O Tempo

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Marcamos de nos encontrar num barzinho de noite, no final de semana. Coloquei um vestido que valorizava minhas pernas e meus seios. Fui fazer o cabelo, as unhas e até um maquiador gay que era o melhor da cidade.  Nem lembrava a quanto tempo eu não me sentia viva daquele jeito. Também caprichei na lingerie, afinal nunca se sabe...
Marcamos de ir no meu carro. Eu peguei a Ju oito da noite, na frente do apartamento dela, e ir ali depois de tantos anos foi voltar ao passado cheio de lembranças.
Quando ela apareceu pelo portão, eu até suspirei. Ela estava tão linda!
Usava uma calça preta, camisa branca e um casaquinho leve maravilhoso. Nas orelhas ela usava brincos de argola, e aquele pescoço branco foi valorizado por um colar com uma pedra que brilhava como uma estrela.
Ela entrou no carro e o oerfume delicioso de amêndoas doces invadiu meu mundo.
- Oi, Ka! - ela disse.
- Oi! - respondi. 
Avançamos para dar um beijo, e ia ser um selinho se não tivéssemos desviado na última hora. Eu queria muito sentir a boca dela na minha, mas foi quase...
Sorrimos e eu tratei de dirigir logo. Estava tão nervosa que liguei o parabrisa sem querer. A Ju riu e nos divertimos pelo caminho até o barzinho. Falamos de carreira, trabalho e estudos. Foi uma conversa bem de velhas amigas. Mas de vez em quando nos olhávamos com.kais intensidade e ficava aquele silêncio comprometedor.
Chegamos no barzinho e escolhemos uma mesa bem isolada, a meia luz, som ambiente. Tudo muito agradável e bonito. Sentamos as duas no sofazinho, por isso ficamos uma do lado da outra. Pedimos bebidas e falamos coisas simples, até que chegou uma hora que não deu mais pra aguentar.  Nos encaramos de um jeito intenso, sem máscaras e sem o verniz do tempo. Eu senti meu coração acelerar. Minhas mãos estavam suadas. Com a voz tomada de emoções, falei:
- Você faz ideia de como eu sofri de saudades de você?
Ela suspirou e continuou me olhando. Eu continuei.
- Eu queria tanto me desculpar, me explicar... Mas a minha vida virou um inferno. Tudo o que eu queria era poder estar ao teu lado pra desabafar... Você entende isso?
- Eu entendo - Ela respondeu em voz baixa. - Eu senti a mesma coisa, Ka...
Eu sorri, sentindo como se um peso enorme tivesse saído de cima do meu coração apertado. Então eu pus a mão no rosto dela e me inclinei para beijar a boca dela.
Mas ela evitou. Se afastou de leve e colocou a mão no meu ombro, me segurando.
- Espera, Ka - Ela disse. - Eu preciso te falar uma coisa antes... E se depois que eu falar isso você ainda quiser alguma coisa comigo, eu vou ficar muito feliz. Mas se você não quiser mais nada, eu vou entender.
Eu fiquei paralizada um momento, depois voltei a me encostar no sofá, atordoada e com um pouco de vergonha. Pensei em mil coisas, e sem querer falei:
- É o Cauan? Tem alguma coisa com ele?
- Não! - ela deu um riso forçado. - Nada a ver. Tem a ver comigo.
- Tá bom... Fala.
Ela olhou para as mãos retorcidas no colo, ganhando tempo e fôlego. Então ergueu a cabeça e me contou:
- Naquele dia, na casa da minha mãe, quando eu vi aquilo meu mundo desabou por completo... Eu me senti tão mal que não consegui pensar em nada. Senti uma dor horrível no peito. Fui parar num pronto-socorro e eles me eeram um calmante... Eu não estava preparada praquilo...
Levantei as mãos e pedi pra falar.
- Você sabe que eu não tava ali porque eu queria, não sabe?
- Sei, eu sei! - A Ju se apressou em pegar nas minhas mãos para me acalmar. - Minha mãe confessou tudo muito tempo depois. Sabe? Eu fiquei sem falar com ela quase um ano, e depois ela me procurou. Ela estava com depressão, doente, acabada. Elae contou tudo, Ka...as já era tarde demais. O estrago já estava feito...
- Sério... eu não sabia disso, que a tua mãe ficou doente.
- Ela está fazendo tratamento psiquiátrico, tomando remédios e tudo... os médicos falam que é um distúrbio sexual.
De repente a lembrança daquela mulhere estuprando voltou e eu estremeci, sentindo um misto de emoções contraditórias. Por um lado eu a odiava, e por outro eu senti pena.
- Eu sinto muito, Ju...
- Eu perdoei ela, Ka. Não vou pedir pra você perdoar também, porque eu nem imagino como isso pode ser difícil pra você...
Eu só concordei com a cabeça.
- Agora sou eu que peço o teu perdão  - disse a Ju.
- Porque? Não, não precisa...
- Ka... Eu preciso te contar uma coisa...
Fiquei imóvel e prestando toda a minha atenção nela.
- Eu vou te confessar uma coisa que me angustiou desde quando a gente ertava no colégio...
Gelei de medo. Não fazia ideia do que podia ser.
- Ka - ela disse depois de tomar coragem. - Eu era a aluna que transou com o teu pai, e o bilhete que a tua mãe achou no bolso dele era meu... Então, seus pais se divorciaram por minha culpa...
Os olhos dela ficaram cheios de lágrimas, e a voz embargada.
- Eu destrui a vida da sua família, e eu peço desculpas por tudo o que eu fiz...
As lágrimas caíram e eu a abracei. Deixei ela extravasar e coloquei todo o meu carinho maquele abraço. Me senti incapaz de odiar ela. Nem mesmo um pingo de rancor, de dúvida ou qualquer coisa negativa.
Nem consigo imaginar o sofrimento dela por guardar aquilo de mim por tanto tempo.
Mesmo lembrando do episódio, abracei ela e sussurrei várias vezes.
- Tá tudo bem... Tá tudo bem...
- Você me perdoa? - ela ergueu a cabeça, chorando.
- Claro que sim!
- Mas eu fiz de propósito.  Eu fiz porqie queria... E... e eu achava que isso ia me deixar mais perto de você... como eu era idiota!
- Ju, tá tudo bem! Eu não te culpo. A gente era adolescente, e meu pai era um tremendo mulherengo mesmo! Nossa, esquece isso! Esquece...
Segurei o rosto dela e nos encaramos. Sequei as lágrimas dela com as mãos e então beijei a boca dela.
Nos entregamos àquele beijo de paz e reconciliação. Ele era misturado às lágrimas dela, e de tão emocionada e reliz que fiquei, também chorei.
Aquele abraço era tudo para mim. E nós duas rimos ao ver lágrimas borrando o rimel. Rimos muito. Estávamos destruídas, mas de alma lavada.
Olhei no fundo dos olhos dela e disse:
- Eu te amo, Juliana.
Ela segurou meu rosto e respondeu:
- Eu te amo, Katia.
Voltamos a nos beijar, e dessa vez foi com um fogo e uma paixão avassaladora.
O resto da noite namoramos, rimos e comemoramos nosso reencontro, até que uma hora o fogo já estava muito aceso. Eu sussurrei no ouvido dela:
- O que eu faço com você, hein?
Ela aproximou lentamente lábios macios do meu ouvido e disse:
- Me come...
Um arrepio percorreu minha pele. Quase sem palavras, combinamos de terminar a noite no apartamento dela...

Amor a TrêsOnde histórias criam vida. Descubra agora