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WUXIAN
Acordo na manhã seguinte porque meu nariz coça. Limpo o rosto com a palma da mão algumas vezes enquanto ainda estou meio adormecido, mas a sensação de coceira continua voltando.
—O que... — murmuro enquanto abro um olho, apenas para encontrar o rosto sorridente de Lan Zhan alguns centímetros acima de mim. Ele está segurando uma mecha de cabelo e fazendo cócegas em meu nariz.
—Legal, — eu digo rouco enquanto ele se joga de costas e ri.
—Você fica fofo quando dorme — ele diz.
—Fofo demais para me deixar continuar?— pergunto bocejando.
—Achei que você gostaria de se levantar. Estamos desperdiçando preciosas horas do dia.
—É junho. O sol nasce, tipo, quinze horas por dia.
—Eu também estava muito entediado, mas não queria me afastar muito de você, — Lan Zhan confessa com um encolher de ombros sem remorso.
—Já estou repensando toda essa coisa de se mudar e estar apaixonado.
—Desculpe. Existe uma política rígida de não devolução. — Ele rola em cima de mim e sorri amplamente. —Embora eu me sinta mal por ter acordado você. Talvez eu possa compensá-lo.
Lan Zhan empurra seus quadris contra os meus, circulando-os, esfregando-se contra minha ereção matinal. Envolvo minhas pernas em seus quadris, prendendo-o.
—Pensando bem, acho que vou ficar com você, — digo antes de enganchar meus dedos na nuca dele e puxá-lo para baixo para um beijo que se intensifica a cada segundo, até que Lan Zhan de repente se afasta de mim, me deixando completamente atordoado.
—Onde você está indo? — Pisco e tento dissipar um pouco da névoa de desejo enquanto Lan Zhan se senta e joga as pernas para o lado da cama.
—Você não ouviu a batida? Uau. Sou muito bom nas preliminares. — Ele pega um moletom e o veste. —Alguém está na porta, — ele explica diante da minha expressão confusa.
—E então?—grito enquanto ele sai do quarto. —Podemos fingir que não estamos em casa.
Ele coloca a cabeça para dentro do quarto. —Eu já tentei isso, mas quem quer que seja já está batendo há muito tempo.
Como que para provar as palavras de Lan Zhan, ouço algumas batidas altas na direção da porta da frente.
Eu me jogo de volta na cama. —Diga a eles para se foderem e nunca mais voltarem — eu grito atrás dele. —A menos que sejam escoteiras vendendo biscoitos de Natal e, nesse caso, seja educado ao mandá-las embora.
O som dos pés descalços de Lan Zhan andando pelo apartamento me faz sorrir.
Ouço um leve clique quando Lan Zhan abre a porta, e depois o murmúrio de vozes e o som da porta se fechando.
—Você se livrou deles?— eu chamo.
—Porque estou ficando solitário aqui.
Em alguns segundos, Lan Zhan está de volta à porta, parecendo assustado por algum motivo.
Eu jogo o edredom fora e balanço as sobrancelhas para ele.
—Você pode querer adiar isso um pouco, — ele diz e aponta para a sala com a cabeça.
—Sua avó e seu irmão estão aqui.
Eu me jogo para uma posição sentada.
—Eles estão aqui agora?
—Na sala. — Lan Zhan desvia o olhar.
—Eles podem ter ouvido você agora há pouco sobre a parte solitário. — Sua voz é tão baixa que mal consigo ouvi-lo, e ele continua lançando olhares para a sala.
—Eu disse a eles que estávamos jogando Alias, mas não tenho certeza se eles acreditaram em mim, então você provavelmente deveria fazer algum controle de danos.
Eu olho para ele sem piscar por alguns momentos.
—Alias?— repito.
—É a primeira coisa que me vem à cabeça. — Lan Zhan cruza os braços sobre o peito e me encara.
O riso borbulha dentro de mim. Toda essa situação é ridícula demais para ser expressa em palavras, então a risada fica mais alta a cada segundo, até que Lan Zhan entra correndo no quarto e se joga em cima de mim, pressionando a palma da mão sobre minha boca.
—Pare com isso — ele sibila e lança um olhar nervoso para a porta. —Eles vão ouvir você.
Eu lambo sua palma. Lan Zhan olha para o teto e murmura algo ininteligível antes de abaixar a cabeça para olhar para mim novamente.
