Rebuliço era a palavra mais adequada para descrever aquela sala, naquele momento. Estavam todos no apartamento de Henrique aos berros. Dorah havia se escondido na lavanderia. Graças a Deus, Beatriz estava com a mãe, pensou Victória. Ali não era um ambiente familiar. Estava bem longe disso naquele momento.
Henrique, Heloísa e Lucas apontavam dedos aos gritos para o pai enquanto Eatela era amparada por Victória e Rosa, que fingia estar surda naquele momento. Já havia se metido em muita confusão e queria distância de qualquer fofoca. Mas ficou em choque ao saber a verdade sobre o pai de Lucas.
Arthur ouvia tudo calado. Tentando manter uma calma que ele já havia perdido desde que Lucas o golpeou fazendo o seu nariz sangrar. Ele foi mais rápido do que Henrique, que nem teve chance de segurar o irmão. A frase que tirou Lucas do sério foi a seguinte:
- Eu não me lembro dessa noite, Estela! Quem garante que o menino é mesmo meu filho?
- Eu garanto, seu porco nojento! - disse a Governanta querendo ela mesma socar o nariz perfeito do senhor ali na sua frente. Mas nem teve tempo e seu filho voou nele.
- VOCÊ RESPEITA A MINHA MÃE, SEU VERME! - disse ele pegando Arthur pelo colarinho e o jogando no sofá.
- Calado, o senhor é um poeta! - disse Henrique o olhando com ódio. - além de toda a humilhação que a Teté precisou passar pra criar um filho sozinha, o senhor ainda se acha no direito de desconfiar dela?
- Que vergonha, papai! - foi a vez de Heloísa o olhar com desprezo. - o senhor se aproveitou da fragilidade da Teté pra abusar dela.
- Abusar não porque foi consensual! - ele se levantou, tirando um lenço do bolso para limpar o sangue. Houve um silêncio mortal antes de Estela ir com tudo pra cima dele.
- VOCÊ NÃO ACABOU DE DIZER QUE NÃO SE LEMBRAVA, SEU DEMÔNIO? - disse ela o estapeando com Victória e Heloísa tentando acalmá-la. Mas Henrique também já gritava.
- A CULPA AGORA É DELA, NÉ, SEU CAFAJESTE? COMO O SENHOR PODE SER TÃO BAIXO!
- CHEGA! - Victória gritou a ponto de enlouquecer. - CHEGA TODOS VOCÊS! - Eles a olharam confusos. - Isso aqui tá parecendo uma feira e ninguém vai resolver nada com essa gritaria e com essa selvageria. Ela consentiu porque foi pega de surpresa, Doutor Arthur! E, mesmo achando que o senhor tem todo o direito de se defender, se defenda sem acusá-la de nada! A Estelinha é uma das mulheres mais dignas que eu já conheci e não merece que o senhor a desqualifique aqui na frente de todos.
Ele fez sinal de que havia entendido o que a filha do seu amigo tinha dito e olhou para todos.
- Eu sei que não tem justificativa pro que eu fiz. Eu reconheço! Mas eu não sou mais aquele homem. Eu tô tentando melhorar. E eu sei que a Lalinha não merecia o que eu fiz com ela. - disse olhando para os filhos. - mas eu era um idiota naquela época e não consegui enxergar a mulher maravilhosa que eu tinha ao lado.
- Agora já é tarde! - disse Henrique vermelho de raiva. Victória queria muito abraçá-lo e tirá-lo dali mas eles precisavam se resolver.
- Ok, já é tarde mas temos um futuro pela frente. Eu acabei de descobrir que tenho mais um filho e quero fazer tudo certo agora.
- Eu não sei se o senhor percebeu, mas eu não tô saindo de um berçário, já sou um homem feito. Criado por aquela coitada que se desdobrou pra cuidar sozinha de mim. Que cuidou dos seus filhos como se fossem dela! O senhor não tem mais porque se preocupar com nenhum de nós três.
- Mas você tem direitos, Lucas, e eu vou fazer com que se cumpra todos eles.- disse Henrique encarando o pai.
- Não quero o dinheiro dele! - disse o chefe de segurança, taxativo.
