I 1.6 Sohan

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– O que você sabe sobre mim?

Agora que a idosa estava controlada, ele estava sentado à frente da jovem que o servia de café. A velha havia ficado naquela casa, com o garoto, enquanto a mulher o levara até a própria casa dela, um chalé enfeitado com muitos girassóis, lírios e flores de laranjeira.

– Sei que nasceu aqui e, por muitos anos, se voltasse, seria executado.

– Por quê?

– Minha avó não mentiu – ela o observou de soslaio, enquanto pegava um torrão de açúcar e misturava ao café. – Você é um assassino, Damien.

Estranhamente, a ideia não lhe era absurda.

Assim que foi acusado, ele percebeu que, sim, seria alguém capaz de matar.

Aquilo não o surpreendia nem um pouco. Afinal, ele sentia o poder em suas veias e intuía que, se o usasse, seria letal.

Em alguns momentos, até sentia o desejo de usá-lo, de experimentá-lo.

Talvez, a morte não lhe seria nem estranha, nem malvista...

Mesmo assim, não sabia por que, sentia aquele medo de descobrir que era uma pessoa ruim, má. Talvez fosse por que já sentisse ímpetos dentro daquele homem que ele mal conhecia que sugeriam certa perversidade.

Não precisava que aquela mulher dissesse que ele não era inocente.

Ele era impuro, mas será que seria também desumano, impiedoso, cruel?

E, se fosse, seria algo tão ruim assim?

– Quem eu matei?

A jovem suspirou.

– O que aconteceu com a sua memória?

– Eu não sei – ele confessou. Todas as dúvidas se deveria ou não confiar naquela mulher eram inúteis. Ela era a única que parecia saber qualquer coisa sobre ele. Damien sabia agora o próprio nome, graças àquela jovem. E, assim que ela o disse, o som pareceu certo como se tivesse sido sussurrado inúmeras vezes desde o seu nascimento.

Damien.

– Você nasceu aqui, no campo de lírio de Amadam. Sua mãe era uma filha de Bahija, como todos nós... O que sabe sobre a nossa tribo?

– Nada – confessou. – Não sei quase nada.

– Pelos deuses... – A mulher se aproximou, de repente, tocando a testa dele, como se pudesse acessar alguma memória perdida. Depois, recolheu-se e passou a falar rapidamente: – Somos devotos de Vashï Bahija e a nossa tribo se sustenta colhendo os lírios de Amadam. É uma flor rara, cujo manuseio é extremamente delicado. Passamos a nossa técnica de geração em geração há centenas de anos. Apenas nosso povo consegue colher esse tipo de flor, porque somos imunes aos seus efeitos tóxicos. Isso acontece porque expomos nossos filhos ao lírio de Amadam desde a barriga da mãe.

– O que acontece com quem não é imune?

– Desmaios. O lírio de Amadam é uma flor com propriedades muito potentes. Pode ser usada em poções curativas, de fertilidade, de efeitos calmantes... E pode ser usada como um veneno. Temos uma grande responsabilidade. Há muitos anos, um carregamento foi roubado da nossa tribo. Por causa desse erro, um povo inteiro foi dizimado.

– Como?

– Era o povo de Judicaël, filhos de um clã próspero e muito próximo ao clã Maël. Judicaël era um reino formado por um clã curandeiro, que habitava um Palácio que flutuava sobre as águas. Os riachos cortavam toda a extensão do Palácio, entrando nos quartos, nos salões, nas cozinhas. Os afluentes eram um meio de comunicação em todo o reino, que usava pequenas jangadas para enviar suprimentos, cartas e até pessoas. Foi assim que o nosso veneno foi propagado – a jovem engoliu em seco e olhou para os lados. Damien percebeu que, mesmo dentro de casa, ela tinha medo de falar sobre aquilo.

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