VIII 8.3 Uma palavra

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Ela tinha passos furtivos e leves, como uma dançarina. Os movimentos eram perfeitamente controlados. Além disso, estava magra demais para que sua presença no colchão pesasse contra um homem do tamanho dele. Quando saía do quarto, nunca era pela porta que dava diretamente ao corredor. Ela preferia seguir pela porta-dupla que levava aos aposentos da Rana e, de lá, seguir caminho.

Mas esses cuidados não eram suficientes.

Não foram desde a primeira noite.

Noa percebia que Hannah o deixava no meio da madrugada desde a primeira vez em que o calor da pele dela o abandonara. Havia passado cinco anos dormindo sozinho, mas não demorou nem uma noite para se acostumar a ter o corpo de Hannah sobre o seu, a textura macia da coxa contra a sua mão, os cabelos esparramados sobre o seu peito.

Mesmo assim, seu sono não era pacífico. Os pesadelos vinham na forma de filhos de Babakur, discípulos de Amadum e profecias sussurradas pelos deuses, todos dispostos a roubar dos seus braços a última pessoa que ele amava. Assim que eles vinham, ele sentia o coração de Hannah batendo contra o seu peito e logo se acalmava. Porém, nas últimas noites, ela o deixara sozinho.

Na primeira vez que notou sua ausência, ele não a seguiu nem a questionou. Hannah era uma mulher que havia passado cinco anos encarcerada e merecia liberdade. Ele não gostaria de ser o responsável por qualquer sensação de que estava sendo vigiada.

Na segunda, assim que ela retornou, ele perguntou onde ela estava, mantendo olhos atentos sobre ela, apesar de ainda estar meio sonolento. O cansaço não foi suficiente para que ele não percebesse o óbvio na resposta dela: Hannah mentia.

A fala casual sobre dar uma volta na praia para pegar um ar não passava de uma desculpa esfarrapada.

É claro que ele sabia que ela era adepta de um mergulho noturno. Não se esquecia daquela noite em Shailaja em que a encurralou contra a parede com o intuito de confrontá-la e terminou por beijá-la, desencadeando todos os sentimentos desastrosos entre os dois.

Porém, ela não era conhecida apenas por passeios noturnos ao ar livre. Era chacota entre os amigos por ser uma péssima mentirosa. Noa precisava admitir que cinco anos sob tortura e ânimos descontrolados de Luc a fizeram melhorar e muito na capacidade de enrolar alguém.

Mas ele não era alguém.

Era a pessoa que mais a conhecia naquela vida.

E ela estava mentindo.

Pacientemente, ele aguardou que ela dividisse com ele seu segredo. Observou as olheiras de cansaço surgindo sob os olhos brilhantes, os suspiros longos no meio do dia, o semblante exausto. Notou ainda os cortes e hematomas recentes, que sempre desapareciam depois que ela voltava para ele. Deu espaço para que ela se abrisse, confiasse nele... Até que entendeu que estava se enganando.

Hannah era uma mulher cheia de segredos.

Nunca havia compartilhado nenhum com ele, por mais que o amasse.

Ela tinha a péssima mania de carregar o mundo nas costas e jamais dividiria o fardo por conta própria.

Por isso, naquela noite, Noa decidiu que iria segui-la.

Observou enquanto ela saía para o quarto, jogava um penhoar sobre os ombros e abria a porta sem fazer barulho.

Se esforçando para ser tão silencioso quanto ela, ele caminhou pelo Palácio escuro, escondendo-se atrás das pilastras e mantendo uma distância segura.

Hannah se dirigiu à arena de treinamento.

"Traidor", pensou Noa, pronto para julgar Ariel. Ele sabia que a sua presença nos treinos de Hannah era um incômodo. Sabia também que Ariel não estava usando toda a força que ela desejava. Isso porque Noa o ameaçara e deixara bem claro que não toleraria mais ferimentos na pele da sua mulher.

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