Parte 4

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______________ [09 e 11] ______________

A mãe de Pran não entendia porque o filho, que estava tão animado com a viagem, ao chegar no hotel parecia cada dia mais triste.

Já era o terceiro dia em que eles estavam no resort e a família de Pat ainda não tinha chegado e Pran andava de um lado para o outro sozinho e emburrado, esperando pelo amigo.

Ele não pensou muito em Pat durante o ano, mas ao lembrar que as férias se aproximavam, era impossível não sentir seu coração acelerar.

Na sua casa, para evitar que sua irmã pegasse o retrato dos dois, Pran o escondeu atrás da foto da sua família, no quadro que tinha no seu quarto.

No último mês, ele retirou a foto do esconderijo e ficou admirando-o noite após noite. Ele já tinha decorado cada traço do rosto de Pat, o contorno do seu nariz, seus olhos miúdos, que sumiam ao sorrir, seu cabelo bagunçado. Pran fechava os olhos e conseguia ver nitidamente a imagem dele e o que mais gostava era a linha do cabelo em forma de coração na sua testa.

Sua vontade de contornar o rosto dele com seu dedo indicador era grande, mas ele sabia que se fizesse isso a foto ficaria desbotada. Seu pai tinha explicado que não era bom ficar tocando nas fotografias para não estragá-las.

Seu ritual consistia em abrir o porta-retratos, lavar e secar as mãos e retirar a foto, segurando pelas laterais. Pran não se importava em ver sua cara de espanto, porque Pat sorria com a boca suja de sorvete ao seu lado.

Pran tinha caminhado para um dos jardins e tinha parado  perto de alguns arbustos, debaixo de um coqueiro, e ele pretendia se esconder da mãe, que não parava de perguntar porque ele estava tão amuado. Ela já tinha colocado a mão na sua testa doze vezes desde ontem para verificar se ele estava febril.

Não era doença, ele só se sentia um pouco chateado.

“Oi!”

Pran não acreditou quando ouviu a voz de Pat e se virou de uma vez, sorrindo ao ver o amigo.

“Achei que você não vinha esse ano!” Pran gritou e o abraçou.

Pat, que foi pego desprevenido por essa demonstração tão intensa de afeto, desequilibrou e deu um passo para trás, sem soltá-lo.

A gargalhada dele parecia melhor com o passar dos anos, ela enchia o coração de Pran com uma alegria inexplicável. Muitas coisas aconteciam com ele que eram difíceis de entender, mas Pat ria e isso era suficiente.

“Eu também senti sua falta, Kid Pran!” Pat o apertou entre os braços e Pran achou muito legal.

“Vai se ferrar, Pat Pateta!” Pran falou animadamente alto.

Com receio de que alguém pudesse ter ouvido suas palavras vulgares, o menino cobriu a boca com as duas mãos e olhou em volta, provocando uma nova onda de risadas em Pat . Pran ficou feliz e um pouco tímido porque o amigo tinha um contentamento diferente no olhar, havia uma certa doçura que fazia a nuca de Pran pinicar.

“Você quer jogar futebol?” Pat perguntou ansioso.

“Quero!”

Pat sempre queria jogar futebol e, mesmo que Pran não fosse tão adepto deste esporte, ele gostava de estar junto com o amigo. Pat estendeu a mão e Pran a segurou e os dois caminharam até a parte gramada perto do parquinho.

Andar de mãos dadas com Pat não era igual a andar com os pais. Seus pais o seguravam com medo de perdê-lo, Pat parecia querer estar ali e queria que Pran ficasse ao seu lado, essa era a sensação, como se fossem caminhar juntos para sempre.

A mão dele era quente e suava um pouco, além disso a maresia parecia deixar a pele um pouco áspera. Pran passava o polegar de um lado para o outro, notando a diferença no tom de pele dos dois. Sua mão era mais branca que a dele e seus dedos eram mais finos. A mão de Pat envolvia a sua quase por inteiro. Pran demorou para perceber que eles tinham parado de andar e Pat o olhava.