—Eles não sabem sobre nós, lembra?— ele diz em um sussurro frenético. —Então você precisa ir lá e agir normalmente, e talvez tentar suavizar toda a mentira do Alias, se puder.
Balanço a cabeça antes de beijar sua palma, mas Lan Zhan não parece notar.
—Você está certo, — ele diz. —Apenas ignore toda essa coisa do Alias. Finja que tudo está normal e tenho certeza que eles acreditarão. Negue, negue, negue, até que eles acreditem.
Viro a cabeça até que ele solte minha boca, mas em vez de me levantar, puxo Lan Zhan para baixo para um beijo, e quando nossas bocas finalmente se separam, ele parece... bem, exatamente como se alguém o tivesse beijado. Do jeito que eu gosto dele.
—Eu cuido disso, — prometo ao sair da cama.
Lan Zhan apenas balança a cabeça.
Entro na sala depois de vestir algumas roupas. Cheng está parado perto da janela, olhando para a rua, e vovó está sentada no sofá.
—Oi, — eu digo enquanto paro na porta.
—O que vocês estão fazendo aqui?
Vovó me faz um gesto em direção a ela. Ela continua curvando o dedo até que eu esteja praticamente na cara dela, e então, em um movimento rápido como um raio, ela agarra minha orelha e torce.
—Ei!— protesto enquanto me afasto dela.
Vovó se levanta e aponta para Cheng.
—O que é isso que ouvi sobre vocês dois brigando?
—Você tagarelou?— pergunto a Cheng incrédulo.
—Eu não fiz isso!— ele nega imediatamente. —Culpe Jamie. Ele é aquele com lábios soltos.
—Ninguém está culpando ninguém — diz vovó. —Isso vale para vocês dois também.
Vocês são irmãos. Seja qual for a briga que vocês dois tiveram, resolvam agora.
—Não há briga — tento dizer.
—Resolvam!—Vovó retruca antes de sair da sala. Um segundo depois de sair, ela espia para dentro do quarto. —De preferência antes das duas horas porque tenho um almoço marcado que gostaria de manter, muito obrigada.
Eu a ouço se mover em direção à cozinha, e então somos só eu e Cheng.
Não conversamos desde que larguei meu emprego. Acho que somos teimosos demais para o nosso próprio bem, mas alguém tem que oferecer uma trégua, e como foi Cheng quem veio aqui, mesmo que tenha sido sob coação, acho que sou eu quem deveria dar início.
—Que bom que você passou por aqui — digo.
—Eu não tive muito a dizer sobre o assunto.
A afirmação provavelmente soaria fria e insensível para outras pessoas, mas é o clássico Cheng. É assim que ele opera.
Ele aponta em direção ao corredor. —Vovó disse que você queria usar o telescópio dela, então o trouxemos.
—Oh. Bem, você não precisava se preocupar, mas obrigado.
—Eu me ofereci — diz Cheng. Ele respira fundo e olha para baixo, onde está apoiando as palmas das mãos no parapeito da janela. Parece que ele está tentando extrair as palavras com um alicate. —Eu… não estou acostumado a não ter você por perto, ao que parece.
Ele suspira e finalmente encontra meu olhar. —Eu não deveria ter exagerado como fiz. Se você quiser voltar, eu... eu poderia viver com isso.
—Uau. — Não tenho certeza se devo ficar lisonjeado ou não.
Cheng parece um ator que acabou de perceber que estragou suas falas no ato principal.
—O que eu quis dizer foi que gostaria que você voltasse.
Nunca vi Cheng tão hesitante antes. Isso não combina com ele. O desejo familiar de fazer o que é certo – seguir o plano responsável – é forte. Eu quero dizer sim. Quero deixá-lo orgulhoso de mim porque velhos hábitos são realmente difíceis de morrer. Seguir o plano aprovado por Cheng tem sido minha agenda há tanto tempo que, ao lado dele agora, parece quase impossível me desviar.
Mas o momento em que penso em voltar ao direito societário é também o momento em que percebo que não posso fazê-lo.
—Você não fica entediado?— pergunto antes de poder me conter.
Cheng franze a testa enquanto olha para mim.
— Entediado?—ele pergunta, inclinando a cabeça para o lado como se a palavra soasse estranha para ele.
—Nós dois elaboramos contratos a maior parte do dia, e eu estava pensando em como você administra isso. Como você se motiva para continuar quando odeia seu trabalho?
