SerenaPassou uma semana.
Se passaram duas semanas.
Passaram três semanas.
Se passaram quatro semanas.
Hoje faz um mês que estou aqui.Estou usando a mesma roupa há um mês. Mas essa nem é a pior parte. Não quero falar das suas visitas. Sierra me disse que se eu assinar o papel ele vai matar nós duas. Aqui no escuro. Conto os dias como se pudesse me manter de pé com essa informação. Olho para a pequena janela no canto, com grades. Passo a maior parte do tempo encarando, rezando para que ele venha me buscar. A cada minuto minha esperança se esfarela.
Me tire daqui. Me tire daqui. Me tire daqui. Eu quero ir para casa.
Não tenho forças para lutar. Cansei de me debater e machucar meus pulsos, cansei de ficar parada olhando enquanto ele bate nela para me fazer mudar de ideias. Mas a Sierra me fez prometer que eu não assinaria nada. Cansei de chorar. Cansei de esperar.
Ele não vem. Por que ele viria? Ele não me ama.
Minha garganta está seca. Tenho pesadelos todas as noites. Dormir sentada com as mãos amarradas em um cano no porão da sua casa, não ajuda muito. Encaro o chão me culpando porque a minha irmã está tão machucada. Sinto que ela não vai aguentar muito mais. De todas as ilusões essa foi a mais obscura e cruel.
Consigo tirar a mordaça da boca às vezes, minha voz é um sussurro falho:
— Como você está?Viro o rosto. Não gosto do que vejo, minha irmã gêmea carregando toda a dor sozinha. Foi tao idiota. Ela sempre foi manipulada, forçada a agir assim, para se afastar de mim. Sierra balança a cabeça concordando.
— Sinto muito… — Volto a encarar o chão. — Não precisa mais se preocupar, eu vou resolver as coisas. Ele não vai mais te machucar! — Prometo engolindo o choro.
( … )
Não foi tão difícil assim tomar essa decisão, não, pelo contrário. Desloco o meu dedão para conseguir tirar as cordas, mordo o pano na minha boca para não gritar, não conseguindo segurar as lágrimas de dor. Puxo o ar pelo nariz sufocada pelo lugar e agoniada com a minha própria existência. Tenho que fazer o mesmo com a outra mão. Guardo a raiva, a mágoa, o ressentimento, tudo para continuar. Solto a mordaça, tirando minhas mãos com cuidado, minha respiração está agitada, só me acalmo e respiro aliviada quando consigo.
Não encaro muito os meus pulsos, as feridas estão tão ruins. Preciso ser rápida. Tento colocar meus dedos no lugar com muito esforço e força de vontade, uma da qual eu não sabia que tinha. Eles ficam roxos e doloridos. Trinco os dentes, tirando a corda dos meus pés apressada.
Sierra me olha espantada. Vou até ela e tiro apenas o nó das suas mãos, deixo a corda enrolada para o meu plano funcionar. Tem confusão estampado na sua expressão. Me levanto de repente, um pouco tonta, pela pouca comida e água. Me viro pego a arma no banco, ele sempre deixa ali para nos ameaçar. Volto para o meu canto.
Enrolo a corda nos meus pés, e nas minhas mãos atrás também. Esperando com o coração acelerado, para atirar na sua perna e correr. Consigo morder o pano na minha boca para parecer que nunca saiu. Com a arma escondida nas minhas costas, minha única preocupação é ele perceber que não está no seu lugar de sempre. Suor escorre pela minha testa e uma respiração qualquer pode fazer tudo dar errado.
Sons de tiros abafados me assustam. Vem do lado de fora. Mas o que me causa um frio na barriga e a sua presença um momento depois.
Ele está nervoso, desce as escadas e não parece ver nada na sua frente. Vem na minha direção, está com a droga do papel em mãos. Não lhe dou tempo de pensar, aponto a arma na sua direção, segurando com as duas mãos para esconder a tremedeira. Para no lugar.
Papai ri sem humor, com tom sombrio quase mórbido que me dá calafrios:
— Por que você tem que ser tão parecida com ela?— Não fale da minha mãe! — Solto a mordaça. Mantendo a calma e frieza assim como ele.