“Sua mão é bonita!” Ele disse.

Pran ficou constrangido por ter sido pego em flagrante ao se perder nos seus pensamentos. Sua irmã sempre ria dele quando ele ficava preso dentro da própria cabeça. Ele olhou para Pat, que também parecia ter se perdido, e sorriu. Os dois eram parecidos e o amigo não debochou dele.

Pat levantou sua mão direita e abriu os dedos, depois segurou a mão de Pran e a colocou de frente com a sua, palma com palma, como se as medisse.

“São quase do mesmo tamanho!” Pran notou.

“A sua é mais bonita.” Pat sorriu, levantando um lado da boca.

“Não é, não.” Pran ficou encabulado.

“É sim! Ela é fofinha!” Pat riu.

“Como você se machucou?” Pran, querendo mudar de assunto, apontou para uma linha branca que ele tinha em um dos dedos.

“Caí da bicicleta!”

Pran percebeu que apesar dos sorrisos e risadas, o olhar de Pat muitas vezes parecia distante. Do mesmo jeito que ele se perdia dentro da própria cabeça, Pat também tinha seu esconderijo e ele tinha a impressão de que o amigo queria chorar e tinha se escondido lá dentro.

Essa era uma sensação conhecida de Pran e era muito ruim. Os dois ficaram se olhando por um tempo, em silêncio, então ele mostrou suas covinhas, porque sabia que isso iria animá-lo.

Pat colocou um dedo indicador em cada bochecha de Pran e apertou. O sorriso de Pat reacendeu e isto animou Pran, que encheu as bochechas de ar e ele apertou mais uma vez. Quando o garoto soltou o ar na cara do amigo, o som que o ar fez ao passar pelos lábios foi muito engraçado e os dois riram e ficaram brincando assim por um tempo.

“Isso é muito divertido” Pat estava inteiro ali novamente “Você é legal, Kid Pran!”

“E você é Pateta!” Ele baixou os olhos, envergonhado e se corrigiu “Você é muito legal, Pat!”

“Eu sei!” Ele se afastou e começou a chutar a bola que tinha deixado no parquinho antes de ir procurar o amigo.

Pran colocou o pé entre as pernas dele e roubou a bola. Pat reclamou e correu para pegá-lo, rindo

 
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Ano passado ele tinha demorado três dias para vir, então Pran ainda tinha esperança. Já era seu penúltimo dia ali, mas eles ainda poderiam brincar um pouco se ele chegasse agora.

Pran segurava uma garrafa d'água e de tempos em tempos molhava as mãos, porque o tecido do sofá era áspero e, quando ele o tocava com a mão seca, causava repulsa. O primeiro dia esperando por Pat foi o pior, mas depois que ele começou a umedecer as mãos, tudo ficou mais fácil.

“Você não está pensando em correr para a rua não, não é, garoto?” Um funcionário do hotel viu Pran passar quase todos os dias das suas férias perto da recepção e tinha receio de que ele fosse daquele tipo de criança que espera uma oportunidade para aprontar.

“Não! Estou esperando meu amigo!”

“Todos esses dias? Qual o nome dele? Eu posso te dizer para qual dia ele fez reserva.” O rapaz disse e ficou comovido ao ver a alegria no olhar da criança.

“Pat pa… não, desculpa, é Pawat.”

“Você sabe o nome da família? Ou ele vem com excursão?” Ele perguntou enquanto digitava no computador e sua cara não parecia ter boas notícias.

“Não, ele vem com os pais e eu não sei os nomes deles.” Pran disse desolado.

“Além das excursões, para hoje, temos uma reserva para um casal e amanhã, vão vir alguns casais e uma família com quatro pessoas.”

Pran ficou nas pontas dos pés e tentou debruçar sobre o balcão, como se isso fosse ajudá-lo a enxergar a tela. Pat ia chegar!

“Desculpa, eu li errado, são três pessoas: duas mulheres e um bebê. Elas pediram um berço.”

Pat não viria desta vez.

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