02: Bilhete premiado.

295 41 5
                                    

Elias

3 anos, a porra de 3 anos em um burraco, excludido e contenado pela sociedade por uma merda que não foi minha culpa. A vingança tinge minha visão de vermelho e não consigo ver nada na minha frente que não seja o desejo de fazer ele saber exatamente o que eu senti. Não peça desculpas, nunca, foi o que aprendi desde de criança. Como um homem deve ser.

Depois de passar 3 anos na cadeia, aprendi outra coisa: Trair antes de ser traído. Nunca poderia ser solto por bom comportamento em todo caso, arrumei mais brigas do que poderia contar nos dedos. Um amigo conseguiu reabrir o caso com uma prova que eu tinha escondido. Mas duvido muito que o culpado vai ter qualquer punição. Estive no lugar e na hora errada, vi o que não devia ter visto e fui acusado pelo mesmo motivo.

A tornozeleira é um lembrete constante. Assim que volto a pôr o pé dentro de casa, sou recebido com uma festa que não queria — evitei o máximo que pude ficando na garagem até o Tomas me achar. Vários pares de olhos viram na minha direção ao mesmo tempo, a música pára, e tudo que consigo ver é a garota com laços no cabelo. Meu sorriso surge involuntariamente, é ela, minha passagem, o meu bilhete premiado. Em algum momento a música volta, mas ela detém toda a minha atenção.

— Acho que vi uma fogueira lá fora. Tá tão frio aqui, né?

Como um cavalheiro, tiro o moletom, coloco a peça em cima dos seus ombros, e lhe ajudo a passar os braços, um de cada vez. Seu sorriso tímido me diz que ela vai ser mais fácil do que eu esperava.

— Não esquece de devolver, falo lacinho? — Crio uma oportunidade para nós falarmos de novo. Eu vou fuder com tudo na vida do palhaço, mas principalmente com a filha dele. Ela é uma gracinha.

Concorda nervosa com a minha aproximação.

— É mesmo, vamos só beber hoje, noite das garotas, até mais rapazes! — Sua amiga se despede do Tomas com um beijo e sai puxando a amiga.

Nossa conversa foi mais curta do que eu esperava. Tenho que pensar em alguma coisa para poder me aproximar rápido ou coisa assim. Vou na direção que ela foi por curiosidade, meu amigo, que teve a ideia da festa vem junto. De repente essa ideia não parece tão ruim. As bebidas então no isopor, e as duas não estão mais aqui. Procuro com os olhos. Vou pela porta dos fundos com as mãos nos bolsos.

Sento em um tronco de árvore. Passo a noite observando ela conversando com a amiga e bebendo. Tomas aparece um tempo depois com uma bebida, e nem notei que ele não estava mais do meu lado. Senta do meu lado.

— Então, vai abrir o estúdio de tatu de novo? Uma galera tava querendo saber. — Pergunta como quem não quer nada, mas eu sei que o malandro só quer ganhar dinheiro.

Tenho dois estúdios, um em casa na garagem e um no centro. A galera vinha mais na minha casa. Sai da casa dos meus pais com 15 anos e montei o meu próprio negócio. O pessoal da escola ainda fazia tatuagem comigo.

— Acho que vou. Preciso de grana.

— Fiz um curso de desenho enquanto você estava preso, sabe, assim, posso até ver na minha agenda se eu posso te ajudar! — Olha para a latinha com uma expressão de bunda.

— Nem vem com essa seu cuzão! — Empurro seu ombro. — Você pode.

— Posso, mas…

Mudo de assunto antes que ele estenda muito a conversa:
— Tá pegando a loira?

— Hum-rum, que foi? Quer comer a amiga dela? — Ele levanta uma sobrancelha como quem duvida que não esteja óbvio.

— Não foi tão atirado assim, quer dizer, eu só emprestei o moletom! — Ele ri sem humor fingindo que acredita, bebendo e concordando.

Obscura ilusão.Onde histórias criam vida. Descubra agora