Capítulo 27 - Mors.

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Jadna Martins


O chá estava frio quando Amanda Aurélio chegou ao café da esquina daqui de casa. A fiz vir pois estava farta de ter que pedir o maldito motorista emprestado ao meu marido, e também porque, se era de interesse da outra parte, que viesse da outra parte o empenho de vir até mim. Assim foi, dentro do possível

O clima estava nublado, era época de chuva em Juazeiro do Norte e isso me dava nos nervos de uma forma que nem devo explicar direito. Os bueiros cheios de lixo de gente desocupada os entupindo e no fim, a água só falta levar o Juazeiro com a lenda do padre Cícero e a igreja do fim do mundo.

O aniversário de Isadora seria em meio a um temporal, isso se realmente tivesse um aniversário. Quando estava próximo do dia de seu nascimento, minha filha sempre tendia a ficar um pouco triste.

ㅡ Desculpa o atraso, sogra. ㅡ suspirou Amanda, colocando a bolsa da gucci sobre o colo. Estava um pouco suada, ao menos se emprenhou um pouco para vir até aqui. ㅡ O trânsito tá uma loucura. Teve um acidente no giradouro com vítima fatal e...

ㅡ Tudo bem, Amanda.

Sorri simpática. Não gostava dela. Não gostava de sua família, pior ainda da mãe, nossa como fala! Precisei de muito autocontrole para não revirar os olhos quando a garota assentiu, tão boba. Anda lesando de tanto chifre que anda levando, maior ainda foi o choque... Rodrigo Andrelino, de baixo do meu nariz.

ㅡ O que era tão importante que não podia esperar até amanhã? ㅡ sorriu simpática.

Miss simpatia em pessoa, isso até ficar entre quatro paredes com Ícaro. Ainda bem que consegui implementar abafadores de sons no projeto novo da casa, ao menos nisso Rodrigo é mais sucinto... Menos quando usa meu carro de motel particular.

Precisava causar impacto para tê-la completamente ao meu dispor.

ㅡ Pedro quer terminar.

Uma sobrancelha loira foi erguida, os dedos ossudos e com o fino anel de namoro em ouro branco frouxo, nem mesmo nesse detalhe meu filho se deu ao trabalho de ser um homem de pulso firme, batendo contra a borda da mesa envernizada.

ㅡ Oh.

Havia muito pouco pulso no soar do murmúrio para que soasse como uma péssima surpresa. Oh, digo eu! Então minha nora não era tão tola quanto pensei que fosse.

ㅡ Puxou ao pai. ㅡ Voltou a dizer, na mesma linha de frieza.

Senti o pulso mudar, os dentes ranger e consegui ouvir os meus batimentos cardíacos nos ouvidos. Não esperava isso de Amanda Aurélio, querida nora e amável marionete. Até mesmo nesse pequeno aspecto doce e maleável, meu filho e marido conseguiram mudar. Minha realidade estava ruindo aos poucos.

ㅡ É, o que eu posso dizer? ㅡ Dei de ombros. A sombra de um sorriso sem humor em meus lábios. ㅡ Eles sempre tiveram um franco para rabos de saias de cabelos loiros. ㅡ inspirei profundamente, droga isso não fica fácil com o tempo. ㅡ Eu e Isa sempre gostamos mais dos... Engraçadinhos.

ㅡ Entendo.

O olhar, antes de admiração, agora beirava a uma insubordinação mascarada. Eu realmente não deveria ter trancado o curso de psiquiatra por conta de Ronaldo.

ㅡ Nós duas estamos com problemas semelhantes, eu diria. ㅡ Pigarreei, forçando um sorriso. ㅡ Acredito que possamos nos ajudar, igual quando você teve mais acesso a minha casa do que qualquer outra pessoa, quando seu pai esteve no fundo do poço.

ㅡ Sempre soube que estava fazendo um trato com o demônio...

Bufei com uma risada, um simples suspiro.

ㅡ Não com o demônio, querida! ㅡ Prendi o lábio inferior entre os dentes. ㅡ Comigo.

Para duas mulheres que mal conversavam coisas sem ser sobre moda e o tempo climático, Amanda estava falando muito e isso sinalizava o quanto tinha engolido calada por alguns anos na família. Não sei ao certo se dou uma surra em Pedro Ícaro por me fazer o favor de dar um pé na bunda de Amanda, ou se o dou um beijo por fazer mais cedo do que eu esperava e torcia.

A garçonete trouxe um café com leite e canela para mim. Pedi uma água com gás e um sanduíche de peito de peru para Amanda, apenas para passar a ideia da sogra boazinha, no fim, tinha certeza que ela nem mesmo olharia para o pedido.

Amanda ficou em silêncio até que nossos pedidos chegassem, ao menos ela se dignou a beber da água, enquanto eu bebia café. Magnífico.

ㅡ O que é dessa vez?

ㅡ Preciso que seja a amante do meu marido.

ㅡ Isso não seria um problema para mim, se quer saber. ㅡ Disse sem nem mesmo piscar os olhos. ㅡ Mas causaria muitos outros. O pior deles: Pedro nunca mais olharia para mim com os mesmos olhos.

ㅡ Eu sei da situação complicada com a Receita Federal que os Aurélios vêm enfrentando. ㅡ Mexi o café com leite e canela. ㅡ Posso ajudar, principalmente se eu tiver tudo o que o meu marido usurpou de mim. Só preciso de algumas fotos, um vídeo curto e nós duas iremos ter tudo aquilo que quisermos.

ㅡ Eu quero o Pedro! ㅡ rosnou.

ㅡ Ele já está perdido e você sabe.

A garganta de Amanda se moveu, lentamente.

ㅡ O material que eu disponibilizar... vai ser expostos ao público?

ㅡ Apenas para fins judiciais, tem minha palavra. ㅡ Prometi, gesticulando com as mãos. ㅡ Pedro sequer irá vê-los.

ㅡ Estou dentro, mas preciso de uma última jogada. Se preciso abrir mão do homem que esteve ao meu lado por tanto tempo... Quero que ele sinta.

ㅡ Rodrigo Andrelino será convidado ao aniversário de Isadora e você tem uma janela de tempo com meu filho. Faça valer a pena.

ㅡ Farei, pode apostar nisso, sogrinha.

Antes que Amanda sumisse sem prestar atenção em mim e em nosso pacto, segurei seu braço sobre a mesa e seus olhos foram até meus lábios erguidos em um sorriso gentil, muito gentil.

ㅡ Nunca olhe para os lábios, querida. ㅡ Aconselhei enquanto colocava uma chave sobre a mesa. O metal sumiu sob a mão de Amanda e foi parar em sua bolsa. ㅡ Eles mentem com a facilidade de um piscar de olhos, o que é bem irônico, para ser sincera... Os olhos são a janela da alma e nunca mentem.

ㅡ Disso você entende, senhora Martins. ㅡ Animou-se com um sorriso grandioso, tendencioso... Debochado até, diria. ㅡ É uma sociopata com tendência a megalomania.

Então ela sabia o que essas duas condições significavam? Isso sim é uma grande surpresa.

ㅡ Agradeça por nunca ter sido uma ameaça para mim, querida e se contente.

Balançou a cabeça e as mechas loiras caíram pelas laterais da cabeça até os ombros. Piscou um dos olhos azuis para mim. Petulante.

ㅡ Por hora.

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