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WUXIAN
—Então?
Cheng entra no meu escritório e fecha a porta atrás dele.
—Olá, Wuxian. Posso entrar, Wuxian? Espero não estar interrompendo, Wuxian.
Como foi seu dia, Wuxian? — murmuro. Olho para Cheng, que está parado na frente da minha mesa, parecendo ter engolido uma régua. Só mais uma segunda-feira, então.
—Como foi o jantar?— ele pergunta.
Eu me recosto na cadeira e o estudo. —Eu comi o salmão. Foi agradável.
Ele bufa e revira os olhos. —E?
—Tinha aspargos ao lado. Grelhado na manteiga. As minicenouras estavam um pouco cozidas demais, — eu digo apenas para foder com ele como vingança por se intrometer na minha vida.
—Você e Qing consertaram as coisas?—ele pergunta, pronunciando cada palavra com muito cuidado.
—Por que você se importa tanto?— pergunto.
—Ela é uma pessoa legal. Sua separação surge do nada. Por que eu não deveria me importar?
—Sabe, se você está tão interessado em saber como Qing e eu estamos, talvez você devesse, ah, não sei, ter aparecido para jantar?
Cheng aperta os olhos para mim. As engrenagens estão se movendo. —Você está chateado.
—Muito astuto.
—Porque... — Cheng diz, o final da frase desaparecendo. Não vou dar nenhuma dica. Ele chegará lá sozinho. Acredito nele porque sou um bom irmão. Cheng deveria realmente seguir meu manual.
—Eu não deveria ter intervindo? — ele adivinha.
—Não, você não deveria — eu digo.
Nós nos encaramos.
—E?—É a minha vez de avisar.
Cheng parece confuso.
—E eu deveria ter aparecido na sexta?— Ele dá um palpite.
—E você quer se desculpar — digo incisivamente. —Porque você se sente mal e não vai fazer isso de novo.
—Certo— Cheng diz. —Isso.
Reviro os olhos. —Não funciona se você não estiver falando sério.
Cheng olha para baixo em uma rara demonstração de culpa. Ele não é grande com emoções, e embora eu saiba por que ele é do jeito que é, de vez em quando, eu só quero  sacudi-lo como se pudesse forçá-lo a relaxar um pouco. Não acho que funcionaria. Toda a existência de Cheng gira em torno de controle.
—Eu... —ele respira fundo, evitando meu olhar —... sinto muito.
Essa é a primeira vez.
—Eu não deveria ter me intrometido — Cheng acrescenta.
—Por que você fez isso?
—Achei que você precisava de um empurrão na direção certa.
Balanço a cabeça. —Não cabe a você decidir qual é a direção certa para mim.
—Isso não é... — Ele para abruptamente antes de encontrar meu olhar. Ele respira fundo antes de concordar. —Você tem razão.
Devo não tê-lo ouvido corretamente. —Tenho?— Fico genuinamente assustado por um segundo. —Quero dizer, eu tenho.
Cheng assente.
Eu assinto.
É seguro dizer que não iremos revisitar este tópico tão cedo. Falar sobre nossos sentimentos é outra coisa que Cheng e eu geralmente não fazemos.
—Como vão as coisas?— Cheng pergunta depois de um tempo.
Ah, bem, vamos ver, certo?
É segunda-feira de manhã e os meus olhos parecem que os esfreguei com lixa. Não dormi nadanas últimas noites. Primeiro foi o encontro de Lan Zhan e todas as porcarias relacionadas, e depoisdisso, passei minhas noites olhando para o teto, tentando descobrir o que é aquela sensação estranhae mesquinha dentro de mim que aparece toda vez que penso nas palavras Lan Zhan e encontro namesma frase.
Mas acho que não posso dizer nada disso a Cheng, então apenas dou de ombros.
—O mesmo de sempre.
Agora que realmente me concentro nele, posso ver que ele parece um pouco desgrenhado. A maioria das pessoas provavelmente não notaria, mas ele é meu irmão, então meu olhar imediatamente se concentra no minúsculo vinco de sua camisa e no modo como sua gravata não está perfeitamente alinhada com a fileira de botões de sua camisa social. Sem mencionar as enormes sombras sob seus olhos.
—O que esta acontecendo com você?
—Nada demais — diz ele.
Aponto para ele com o queixo. —Sua gravata está torta.
Cheng imediatamente fica em alerta máximo quando começa a alisar suas roupas.
—Melhor?— ele pergunta depois de bagunçar ainda mais a gravata.
—Muito — respondo e faço sinal de positivo com o polegar. —Você parece cansado.
Ele suspira. —Isso porque não cheguei em casa ontem.
