CAPÍTULO VI: O Medo da Percepção

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Envelhecer não diminuiu meus medos; agora, só me importo mais com o que pensam de mim.

Inês despertou ao final da tarde de sábado. A luz do sol, filtrada pelas cortinas entreabertas, coloria o seu quarto com tons dourados, criando um ambiente sereno e acolhedor. No entanto, um enjoo persistente a incomodava, acompanhando a sua habitual rotina de despertar.

Com movimentos lentos e um leve torpor, Inês se ajeitou na cama e alcançou o telemóvel sobre a cabeceira. Ao ligá-lo, deparou-se com várias notificações, mas uma chamada perdida de um número desconhecido capturou sua atenção. Enquanto se preparava para investigar a origem da chamada, vozes sussurrantes vindas da sala despertaram sua curiosidade. Intrigada, Inês vestiu um robe confortável e aproximou-se silenciosamente para escutar a conversa entre o avô e a segunda esposa.

— A verdade é que a Viviane e a Inês devem sair daqui imediatamente. Não aguento mais e não tenho condições para sustentá-las.

— Mas a Viviane não pode ir viver com o pai? E a Inês, não sei, não pode voltar para a casa da mãe dela?

— Dizem que ela não pode ficar sozinha por causa do David. Não há condições.

— Até hoje ele está preso?

Marta, a segunda esposa, perguntou, e o avô acenou com a cabeça em confirmação.

— Até agora ela está a dormir. Esta menina é estranha. Nunca vi uma mulher dormir até a esta hora.

— Mas não é pior que a Viviane; tens de aguentar. Uma hora ela vai sair, é uma mulher.

As palavras sussurradas revelavam preocupações familiares e uma sensação de desconforto pairava no ar. Não era novidade. A sua família acolhia-a apenas porque não tinha outra opção. O avô só a suportava pelo dinheiro, e nada mais. Inês sentia um aperto no peito. O sentimento de ser um fardo era familiar e doloroso. Sem chamar a atenção, dirigiu-se à área de serviço e pegou os materiais para a limpeza do seu quarto. O som das vozes de Marta e do avô continuava a ecoar em sua mente, como um lembrete constante da sua posição incerta na família.

Quando estava prestes a iniciar a limpeza, o telemóvel tocou novamente. O número estranho piscava na tela. Atendeu com um misto de ansiedade e curiosidade.

— Alô, com quem falo?

Perguntou, ajeitando a postura ao perceber a estranheza da chamada.

— Como é que tu tens o meu número?

A voz do outro lado era firme e segura, e isso fez com que Inês se sentasse, como se tentasse assimilar a situação.

— Não.

Respondeu, a voz carregada de desconfiança.

— Por favor, peço-te que não voltes a ligar para este número.

Desligou a chamada, massageando as têmporas com um misto de frustração e inquietação. Como é que Daniel tinha obtido o seu número? Era uma questão que ficaria sem resposta por agora. Deixou o telemóvel de lado e voltou às suas atividades, mas a mente continuava a girar em torno daquela chamada. As palavras do avô e as preocupações com o que o futuro poderia trazer só intensificavam a sua ansiedade.

Mais tarde, após cuidar da sua higiene e fazer uma refeição rápida, Inês voltou a deitar-se na cama. A sua rotina era uma constante repetição de pequenos rituais que lhe conferiam um senso de normalidade, mas a sensação de estar à beira de uma mudança se intensificava. Estava a começar a considerar a ideia de deixar a casa, talvez buscar um novo começo, mas as opções eram limitadas e o medo do desconhecido a paralisava.
𓇼

Enquanto Inês permanecia imersa em seus pensamentos e na sua rotina monótona, Daniel, por outro lado, sorria com um ar satisfeito, mesmo após a chamada ter sido encerrada. O fato de ter conseguido o número dela era um passo, mesmo que pequeno, na sua estratégia. As suas expectativas não tinham sido inteiramente atendidas, mas isso apenas aumentava a sua determinação. Daniel estava intrigado e ansioso para conhecê-la melhor.

De braços cruzados, no seu escritório, Daniel foi interrompido pela entrada de Amanda, que o olhou com uma expressão preocupada.

— Querido, os convidados chegaram.

— Certo, desço dentro de uma hora.

Respondeu, afundando-se na cadeira de couro enquanto observava a pilha de documentos sobre a mesa. Daniel suspirou fundo, deixando de lado os seus planos para a noite, e preparou-se para seguir com a agenda. As reuniões e os eventos sociais eram parte inevitável da sua vida, mas a intriga com Inês estava a tornar-se um desafio pessoal que ele não estava disposto a ignorar.

Seria uma noite longa, repleta de compromissos, mas a perspectiva de descobrir mais sobre ela dava-lhe uma nova razão para se manter alerta.

Insidioso Encanto - Triologia Encanto Sombrio, Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora