PRÓLOGO

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Segundo Sigmund Freud, os impulsos humanos são regidos pelo "id", esta parte primitiva da nossa psique que é guiada pelo princípio do prazer, procurando a satisfação imediata de todos os desejos e necessidades. A civilização, no entanto, impõe restrições para conter estes impulsos básicos, criando um equilíbrio entre o que desejamos e o que é aceitável para a sociedade. De todos os filósofos e pensadores que existiram, creio que Freud foi o único que conseguiu explicar, com precisão, como o ser humano, por natureza, tende para o mal. Sem as leis e normas sociais que reprimem estes impulsos, o mundo seria um lugar onde apenas os mais fortes sobreviveriam, algo que, de certa forma, já se reflete na realidade em que vivemos.

Mesmo nas sociedades mais organizadas, há sempre aqueles que desafiam as regras, dispostos a fazer o que for necessário para satisfazer os seus desejos, ignorando o impacto que as suas ações podem ter nos outros. Na sociedade, existem três tipos de pessoas: aquelas que seguem as regras, aquelas que reprimem os seus desejos e aquelas que são audazes o suficiente para perseguir o que querem, sem sentirem qualquer remorso ou receio em relação aos que consideram inferiores.

Demorei muito tempo a perceber em qual destas categorias me enquadrava. A minha mãe, desde cedo, dizia-me que eu era mau e que provavelmente nunca alcançaria nada na vida. Ela estava certa em uma coisa: sou mau. Mas também sou inteligente, e foi essa inteligência que me elevou ao topo da sociedade. O poder é poder. Quanto mais privilégios tens, mais te tornas suscetível a cometer atrocidades sem nunca seres questionado ou julgado. O mundo é assim; toda a gente tem um preço, e qualquer um pode ser corrompido se os seus pontos fracos forem explorados da forma certa.

— Por favor, deixe-me sair. Juro que não contarei nada a ninguém.

— Sabias que as pessoas de caráter duvidoso sentem um prazer quase sádico em observar o sofrimento alheio? Especialmente quando as vítimas estão desesperadas, como tu agora, a implorar por misericórdia.

Digo, enquanto uso o objeto afiado nas minhas mãos para ferir um pedaço da sua pele.

— A falta de empatia, combinada com o desejo de controlo e poder sobre os outros, confere a estes indivíduos uma sensação de superioridade, um domínio absoluto. Estas pessoas são frequentemente designadas como psicopatas. Eu, no entanto, não sou um deles, mas partilho algumas das suas crenças.

Os gritos dela são como música para os meus ouvidos. Se soubesse que ela iria gritar assim, teria feito de tudo para a levar ao erro mais cedo.

— As regras existem por uma razão, e tu decidiste ignorá-las.

A sua pele, agora danificada, revela um corpo marcado por cortes profundos. O seu vestido, rasgado, expõe os ferimentos que a minha lâmina causou. Pego na lata de gasolina e despejo o líquido sobre ela, o cheiro acre e forte enche o ambiente.

— Por favor, por favor.

— Agora enfrenta as consequências dos teus atos. Foste tu que pediste isto quando decidiste desobedecer às minhas regras.

Ela olhou para mim, ainda agarrada a uma esperança ilusória de que eu pudesse deixá-la viver. É isso que torna os seres humanos tão fascinantes; mesmo nos seus momentos finais, mantêm viva a esperança e clamam por algo maior. Como se isso pudesse protegê-los da fúria de alguém que não teme o julgamento final. Acendo o fósforo e atiro-o ao seu corpo, observando o fogo consumir lentamente a sua carne, enquanto os gritos preenchem o silêncio opressivo do abrigo subterrâneo.

Insidioso Encanto - Triologia Encanto Sombrio, Vol. 1Onde histórias criam vida. Descubra agora