Eu fico boquiaberto para ele. —Você está aqui desde ontem?
Ele balança a cabeça distraidamente, ainda mexendo na gravata.
—Tecnicamente desde sábado, mas está tudo começando a ficar confuso.
—Jesus Cristo. Ouça-me com atenção para não perder nada. Vá. Para. Casa!
Cheng parece surpreso com meu tom. —Não posso. Tenho muito o que fazer. Tenho duas grandes fusões chegando, então preciso me preparar e reorganizar minha agenda e reservar um voo e um hotel para uma conferência. Então preciso pensar em uma festa de aposentadoria para Ida e... — ele franze a testa — eu poderia jurar que havia outra coisa.
— Ele pega o telefone, os polegares movendo-se rapidamente pela tela. —Ah. E preciso enviar todas as contas deste mês.
Minha carranca se aprofunda a cada tarefa que Cheng recita.
—Por que você está fazendo o trabalho de Jamie para ele?— pergunto. Eu amo meu irmão, mas isso está levando a questão do controle a outro nível. —Você o demitiu de novo e dessa vez ele aceitou?
—Não é esse o sonho?— ele diz secamente. —Mas não. Ele teve uma concussão.
Aparentemente ele faz parte de algum tipo de time de hóquei e se machucou durante um jogo. É hóquei da liga recreativa. Eles competem por um copo de plástico! — Cheng balança a cabeça com descrença estampada em seu rosto, como se entrar em um time para se divertir fosse a coisa mais desconcertante que uma pessoa pode fazer. Algumas semanas atrás, eu provavelmente teria concordado, mas agora sinto inveja de Jamie e do fato de que este escritório não é a única coisa que o define.
—Ele está bem?— pergunto, concentrando-me novamente em Cheng.
—Ele estará fora da contagem pelas próximas semanas. Não consegue nem abrir o laptop sem vomitar por causa da enxaqueca que a luz azul causa. Tenho que contratar um temporário para cobri-lo e nem tenho certeza se vale a pena. Nunca conseguiremos colocá-los em dia com tudo a tempo.
—Você passou para vê-lo?
Cheng inclina a cabeça para o lado e franze a testa. —Pelo que?
—Para ver se ele está bem?—sugiro.
—Conversamos por telefone. Ele parecia vivo.
Eu suspiro. —Ele trabalha aqui há três anos. Ele não merece mais do que um telefonema rápido onde você exige saber quando ele estará de volta ao escritório?
Cheng parece ofendido. —Eu não exigi. Eu perguntei educadamente. Eu não sou um sociopata.
—É bom saber—murmuro.
Cheng me lança um olhar fulminante antes de se levantar e começar a andar de um lado para o outro na frente da minha mesa.
—Por que você está tão nervoso?— pergunto. —E por que você está tentando se matar com trabalho? Não é como se Jamie fosse o único assistente aqui. Tenho certeza de que podemos conversar com Chelsea, e ela poderá ajudá-lo, e nós simplesmente dividiremos e conquistaremos o resto.
Cheng me encara por um momento, parecendo estar tentando o seu melhor para entender o que estou dizendo, mas sem sucesso.
—Oh, sinto muito por tentar manter este lugar funcionando perfeitamente. Obviamente, eu deveria simplesmente ignorar o fato de que meu assistente está fora da contagem por Deus sabe quanto tempo. Desculpe-me por estar um pouco irritado com o fato de que isso irá atrapalhar toda a minha agenda!
As palavras, por mais nítidas que possam parecer, são pronunciadas em tom monótono. Cheng não perde a calma. Nunca.
—Deus não permita que qualquer coisa atrapalhe o cronograma sagrado. — Reviro os olhos.
Cheng para e olha para mim. —O que está acontecendo aqui?
—Só estou tentando lhe dizer que não será o fim do mundo se cada movimento seu não for planejado com antecedência durante cinco anos.
Meu irmão estreita os olhos para mim. Eu olho de volta.
—Aqui é Lan Zhan falando — Cheng diz lentamente. —Você é o responsável. Você não é volúvel e imprudente. Estes não são seus pensamentos.
Dou uma olhada exagerada para a esquerda e depois para a direita.
—Engraçado.
Não o vejo em lugar nenhum plantando seus pensamentos em minha cabeça por meio de um contato visual sinistro.
—Aha!— Cheng aponta o dedo na minha cara. —Viu? Desde quando você é sarcástico? O que está acontecendo?
—Nada. Você está sendo ridículo. Jamie sofreu uma concussão e ficará de licença médica. Não é o fim do mundo. Você não precisa ficar aqui dias a fio, tentando fazer tudo sozinho. Você pode delegar. Temos pessoas aqui que são mais do que competentes para ajudar.