A luz apaga e acende.
— Ah, por favor, não me mate. Como se você tivesse coragem! — Dúvida fielmente de mim. Seu tom bem humorado e sarcástico me da raiva. — Sua irmã já teria apertado o gatilho.
Está certo, não tenho coragem. Minha hesitação se deve a isso. E talvez ao fato das memorias boas que tivemos juntos, foram poucas, ele quase nunca podia brincar com a gente no parque. Mas tenho medo. Miro na sua perna e acerto a sua mão. De raspão. Ele apenas ri estancando o sangue. Miro no seu coração e acerto a sua perna. Ele cai apoiado em um joelho trincando o maxilar e xingado.
— Filha da puta! — Pregueja. — Ainda estou vivo! — Seu sorriso não cabe no rosto quando olha para mim.
Desenrolo a corda das pernas. Me levanto encarando ele de cima, como se fosse uma barata, uma da qual não importa quantas vezes eu pise ela sempre volta. Ignoro ele por um instante. Me agacho perto da Sierra, atenta a qualquer movimento seu. Desfaço o nó dos seus pés. E a mordaça da sua boca com cuidado. Seu rosto está inchado e ela sorri para mim, como se para me confortar.
Levanto, ajudando ela a levantar também. Seguro a arma com apenas uma mão, sem conseguir esconder a tremedeira. Só precisamos passar por ele e abandoná-lo aí.
— Se me deixar vivo, eu vou atrás de você, da sua irmã… — seguro o gatilho pronta, com sua ameaça. — E do seu namoradinho!
Cai morto com uma bala no meio da testa. Atiro de novo, e de novo, até não ter mais balas. Meu coração a mil. Demoro para entender o que eu acabei de fazer.
— Eu matei ele… — Arregalou os olhos.
Pisco. Faço as coisas no automático. Levo a minha irmã lá para cima. Ela precisa ir para o hospital e essa é a minha prioridade. Foco nisso. Repetindo para não enlouquecer.
( … )
Está frio como se a noite tivesse decidido que hoje era um bom dia para o clima ser assim. Frio como um cadáver. Passo pelos portões e tem dois guardas do meu pai mortos. Tenho que chamar uma ambulância, meu carro está do outro lado da rua. Ando pela calçada sem rumo. Acho que posso encontrar um hospital. Eu não sei.
Deixei a Sierra no sofá, cuidei de alguns machucados dela. E acabei fugindo. Não sei o que estou fazendo. Talvez eu só não queria chorar na frente dela. Mas estou segurando as lágrimas. Tiro o salto, que quebrou em algum momento, preso na escada. Removo o outro par também.
Tudo muda quando eu o vejo. 5 homens seguram ele contra o asfalto. Enquanto ele grita desesperado. Meu coração dá um salto como se tivesse voltado a bater. Meu avô sai do carro preto ao lado deles. Seu semblante apático me diz que ele sabe o que aconteceu. Um gesto seu e os homens de terno finalmente soltaram o meu namorado.
Fico parada no meio da calçada, jogo o par de saltos no chão. Elias levanta em um pulo, e vem correndo. Quando vai chegando perto ele anda com cautela. Só quando está se aproximando me permito ser frágil.
— Você está aqui. — Choro baixinho aliviada.
— Estou.
Ele pega minhas mãos com cuidado, aposto que ainda tem maquiagem borrada no meu rosto. Me avalia, cai de joelhos chorando tanto que me assunto. Ainda segurando as minhas mãos.
— Me desculpa, eu não mereço você, eu não mereço o seu amor. Bonequinha… — Soluça como uma criança desesperado. — Não me deixam fazer nada, pensei que o velho fosse ajudar! — Balbucia.
— Está tudo bem. — Eu consegui protegê-lo e para mim, isso é o mais importante. E a minha irmã está viva.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Obscura ilusão.
RomanceSinopse: Sombrio e obsessivo, Elias cresceu em um ambiente tóxico. Logo sua fama de não falar com ninguém ganha destaque, sua imagem é de alguem que desta tudo e todo mundo. Conhecido por aparecer nas festas e humilhar quem lhe incomoda. Elias é pre...