Elias
“Você está morando sozinha?”
Serena me ligo pela manhã para me contar isso. Pela chamada de vídeo meus olhos seguem sua empolgação. Ela prepara um cereal com leite. Tem bobes enrolados no seu cabelo, e seu pijama é rosa de cetim. Tomo meu café amargo. Deixei o celular em pé no armário, assim ela pode ver meus músculos logo pela manhã. Trabalhei duro fazendo exercícios na prisão, tem que servir para alguma coisa.
“Demorei 3 semanas para convencer o meu pai. Fiz uns trabalhos como modelo. Agora sou dona do meu próprio nariz.”
“Tudo isso?”
“Sim. Ah, e preciso te contar uma coisinha. A minha irmã deu com a língua nos dentes e conto pro nosso pai. Agora ele quer conhecer você. Acha que pode comprar um terno?”. Seu sorriso me faz sorrir involuntariamente.
“Um terno? Na verdade, eu tenho um. Usei em velórios só.”
“Que bom…, digo, pelo terno.”
“Quando você vem aqui?”. Mudo de assunto. Umedeço os lábios me inclinando. Diferente de mim ela não deixa suas intenções claras. Um livro trancado a sete chaves, que eu tento folhear, mas que nem abre.
“Não sei ainda. Talvez amanhã, eu levo o jantar. Pizza parece bom?”
“Você vai dormir aqui?”
“Pode ser.”
“Então, pizza parece perfeito!”
[ … ]
Falar pelo celular é coveniente. Mas gosto de conversas a moda antiga, ou de conversa nem uma. Tenho sonhado com aqueles peitos. Passo mais tempo no banheiro do que gostaria de admitir. Tenho que confessar que ela me deixa excitado, mas é só isso. Não dá pra confundir as coisas.
Seu aniversário está chegando, marquei no calendário. Uma data muito importante. Tomo balho e desço para ficar sentado no sofá, stalkeando suas redes sociais. Ela tira umas fotos bem bonitas. Sua irmã gêmea só é igual de rosto. Diferenciar elas não vai ser um problema.
Batidas na porta me fazem levantar. Pulo do sofá. Vou correndo. Abro a porta. Serena usa um conjuntinho rosa como todas as suas roupas, aparentemente, as tranças com as fitas na ponta e um gloss. Segura duas caixas de pizza. É como ver uma patricinha que anda de ônibus.
— Comprei muito? Não sabia do que você gostava, então pedi dois em um, com metade dos sabores mais comuns. Desisti de trazer uma de cada, porque ia ser muita pizza para duas pessoas e… — Me inclino silenciado ela com um selinho. Pego as caixa com uma mão e puxo sua cintura com a outra.
Entrou. Fechando a porta com o pé. Ela parece surpresa pela minha atitude. Quis fazer isso desde que nos conhecemos. Deixo as caixas no braço do sofá. Seguro firme sua cintura trazendo para mais perto.
— Oi. — Ponho seu cabelo atrás da orelha.
Sorri de canto:
— Oi!Ela envolve os braços no meu pescoço tomando iniciativa. Me inclino para facilitar as coisas. Trocamos selinhos. Serena me afasta de repente e vai sentar no sofá. Sento do seu lado por falta do que fazer. Ligo a tv. Ela abre as caixas na mesa de centro, espera eu pegar um pedaço primeiro. Vou na de pepperoni. E ela pega um de franco.
— Você está me engordando, sabia? — Ela reclama comigo.
— Não sei do que você está falando, daqui a pouco vai sair voando, tem que andar com pedrinhas nos bolsos. — Aconselho. Mordo a porta e o queijo parece não ter fim, puxo conseguindo comer. — E outra, qual é o problema? Come o que você quiser.
— Homens, porque eu ainda tento? — Reclama sozinha.
Fecho minha mão no seu pulso mostrando pra ela que seu braço pode ser confundido com um graveto:
— Parece que você vai quebrar, até na cama fica difícil.Abre a boca:
— Ok, senhor quebrador de garotas!Solto ela, volto pra minha pizza. Empurra meu ombro revoltada. Nem me mexo, foi como uma caria fora de hora. Ri da sua cara de brava, aperto sua bochecha para ela ficar com vergonha.
— Isso não tem graça, para de rir! — Protesta.
— Não estou rindo. — Minto, tentando ficar sério. — Na boa, tem que ver a sua saúde, é o mais importante.
— Eu sei, vou na tunisionista toda sexta-feira.
Pisco, ela não me entendeu. Não estou falando de ficar mais magra. De ideias de alimentação saudável. Comer ou não comer. Estou falando de saúde no geral. Não entendo como ela sobrevive comendo só salada. Nas chamadas de vídeo na hora do almoço ela come pouco e sempre a mesma coisa. Nego, não é da minha conta. Se ela está bem ou não, não me importo, não sei porque estou me preocupando. Não é problema meu.
— Tenho alergia a amendoim, uma vez pensei que fosse morrer. — Comenta mudando o foco da conversa. — Você tem alguma alergia?
— Não. — Faço que não com a cabeça. Mas isso também é uma mentira.
No fim, comi quatro pedaços, ela dois. Começamos uma série, não presto muito atenção, mexo na sua trança sem ela perceber. Desfazendo, percebendo que nunca vi ela de cabelo solto. Nota minha furtividade. Se afasta reclamando, seguro suas mãos para ela não atrapalhar o meu trabalho suado.
— Deixa eu ver como você fica de cabelo solto. — Fico curioso de verdade.
— Mas… — Hesita. — Tá bom, mas depois vou fazer penteados no seu cabelo! — Declama.
Solto ela. Puxa o laço, desfaz a outra e tenta se arrumar para parecer bonita, mesmo sendo tão linda. Seu cabelo é uma bagunça. Levo a mão e toco por cima, sei como cabelo cacheado pode ser complicado. O meu também nao é nao fica atras.
— Legalzinho! — Comento.
— Ei, você é o meu namorado, tem que dizer que estou bonita, a mais bonita. — Aponta o dedo e cutuca o meu peito com o indicador. Concordo com ela cruzando os braços, só balanço a cabeça. — E que só tem olhos pra mim, nem uma outra qualquer com nariz empinado, dinheiro ou 100 mil seguidores é melhor do que eu.
— Que especifico. — Pela minha pesquisa ela está falando da irmã, um assunto que ainda não tentei abordar, família. — Mas você tem a minha palavra. — Encosto minha testa na sua.
Penso sobre culpa, mas não sinto nem uma. Enganá-la é só um meio para chegar até seu pai, nunca vou amá-la, ou sequer esperar que esses momentos tenham algum significado. Mas ela por outro lado.
— Obrigado, — faz uma pausa. — Sabe, você é a única pessoa que eu confio. — Sussurra.
Ponho a mão entre o queixo e o seu pescoço, acaricio com o polegar. A sua ingenuidade me fascina. É algo que nunca achei que fosse ter. Eu poderia dar veneno para ela, poderia inventar uma história de trauma, poderia pedir que ela mate o próprio pai e dar uma desculpa qualquer. Serena aceitaria* Me pergunto qual é o seu limite.
— Que bom, porque eu gosto mesmo de você! — Olho no fundo dos seus olhos e minto.
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Obscura ilusão.
RomanceSinopse: Sombrio e obsessivo, Elias cresceu em um ambiente tóxico. Logo sua fama de não falar com ninguém ganha destaque, sua imagem é de alguem que desta tudo e todo mundo. Conhecido por aparecer nas festas e humilhar quem lhe incomoda. Elias é pre...