VI 6.3 Não para um Maël

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Um dia inteiro se passou e nada.

Serena não revelou o que sabia, e Noa Rariff não queria dar o braço a torcer.

Joshua Blake já estava cansado de tentar convencer Serena de que era confiável, de que ela podia compartilhar com ele o que quer que fosse. Porém, ela insistia que não sabia de nada. E o pior: apegava-se à ideia maluca e desmedida de que precisava tocar no Portal para conseguir qualquer outra informação.

Ele já conhecia o modo como Serena atuava, além de saber que objetos e lugares tinham história e poderiam, muitas vezes, mostrar o futuro ou o passado. Porém, ir até a caverna mais temida de Adij Alim e tocar no mais infame dos lugares era demais.

Mesmo assim, lá estava ele, andando lado a lado com as duas pessoas mais teimosas que conhecia: sua esposa e seu melhor amigo.

Já que era incapaz de convencê-los, ao menos estaria lá para ver a desgraça que causariam.

– Ainda acho que isso é uma loucura – pontuou apenas por força do hábito, quando os três pararam diante de uma antiga porta de madeira, que certamente estava fechada há muitos anos.

Ignorando-o completamente, Noa retirou do bolso uma chave estranha, cuja ponta tinha o formato de um pincel.

– Alguns dizem que o pincel é o símbolo de Vïc Alim... Que foi ele quem pintou as paredes do Palácio, que ele é o pintor das molduras do tempo... Enfim. Talvez os Maël acreditassem nisso e, por isso, fizeram a chave nesse formato – sugeriu Serena, passando as mãos nervosamente sobre o vestido azul acinzentado.

– Ou então essa chave está aqui desde que os deuses habitaram esse Palácio – especulou Joshua.

– Não seja absurdo, Blake. Acha que uma chave sobreviveria por tantos anos? – questionou Noa. A chave girou na fechadura, dando acesso a uma escadaria de pedra.

– Me parece a coisa menos absurda da noite – resmungou Joshua, mal-humorado.

Os três desceram pela escadaria, guiados apenas pelo fogo que brilhava na palma da mão de Rariff. Os degraus de pedra eram antigos, porém pouco usados. No entanto, não havia corrimão, nem nada que os protegesse do abismo à direita.

Lá embaixo, nada se via. Havia apenas a certeza do vazio, graças ao vento frio que soprava lá dentro.

– Isso aqui não deveria ser uma caverna? – perguntou Joshua, incomodado. – De onde vem esse vento todo?

À sua frente, ele enxergava os cabelos loiros de Serena, além do vestido claro, enquanto tentava alcançá-los mesmo com sua perna dolorida e a bengala.

Deveria estar prestando atenção para não cair, já que era o mais debilitado dos três, mas não conseguia desgrudar os olhos de Serena, sua intuição praticamente gritando que ela não deveria estar ali. Foi por causa disso que percebeu quando ela pisou na barra do vestido, se desequilibrando. Joshua se inclinou para frente, erguendo a bengala e imprensando-a contra o lado da parede de pedra.

Naquele momento, apesar da teimosia que imperava na sua esposa, ele teve um vislumbre do pânico que ela estava sentindo por estar ali. Viu seu queixo tremer, enquanto a mão apertava a barriga de forma protetora.

E percebeu que aquilo era algo que ela estava fazendo mesmo contra todos os alertas, porque precisava, porque era importante.

– Estou de olho em você, Serena – ele a reconfortou. – Não vou deixar você cair.

Serena assentiu, respirando tão fundo que Joshua precisou conter o ímpeto de abraçá-la. Ela não era conhecida por ser uma pessoa equilibrada ou com qualquer aptidão física. Pelo contrário, caía facilmente, nunca estava atenta aos arredores, trombava nos móveis e enchia as canelas de hematomas.

O Portal IV - Fios de AlimOnde histórias criam vida. Descubra agora