Cheng olha para mim como se eu tivesse enlouquecido. —É um efeito bola de neve.
Uma pequena coisa dá errado e, antes que você perceba, tudo em sua vida é um caos! É assim que sempre acontece.
Meu irmão é um excelente exemplo do que acontece quando seus pais estragam tudo.
—Acho que é pedir demais que você se preocupe com os negócios da família — Cheng diz, em tom gelado. —Se você me der licença, preciso resolver isso.
—Cheng, — eu grito atrás dele, mas ele sai de lá.
—Acho que serei a pessoa legal que visitará Jamie, então— Digo para mim mesmo enquanto volto para meu laptop.
.......
O apartamento de Jamie fica na Praça Central. Nos três anos que o conheço, é a primeira vez que venho aqui. Nem isso, tive que pedir a Cheng o endereço de Jamie. De repente, parece-me estranho, embora não devesse. Jamie e eu não somos amigos. Trabalhamos juntos, mas fora do escritório quase não tenho ideia de como é a vida dele.
Eu gosto de Jamie, no entanto. Nós poderíamos ser amigos. Sempre disse a mim mesmo que era péssimo em fazer amigos e é por isso que só tenho Lan Zhan em minha vida. Mas e se eu estiver errado? Talvez a razão pela qual tenho tão poucos relacionamentos íntimos seja porque não deixei ninguém entrar?
Bato na porta do apartamento de Jamie e espero. Longos momentos se passam sem que ninguém atenda a porta, então bato novamente.
Por fim, ouço passos vindos do outro lado e a porta é aberta. Um cara que parece ter acabado de sair da cama aperta os olhos para mim.
—Sim?—ele pergunta através de um bocejo de estalar o queixo.
—Estou aqui para ver Jamie — digo.
Ele coça a barriga e franze a testa.
—Quem?
—Uh… James Ford?
—Ah, — o cara diz, e agora sua mão se move para baixo e ele começa a coçar as bolas.
Esta é sem dúvida uma saudação interessante. —Cara, não sei se ele está em casa. Não o vejo há alguns dias.
Isso não é bom.
—Precisamos ver como ele está. Ele tem uma concussão.
O colega de quarto de Jamie abre mais a porta e faz um gesto para que eu entre.
—Vá em frente. Terceira porta à esquerda.
Ele passa por mim e desaparece atrás de outra porta, e eu sou deixado por conta própria. Essa é certamente uma abordagem inovadora para proteger sua casa contra arrombamentos e invasões.
Encontro a porta certa e bato.
—Sim?— A voz é inconfundivelmente de Jamie, embora a exuberância habitual esteja faltando, então abro a porta e espio para dentro.
Quase estremeço ao vê-lo. Jamie está sentado na cama, pálido como um lençol. Há olheiras sob seus olhos e um hematoma roxo brilhante decora o lado esquerdo de seu rosto.
—Oi, — eu digo enquanto me aproximo.
Ele semicerra os olhos para mim como se estivesse tentando descobrir se sou real ou não.
—O que você está fazendo aqui?
—Eu queria ver se você estava bem. Como você está se sentindo? — pergunto.
—Concussões são uma droga, cara. Eu não recomendo.
—Devidamente anotado.
Encosto-me na parede. O quarto de Jamie é minúsculo. A única coisa que cabe aqui é a cama e uma pequena cômoda.
—Seu irmão mandou você verificar se realmente estou fora da contagem?— ele pergunta, erguendo o olhar cansado para mim.
—Cheng também estava preocupado com você.
Provavelmente. Em algum lugar lá no fundo.
É difícil dizer com Cheng. Ele não é uma pessoa má, mas às vezes parece que as emoções humanas o escapam.
—Claro que estava, — Jamie zomba e estremece novamente.
—Tem certeza de que está bem?
—Tão bem quanto posso estar, eu acho.
—Há algo que eu possa fazer por você? Eu não acho que você deveria ficar sozinho.
Não existe algum tipo de regra que você precisa ser supervisionado após uma concussão?
—Tenho um amigo que me liga a cada poucas horas. Ele vai dar o alarme se eu não atender.
—Um telefonema não é exatamente a mesma coisa que pessoas reais cuidando de você — eu argumento. —Você deveria vir ficar na minha casa. Tenho um quarto extra.
Não é exatamente verdade, eu acho, mas tenho certeza de que Lan Zhan e eu podemos dividir meu quarto por alguns dias.
