03: Anjinho do papai.

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Serena

Ficar em casa geralmente é sufocante, principalmente na mesa de jantar. Ano passado eu perdi 40 kg, eu era bem gorda antes disso, tanto que não saia nas festas da empresa com a Selly e o papai. Não conseguia um namorado, e quando alguém mostrava interesse no ensino médio a minha irmã dizia que ninguém deveria se contentar com uma versão menos gostosa dela.

Ela me convenceu a colocar silicone também, quando emagreci, para continuarmos iguais. A única coisa que não mudo é o meu cabelo, é igual ao da nossa mãe. Mas não sou tão diferente deles, também me importo com as aparências.

Termino de comer o mais rápido que posso. O novo namorado dela está aqui outra vez, ele não para de esfregar o pé na minha perna. Levanto incomodada. Fecho as mãos com força e engulo a porra do meu orgulho. Sempre tive inveja, essa é a primeira vez que não sinto nada parecido.

— Acabei, não estou me sentindo bem, vou para o meu quarto.

Espero que ele olhe para mim, que decida se posso ir:
— Claro, anjinho do papai, peça para comprar algum remédio na portaria se precisar.

Seu olhar não está em mim, mas sim no celular. O cabelo penteado para trás e os fios grisalhos dão um ar de velho, mas o terno despojado fez parecer mais novo. Ele troca de secretaria toda semana. E controla nossa conta bancária.

— Sim, papai.

— Não precisa ir assim, querida irmã, se for… — Selly tenta me manipular como sempre.

— Boa noite!

Dou a volta e passo bem longe de todo mundo. Subo as escadas apressada e tranco a porta do quarto. Me jogo na cama. Encaro o teto me perguntando se é isso que eu quero para o resto da minha vida. Acho uma boa ideia pensar em me mudar, faz um tempo que penso nisso. Mas quero um emprego, não quero depender do meu pai para sempre como a minha irmã.

Um império pode cair a qualquer momento, um lar sobrevive a qualquer tempestade, era o que a nossa mãe dizia. Mando mensagem para a Lena, perguntou se ela pode me ajudar. Nunca fiz isso, não sei por onde começar. Alguém me liga quando envio a mensagem. Atendo, ponho o aparelho no ouvido e me sento com as pernas cruzadas.

— Alô? Oi, tem alguém aí? — Passa um tempo em silêncio.

“Oi, sou eu, queria saber se era seu número mesmo.”

Encaro a minha mão, ele tocou nela, e acho que rolou uma química, sei lá. Talvez seja coisa da minha cabeça, criar fantasias com alguém que você tem interesse. Ainda não tive coragem de falar sobre como ele parece com o cara que ficou parado perto da minha janela e acenou.

— Entendi.

“E também queria te chamar para sair, mas não posso sair de casa, estou em prisão domiciliar por enquanto.”

— É uma pena… — Penso em voz alta. Ele ri.

“Pode vir aqui sempre que quiser. Vou ficar sozinho no fim de semana, podemos até assistir um filme. Se não quiser não tem problem…”

— Eu vou, digo, eu to livre, acho que posso ir. — Respondo mais rápido do que achei que poderia. Fico envergonhada sem motivo.

“Falou, então tá combinado lacinho.”

Me despeço. Desligo e puxo um travesseiro, afundo a cabeça e grito contra ele, animada. Essa é a sensação de gostar de alguém e ser recíproco? Me sinto uma adolesente, não uma jovem de 21 anos, que escolheu não fazer faculdade. Tento parar de sorrir, mas não consigo, olho ao redor para ter certeza que ninguém viu isso.

Vou me trocar para dormir, cantarolo o tempo inteiro, prendo meu cabelo e coloco a touca de cetim. Escovo os dentes. Deito, mas não consigo fechar os olhos pensando em como vai ser passar o dia com ele. Será que vou conseguir manter uma conversa decente, ou vou começar a gaguejar. Não duvido que ele seja um amor.

Pelo menos deu para perceber que o Elias tem algum interesse em mim, pode ser besteira minha, mas acho que alguém finalmente gosta de mim, mesmo que seja pela minha aparência. Aparência é importante. Vamos ter tempo para conversar e nos conhecermos.

( … )

A Lena me ajuda a procurar um emprego, saímos cedinho, imprimimos alguns currículos. Ela disse que não seria fácil, então tudo bem se no começo não aparecer nada, diferente de mim ela trabalha muito para ajudar em casa. Paramos em uma loja de roupas que eu gosto muito.

— Parada assim, você parece um manequim dessa loja! — Zomba.

Imito a pose do manequim na vitrine já que estavamos com a mesma roupa, coloco a mão na cintura e seguro um mexa de cabelo na altura do rosto para não ficar esquisito só dobra o braço para cima. Rimos juntas. Um moço para perto da gente. Me sinto uma boba de repente.

— Com licença, bom dia. Você podia ser modelo, não tem interesse? — Fala diretamente comigo.

Abro a boca sem saber o que dizer. Ele me estendi um cartão de uma agência famosa que a minha irmã gosta. Lena arregala os olhos.

— Ela tem interesse sim, moço. — Me dá uma cotovelada para pegar o cartão com o número.

— Eu tenho interesse. — Concordo. Aceitando o papel com designer familiar.

— Me chamo Sérgio, pode ir no fim de semana, no sábado pela manhã. Se a Vanessa gostar de você, pode ser um trabalho de verdade.

— Certo, muito obrigada. — Forço um sorriso, tinha prometido passar o fim de semana com o Elias. Agora, vai ser meio fim de semana.

Ele permanece sério, se despede e vai embora. Lena me observa confusa com a minha falta de entusiasmo.

— O que foi?

— Eu tenho um encontro no fim de semana e… — Me interrompo desacreditada.

— E? Tem mais? Assim o meu coração não aguenta, tanta novidade junta! — Coloca a mão dentro da blusa e faz o movimento do coração batendo com a mão no meio do peito.

Reviro os olhos. Não é para tanto. Explico o que aconteceu, lembro a ela que eu fiquei com o moletom dele e foi devolver. Andamos até a praça e sentamos em um banco. Continuo contato sobre a ligação.

— Não acredito! — Sorri animada, bate no meu ombro. — Safada, já vai passar a noite.

— O que? — Franzi a testa.

— Se você vai no sábado e vai ficar no domingo também, vai dormir com ele de conchinha! — Concluí.

Sinto meu rosto pegar fogo de tão quente que minhas bochechas ficam. Nego na mesma hora.

— Não é assim, somos amigos agora, trocamos algumas mensagens e ele disse que dormia no sofá sem problema. — Tento esclarecer as coisas.

Cruza os braços:
— Hum, e você acha que ele não vai tentar nada, nem um selinho?

Obscura ilusão.Onde histórias criam vida. Descubra agora