06/03/1996
Já faz dias que estamos andando pelo meio do mato, sem comer, sem beber e sujos. Isso está me matando.
Nunca imaginei que ficar tanto tempo assim sem comer me faria sentir que vou morrer. Hoje, não tenho certeza se algum de nós vai sair vivo dessa.
Toda aquela alegria e entusiasmo que temos, foi embora junto com a positividade. Acredito que todos aqui também estão com o mesmo pensamento em relação a nossa vida.
Dinho aperta muito a minha mão enquanto andamos, faz um tempo que noto que ele quer chorar. Também quero chorar, mas não posso ser fraca agora, mesmo estando realmente fraca.
Parece que todos os sentimentos dentro de mim se unem e me fazem explodir de uma vez só.
─ eu não quero morrer. ─ digo. Todos param de andar e me olham. ─ se for pra morrer, eu quero morrer antes de todos vocês.
─ meu amor, não fala besteira. A gente vai sair vivo dessa. ─ Dinho fala mas suas palavras não me passam um pingo de verdade.
─ e-eu... Eu amo muito vocês... Não quero perder nenhum de vocês. ─ suspiro ─ eu quero abraçar a minha mãe... ─ falo limpando as lágrimas e Dinho me abraça forte.
─ eu prometo que já já a gente sai dessa e você vai ver a sua mãe.
─ eu concordo com ela, a gente não vai sair vivo dessa. Nós ficarmos andando só vai fazer a gente cansar e morrer mais rápido. ─ Letícia diz.
─ por que vocês mulheres são tão pessimistas? ─ Samuel pergunta.
─ pessimistas não, realistas. Vocês apenas não querem aceitar que vamos morrer aqui. ─ Letícia responde e eu só choro mais.
Eu já não tô emocionalmente estável por conta da fome que altera a química do meu cérebro, ela ainda vai e mete essa?
─ não chora... Olha, eu prometo que pelo menos você vai sair viva. ─ Dinho diz.
─ eu só saio daqui se for com você. Eu não posso viver sabendo que perdi você pra sempre.
─ amor... Se você sair viva daqui, você vive por mim.
─ eu não consigo viver sem você!
─ eu queria a Claudia aqui comigo, ou estar lá com ela. Eu sabia que era pra eu ouvir ela! ─ Sérgio diz.
─ eu queria a minha Aninha...
─ só digo uma coisa, sempre escutem meus sonhos! Dá última vez que eu sonhei que alguém morria, o tio do Bento morreu. Agora eu sonhei com avião caindo e olha o lugar de merda que estamos. ─ Júlio diz.
─ quem vai dar ouvidos pra tu, caralho. ─ Letícia diz.
─ ia ser bom uma chuvinha agora, não? ─ Samuel diz.
─ vai chover no verão, né? Que legal. ─ Bento responde.
─ na boa, esse satanás vestido de aspirador de pó disse "imagina se acontece com a gente o que aconteceu com Ritchie Valens". OLHA ONDE ESTAMOS, BOCA DE PRAGA! ─ falo.
─ FOI BRINCADEIRA!
─ e o Dinho também que ficava brincando dizendo que o avião ia cair. ─ Sérgio diz e Dinho revira os olhos.
─ escuta aqui, estamos falando do seu irmão e não do Dinho. Vai comparar ele com seu irmão lá na puta que te pariu, na minha frente não.
─ ao mesmo tempo que comecei a namorar, contratei uma advogada. Te amo, minha linda!
─ vocês sabem que a gente parado, apenas batendo papo, não vai ajudar em nada, né? ─ Bento pergunta.
─ você quer que a gente faça o que, irmão? Quer que a gente ande? Nosso corpo não tem mais força por conta do tempo que ficamos sem nos alimentar. Quer ficar parado? Vamos apodrecer na porra dessa Serra. Quer fazer sinal para nos encontrarem? Ninguém vai nos encontrar, provávelmente já encerraram as buscas. O que nos resta é ficar aqui, sem fazer nada. Vamos morrer de todo jeito. ─ falo.
─ ou! Não fala assim também, né. A gente pode conseguir também. ─ Samuel diz.
