sei o que eu quero – percebendo que não estava fazendo nenhum sentido, completou: – Perdoe-me.

– Não peça perdão. Eu não o compreendo. É isso que quer dizer. Eu sei disso.

Adele se afastou, saindo pela porta, mas logo retornou com uma cesta. Ela deu uma batidinha por cima de um tecido: – Cobertores, um travesseiro... Uma panela e algumas outras coisas que reuni com o pessoal do vilarejo... Eles podem temer o gato, mas são bahijistas. Vashï Bahija nos ensina a ser acolhedores com nossos irmãos.

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