—Odeio meu trabalho?—Cheng pergunta, as sobrancelhas tão erguidas que por um segundo sinto vontade de rir da expressão cômica de surpresa em seu rosto.
—Talvez ódio não seja a palavra correta. Eu só estava... quero dizer, é muito chato.
Cheng ainda está olhando para mim como se eu estivesse falando uma língua estrangeira.
—Eu amo meu trabalho — ele diz lentamente. —Por que você acha que já faço isso há anos? O direito societário é interessante. Ele combina negócios e direito, permitindo-me realmente ampliar minhas capacidades mentais. É como o quebra-cabeças definitivo.
Preciso estar um passo à frente para proteger meus clientes. Preciso ser melhor do que as pessoas sentadas do outro lado da mesa, que potencialmente tentarão adicionar cláusulas ou usar uma linguagem que possa prejudicar meu cliente. Elaborar contratos, negociar acordos, navegar em fusões e aquisições são um desafio. Eu gosto imensamente disso.
—Oh. — A maneira como Cheng fala sobre direito corporativo, com os olhos brilhando de excitação, faz meus ombros caírem. Este é definitivamente o último prego no caixão. Não entendo o que há de errado comigo por não gostar nem um pouquinho disso quanto Cheng.
—O que você gosta em ser advogado?—Cheng pergunta.
—Nada — deixo escapar antes que possa pensar melhor. Cheng me encara por um longo tempo.
—Wuxian… — Ele balança a cabeça consternado. —Por que você é advogado então?
Eu dou de ombros. —Eu… É um campo que vai garantir que eu tenha um futuro seguro. É uma escolha de carreira estável e responsável. Uma respeitável.
Pela expressão no rosto de Cheng, posso ver que ele reconhece as palavras que repetiu para mim dezenas de vezes ao longo dos anos.
—Então, — ele finalmente diz e esfrega a palma da mão no rosto. —Isso é uma falha da minha parte.
Uma risada assustada me escapa. Não acho que Cheng tenha falhado em nada em toda a sua vida, então este momento aqui deve ser uma experiência interessante para ele.
—Deixe-me só... — Ele me considera por um momento.
—Mamãe e papai eram péssimos como pais — diz ele. —Quando eu era mais novo e você ainda nem tinha nascido, era um caos. Ambos eram muito jovens e irresponsáveis para terem filhos, e se eu tivesse que adivinhar, acho que provavelmente foi um acidente?
Deus sabe por que eles decidiram me ter. Ambos tinham, eu nem sei, aveia selvagem para semear? Eram festas constantes e decolagens por capricho. Houve algumas vezes em que ambos me esqueceram em casa. Presumo que ambos imaginaram que o outro cuidaria de mim, e não foi uma espécie de estratagema para reconstituir Esqueceram de Mim.
—Eu perderia aulas por semanas a fio. Estava muito cansado por causa das constantes festas e brigas barulhentas e das traições e… era exaustivo. Não sei se é pela forma como cresci, mas gosto de estabilidade e rotina. Adoro. Parece que não consigo funcionar corretamente sem isso. E quando eles morreram e você veio morar comigo, pensei que era disso que você precisava também.
—Era — interrompo. Não tenho certeza se devo dizer a próxima parte, mas, novamente, acho que precisamos que eu seja honesto. —Fiquei triste quando eles morreram, mas houve uma pequena parte de mim que ficou aliviada porque não precisava mais morar com eles. Eu não tinha que ouvir as festas e brigas e toda a loucura que vinha com mamãe e papai. Eu queria uma saída e você me deu.
—É justo, mas eu não deveria ter feito você sentir que não poderia fazer suas próprias escolhas — diz Cheng.
—Não se culpe. Você fez o melhor que pôde, considerando que tinha vinte e dois anos e de repente teve que cuidar de uma criança de doze. Você é um bom irmão, Cheng.
Você poderia ter me entregado para alguns parentes, mas não o fez. Vovó definitivamente teria me acolhido se você tivesse perguntado. Mas você me manteve, e sempre serei grato.
—Você é meu irmão. Manter você nunca foi uma questão. Além disso, vovó já tinha problemas suficientes com o diagnóstico de câncer do vovô, além de perder o filho e a nora.
O silêncio se instala entre nós dois.
—Eu deveria…
—Você deveria...
Nós dois rimos.
—Você primeiro — diz Cheng.
—Eu sei que você efetivamente tem sido meu pai nesses últimos dezesseis anos ou mais, mas eu realmente gostaria que pudéssemos tentar essa coisa nova e sermos irmãos.