─ conseguir? Claro que vamos conseguir. Estamos perdidos no meio de uma Serra, sem comer e beber há dias, apenas com a roupa do corpo e muita animação. Tive uma ideia muito legal que vai fazer a gente se animar mais e sair daqui. Vamos cantar! Subiu a Serra, me deixou no Boqueirão, arrombou meu coração, depois desapareceu.
─ Dinho, acho que ela tá delirando de tanta fome. Dá um jeito aí. ─ Letícia diz.
─ delirando? Não! Claro que eu tô delirando! É impossível você se manter mentalmente estável quando você está sem comer, no meio de um lugar desconhecido e sabendo que vai morrer.
─ Mari, Mari! Calma! Você vai ter um treco desse jeito. ─ Júlio diz.
─ é bom eu ter um treco mesmo e morrer logo nessa porra! ─ me sento no chão e suspiro. ─ eu não aguento mais.
─ ninguém aguenta mais. Você reclamando de tudo ainda piora. ─ Samuel diz.
─ não culpa ela! Você quer que a gente fique sem reclamar como? Porra! Estamos sem o que fazer! Ela só tá falando o que todos nós já sabemos! Vamos morrer! ─ Dinho diz.
─ a gente não vai morrer! Caralho, a gente consegue sim! ─ Bento diz.
─ a gente já tá morto, isso sim. Só me deixem morrer primeiro. ─ digo me deitando no chão.
─ nada disso. Levanta! ─ Dinho puxa meu braço até eu levantar. ─ enquanto eu estiver vivo, você vai estar viva! Eu vou fazer de tudo pra deixar você viva, nem que isso custe a MINHA vida.
─ caralho, Alecsander! Você não entendeu que eu não saio da porra dessa Serra sem VOCÊ? Se for pra alguém aqui morrer, que seja EU!
─ EU NÃO VOU DEIXAR VOCÊ MORRER!
─ para resolver essa briga é simples, pega uma bazuca e mata os dois. Simples! ─ Sérgio diz.
─ tanta coisa pra fazer e esses dois, a duplinha dinâmica, o casal dos sonhos, nunca brigam, perfeitos, INVENTAM DE BRIGAR. ─ Bento diz.
─ a gente não tá brigando. Estamos discutindo nosso futuro. ─ Dinho diz.
─ e o futuro de todos aqui é morrer.
─ menos o seu, mocinha.
─ blá, blá, blá...
─ escuta aqui, senhorita, se for preciso, eu me mato e você come meu corpo só pra você ficar viva.
─ CREDO, DINHO! ─ Letícia diz.
─ normalmente você que me come...
─ agora é a hora de resolver. Vamos seguir ou não? ─ Sérgio pergunta.
─ vamos lá, Serjão. Quer seguir para onde? NÃO TEM PRA ONDE SEGUIR! ─ Júlio diz.
─ caralho, já já anoitece e a gente não fez porra nenhuma além de brigar. Vamos tentar avançar um pouco pra fora da Serra pelo menos. ─ Letícia diz.
─ isso! Vamos! ─ Samuel diz.
Nós andamos apenas um pouco, não dá pra andar muito quando seu corpo pede para ser abastecido. Nós paramos perto de um tronco deitado que tinha por lá e ficamos sentados olhando pro céu sem dizer nada.
Acabo pegando no sono nos braços de Dinho. Ele me abraça com tamanha força que faz eu pensar se esse seria nosso último abraço. Acho que ele também tem esse medo, cada segundo que passa ele me abraça mais forte.
E se esse for o último abraço?
[...]
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Between Friends and Love ~ Mamonas Assassinas
Hayran Kurgu𝐁𝐞𝐭𝐰𝐞𝐞𝐧 𝐅𝐫𝐢𝐞𝐧𝐝𝐬 𝐚𝐧𝐝 𝐋𝐨𝐯𝐞 ─ o romance de Mariana, uma garota da cidade de Guarulhos, e Dinho, vocalista da banda "Utopia", que por sinal, é a banda favorita de Mariana. • não contém hot! ~ Lah ツ