- Você não tem que querer. É seu por direito. - disse Heloísa com impaciência e cansaço da viagem e da gritaria.
- Doe pra alguma instituição se não quiser mas terá sim uma parte da herança da nossa família. Vou cuidar pessoalmente disso! - finalizou Henrique. - Agora, já que não existe a possibilidade de um abraço da paz, vamos todos continuar o nosso dia porque ainda precisamos trabalhar. Vic, saímos em vinte minutos.
Victória já não dirigia para Henrique há uma semana. Ela agora ia pro fórum com ele ao volante e ela ajudava Rodrigo com as inúmeras demandas. Como os dois eram seus assistentes particulares e ele os pagava do seu próprio bolso, não precisavam se reportar a mais ninguém ali além dele. Rodrigo deu graças a Deus pela ajuda, pois estava surtando com a volta de Henrique ao trabalho. Ensinava Victória com paciência e ela estava se saindo muito bem. Mas não era aquilo que ela queria pra sua vida.
Com o dinheiro da rescisão de sua função de motorista, ela terminou de pagar o empréstimo e agora estava procurando alguma vaga na sua área. Também já estava pensando em ir à faculdade para retomar o curso. Henrique a apoiava, mesmo sentindo uma dor quase física por saber que ela passaria mais tempo longe dele. Já havia se acostumado com ela ali com ele diariamente mas sabia que Victória precisava voar. E não seria ele quem iria impedi-la.
As vezes, quando ela ia para o apartamento dela, pra organizar as suas coisas, ele ia para o notebook a olhar pelas câmeras, matando um pouco da saudade. Ele sabia que estava errado, muito errado, em ter as colocado no apartamento da namorada sem avisá-la. Mas nem queria imaginar colocar a segurança dela em risco novamente. Ele a observava na cozinha, queimando alguma comida, enganchando a vassoura nos cantinhos e xingando. Dançando na sala sozinha enquanto abria uma cerveja e dormindo. Ele adorava vigiar o sono de Victória.
Ficaria horas ali a admirando.
Ele queria contar a ela sobre as câmeras mas não sabia como. Lembrou do alerta que Lucas o havia dado.
"Se tiver que fazer, faça bem feito de modo que ela não descubra."
Victória não o perdoaria e isso o enlouquecia. Já tinham alguns meses de relacionamento e quase um ano trabalhando diariamente juntos. Ele a conhecia bem e sabia que ela tinha o gênio forte, o que a tornava o mulherão pelo qual ele havia se apaixonado.
- Deus me livre! - pensou alto se benzendo daquela possibilidade ruim, enquanto Vera o encarava confusa. - perdão! Disse que o Gustavo queria me ver?
A noite, Victória estava chegando em casa quando deu falta do seu celular. Refez mentalmente seus passos e viu que o havia deixado no escritório do apartamento de Henrique. Ela estava cansada mas preferiu fazer o retorno com o seu HB20 e ir rapidinho pegar o celular e aproveitar pra dar um beijo no seu juiz gostoso. Ela riu pensando no quão pervertida estava se tornando, o querendo o tempo inteiro.
Henrique já havia aberto a tela das câmeras para acompanhar a chegada da namorada em casa quando se lembrou de dar a Dorah o remédio pra verme que Victória havia deixado na lavanderia. Seria rápido, pensou. Mas Dorah era manhosa e acabou levando mais tempo do que o esperado.
Victória entrou rapidamente no escritório e pegou o celular que estava no sofá do canto. Respirou fundo e procurou o namorado. Viu que ele havia saído dali há pouco tempo, deveria estar lendo algum processo chato, como tinha costume de fazer nos dias em que ela não ficava lá. Resolveu provocá-lo um pouquinho, deixando um recado no bloco de notas pra ele.
Porém, quando se sentou em frente ao notebook, o chão se abriu embaixo dela.
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Amor & Justiça ⚖
RomanceCom um empréstimo enorme, que pegou para ajudar no tratamento de saúde do seu pai, Victória não viu outra saída: precisava abrir mão do sonho de seguir na carreira em medicina veterinária e ir trabalhar de motorista particular para um juiz renomado...