VII 7.4 Sombra

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Aquela era a maior festa que ela já tinha organizado na vida e, com certeza, o maior sucesso. Ela via nos olhares contentes, nas expressões surpresas e nas gargantas afoitas por mais bebida que aquela noite seria lembrada por décadas.

Era uma parte da história de Adij Alim que se desdobrava bem ali à sua frente.

Adaeze Afia observava Hannah Maël rodopiar nos braços de Noa Rariff e não podia disfarçar seu encantamento.

Seu pai lhe lançava olhares indignados, porém ela não conseguia retribuí-los.

Não conseguia compreender aqueles sentimentos tão estranhos a sua própria essência, mas desde que vira a sua maior rival ferida, exausta e tão vulnerável, ela não podia conter aquela impressão de que elas poderiam ser amigas, talvez até irmãs.

O outro sentimento que a tomava não era uma impressão.

Era uma certeza.

As marcas na pele de Hannah Maël não eram casuais, nem resultado de descuidos.

Eram cicatrizes profundas de um sacrifício que ela jamais seria capaz de fazer.

Adaeze Afia ouvia desde que era uma criança que nascera para ser uma grande Krali, única e poderosa. E, desde que era uma jovem boba, ela se convencera de que o único que poderia lhe proporcionar tamanha importância era Noa Rariff.

Porém, o sofrimento na pele de Hannah era algo que ela jamais suportaria.

Ela poderia dar festas e tentar conquistar aquele povo tão diferente dela mesma.

Ela poderia até mesmo se casar com um homem que não a admirava, nem tinha qualquer intenção de amá-la.

Porém, ela sabia que aquilo estava além do seu limite.

Jamais passaria em qualquer teste de dor. Ela nunca abrira mão de nada que não fosse insignificante. As suas derrotas eram contadas nos dedos de uma mão.

E, por mais que quisesse ser Krali, ela não sujeitaria-se a torturas, nem maus tratos.

O que quer que Hannah tivesse suportado para sobreviver, Adaeze preferia morrer a aguentar.

Havia sido criada como uma kraliça, era mimada desde a infância, gostava de conforto, boa comida e boa cama.

Masmorras, humilhações, batalhas e riscos não eram com ela.

E ela compreendia agora que uma coisa não vinha sem a outra.

A coroa dos Maël tinha um peso. E era pesado demais para ela. Como aquela jovem mirrada conseguia carregá-lo era, para Adaeze, um mistério.

Há poucos minutos, estava apavorada e insegura no quarto, sem saber como descer, e agora preenchia aquele salão como apenas uma verdadeira rana era capaz de fazer.

Ela se lembrou da alimnissa, há tantos anos atrás.

"Quem tem Amandeep não precisa de Bahadur."

Aquela competição que ela tanto fantasiava só existia na sua cabeça.

Hannah Maël não poderia ligar menos para ela. Tudo o que importava era o seu próprio povo, a herança dos seus pais, o legado da sua família e o amor que sentia por Rariff.

Até neste último aspecto Adaeze sofria para compreender a rival.

Como uma pessoa tão alegre e leve conseguira se apaixonar pelo mal-humorado, arrogante e teimoso Noa Rariff?

Porém, a cada toada da música, Adaeze conseguia perceber que aquele Noa que dançava e que sorria não era o que ela conhecia.

Havia um Noa que existia apenas para Hannah.

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