Eu gostaria de ter um irmão mais velho.
—Essa é a essência do que eu estava prestes a dizer, — Cheng responde. —Vou tentar, e você pode me criticar quando eu falhar, o que com certeza vai acontecer, infelizmente.
Concordo com a cabeça antes mesmo de ele terminar.
—De acordo.
Nós dois sorrimos, mas ainda não consigo me sentir cem por cento aliviado porque há outro aspecto importante da minha vida sobre o qual Cheng não faz ideia, então acho que é hora de avançar e deixar tudo aberto.
—Lan Zhan não é apenas meu amigo — eu digo apressado. —Ele é meu namorado.
Estamos apaixonados.
Cheng franze a testa e, por um momento louco, imagens dele me renegando passam pela minha mente, cada uma delas mais assustadora que a anterior.
Mas Cheng apenas dá de ombros.
—Tudo bem?— ele diz.
—Tudo bem?— repito.
Seus olhos se movem da esquerda para a direita, como se ele estivesse procurando cartões com dicas do que dizer.
—Bom para você, — ele diz e me dá um tapinha nas costas sem jeito.
—Você não parece tão chocado— eu digo.
—Estou um pouco chocado por não ter acontecido antes. Isso conta?
Tudo o que posso fazer é olhar para ele com a boca aberta.
—Eu não sou homofóbico se é isso que faz você me olhar desse jeito.
—É mais que você nunca pareceu gostar tanto de Lan Zhan.
Ele suspira. —Ok, então outra falha da minha parte, ao que parece. Eu não... não gosto dele. Sou um pouco cauteloso com ele. Ele é um daqueles espíritos livres. Vai e vem quando quiser. E a maneira como ele alternava entre empregos, nunca se decidindo por algo ou se comprometendo com nada. Acho que sempre esperei que ele fosse como nossos pais. Eu não queria que ele te decepcionasse, porque desde que vocês dois se conheceram, vocês estão praticamente unidos pelo quadril. Eu não queria que ele partisse seu coração.
—Ele não vai.
—Você não sabe disso— Cheng diz, parecendo um pouco com pena de mim por ser tão ingênuo.
—Eu não vou.
Olho para trás e ao som da voz de Lan Zhan.
—Não vou — Lan Zhan diz novamente, caminhando em nossa direção. —Tenho procurado por algo todos esses anos e descobri que o lar que procurava está bem aqui.
Cheng não parece cem por cento convencido, mas respira fundo e balança a cabeça.
—Recomeço?— ele pergunta enquanto estende a mão em direção a Lan Zhan.
Eles apertam as mãos.
Cheng nos estuda por um segundo antes de olhar pela janela novamente.
—É por isso que as coisas não deram certo com Qing?—pergunta. —Esse foi mais um daqueles casos em que eu empurrei algo para você e você concordou só para me agradar?
Eu balanço minha cabeça. —Não. Não tem nada a ver com isso. Qing é a melhor e sempre a amarei, mas só queremos coisas diferentes na vida. Acontece.
—Tudo bem. — Cheng assente. —Devo dizer que estou um pouco aliviado por você não estar se forçando a ficar com ela por minha causa.
—Eu realmente não estava. Até eu tenho meus limites.
Cheng assente. Ele está começando a parecer desconfortável com a superabundância de verdades e sentimentos que expomos aqui esta manhã.
—Bem, estou feliz por termos conseguido esclarecer um pouco entre nós — diz ele.
—Acho que devo ir. Tenho algum trabalho a fazer e tarefas a fazer e...
—Quer ficar para o café da manhã?—Eu o interrompo. —Ou brunch, eu acho.
Por um segundo, ele parece prestes a recusar, mas depois concorda.
—Gosto de comida — diz ele.
—Eu também. Nós temos muito em comum.
—Idiotas — Lan Zhan diz fingindo tossir.
—Ei, vovó?— grito em direção à cozinha. —Você quer café da manhã?
Ela entra na sala imediatamente, não deixando dúvidas de que está escutando, mas não parece nem um pouco arrependida por isso.
—Por que não. Acontece que eu também gosto de comida. Deve ser uma característica familiar.
Lan Zhan se aproxima de mim e eu envolvo meu braço nele.
—Ei, vovó?—pergunto. —Quer conhecer meu namorado?
O sorriso de Lan Zhan é cegante.

(....)

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