—Cara, sem ofensa, mas com a quantidade de tempo que você passa trancado em seu escritório, duvido que você seja minha melhor chance de sobrevivência.
—Vou tirar alguns dias de folga — ofereço.
Ele bufa. —Claro que você vai. De qualquer forma, não é importante. Eu estou bem aqui. Já passei das vinte e quatro horas críticas, então estou bem.
—Você não parece bem.
—Uau. Fale sobre chutar um cara quando ele está caído.
Reviro os olhos. —Você sabe que não foi isso que eu quis dizer.
O telefone de Jamie começa a tocar na mesa de cabeceira. Ele o pega e leva até o ouvido sem olhar para a tela.
—Estou vivo — ele diz e desliga imediatamente.
—Tenho certeza de que isso aliviou sua mente — comento.
—Já recebi oito desses telefonemas hoje. Sua mente está bem. Posso fazer mais alguma coisa por você?
—Já esgotei minhas boas-vindas?—provoco.
Jamie respira fundo.
—Desculpe, — ele murmura. —É que minha cabeça está me matando e estou estressado porque o time está com falta de jogador, o que é uma pena porque pela primeira vez tivemos a chance de não sermos os perdedores. Este ano, na verdade, temos uma equipe um tanto decente. Eu estava ansioso para ser, tipo, o sexto ou sétimo.
—Aposte alto, hein? — pergunto com uma risada.
—Fomos os últimos nas três temporadas que jogamos juntos. Sexto ou sétimo seria incrível.
—Eu nem sabia que você jogava hóquei — digo, percebendo tarde demais que poderia estar esfregando sal na ferida, mas Jamie não parece se importar.
—Desde o ensino médio. Eu não era bom o suficiente para jogar na faculdade, mas me saio bem na liga recreativa e é divertido.
—Sim, eu também nunca teria conseguido ir para o hóquei universitário — digo.
A cabeça de Jamie se levanta, o que o faz estremecer novamente.
—Você joga?— ele pergunta depois de terminar de segurar a cabeça.
—Há muito tempo. — Faz uma década que não calço patins. Agora que penso nisso, não sei por quê. Sempre adorei hóquei.
—Você é bom?— Jamie pergunta, parecendo notavelmente mais vivo de repente.
Eu dou de ombros. —Eu era decente no ensino médio, mas não tenho certeza se patinar é como andar de bicicleta. Faz muito tempo que não jogo.
Jamie apenas dá de ombros. —Você não pode ser pior do que o cara com uma concussão.
—Eu não teria tanta certeza— digo com uma risada, antes de registrar aquele olhar calculista nos olhos de Jamie. —Espere. O que?
—Você pode entrar no time em vez de mim. — O pobre rapaz parece tão animado de repente. E como se ele estivesse prestes a vomitar. Eu examino o quarto, pronto para mergulhar na lata de lixo.
—Você definitivamente está com uma concussão, certo — eu digo.
—Obviamente. — Jamie bate suavemente com o dedo na têmpora. —Mas você poderia. Ou você se opõe ao hóquei?
Ele levanta as sobrancelhas para mim e eu balanço a cabeça lentamente. —Não.
—Não, você não se opõe ou não, você não vai jogar?
Nunca fui bom em ser espontâneo. Preciso de um plano para funcionar e preciso pensar bem ao tomar decisões.
Entrar para um time de hóquei não é uma boa ideia. Não tenho tempo, para começar.
De qualquer forma, o trabalho é sempre uma loucura, e agora que Jamie estará fora do escritório nas próximas semanas, tudo ficará ainda mais agitado. Além disso, não tenho certeza se seria muito útil para a equipe de Jamie. Pelo que sei, eu simplesmente tropeçaria no gelo e derrubaria as pessoas, garantindo outro último lugar para o time.
—Sim, — eu deixo escapar.
Jamie me encara por um longo tempo, e estou começando a pensar que ele vai retirar a oferta, mas então ele semicerra os olhos para mim e diz: — Bem, isso não esclareceu absolutamente nada.
—Eu vou jogar. Vou me juntar à equipe.
Espero que o pânico tome conta de mim. Estou quase pronto para lidar com a temida sensação de O que eu fiz?  Mas nunca chega. Em vez disso, me sinto muito bem. Eu fiz algo inesperado. Algo egoísta, até. Algo que é exclusivamente para mim.
—Ótimo. — Jamie passa a palma da mão na testa. —Vou ligar para a galera e avisar que podem me considerar substituído. Eles ficarão em êxtase.
—Ótimo, — eu concordo com Jamie.
Eu verifico o medidor de, oh merda. Nada ainda.
Parece que estamos prontos para ir.
(....)


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