09: Parabéns para mim.

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Serena

Festa são ocasiões felizes, certo? Aparentemente esse não é o caso. Não para mim. Esse era um dia especial, um dia que era nosso, onde pelo menos por um dia eu sentia que tinha uma família. Mas tudo bem. Está tudo como ela queria, mas acho que sei porque fiquei com raiva. Estou com inveja. No fundo sempre soube que queria ser como ela, confiante, bonita. Também sei que não é das mais agradáveis, mas é minha irmã. Sempre achei que precisava ser uma barbie para ser bonita, mas sempre vai ter um novo problema na minha aparência.

Bebo um suco na mesa do canto. Ser modelo é bom, é ruim, é bom, perder e ganhar peso às vezes, manter a aparência, dormir bem, alimentação saudável. Não beber, nem fumar. Sem tatuagens. Ter cuidado com quem me relaciono para minha imagem não atrapalhar a empresa.

Abandono a música, as luzes coloridas, a animação. Vou procurar um lugar silencioso para ligar e falar com o meu namorado. Abro um sorriso só de pensar nisso. A palavra causa um frio na barriga, me animo e fico contente sem motivo. Meu namorado. Abro uma porta no andar de baixo, meu sorriso morre. Faço uma careta. A Lena está beijando o namorado de uma das amigas da minha irmã.

— Lena? — Chamo. Eles se afastam, me olha e parece tentar pensar em uma boa explicação. — Quer saber, não é da minha conta!

Fecho a porta antes que as coisas fiquem estranhas. Pelos menos eles estão vestidos. A Melissa também não é a melhor das amigas, ela é uma vaca na verdade, o tempo todo, por isso evitei ajudar na decoração do aniversário. Vou para o meu quarto, o lugar que eu deveria ter ido desde o início.  Entrou logo de cara, é o meu quarto. Me arrependo profundamente, o namorado da minha irmã deitado na minha cama, dane-se o nome dele.

Selly, você me achou, espera só um pouco que eu estou chapado. — Balança a mão sem se levantar.

— Eu não sou a minha irmã! — Consigo dizer, fecho as mãos com força, trincando o maxilar.

Eu odeio isso. Odeio, odeio, odeio.

Levanta rindo:
— Eu sei.

— Qual é a graça?

Levanta de uma vez. Anda na minha direção, quanto mais perto ele chega menos eu respiro. Faço menção de abrir a porta e sair correndo. Ele avança na minha direção e consegue me alcançar. Me afasto e corro para o closet, é o único lugar que tranca por dentro.

Sou puxada com tudo pelos cabelos. Cai sentada:
— Pra onde voce vai?

Num impulso desesperado agarro a sua mão e consigo morder. Ele me joga contra a parede sem pensar duas vezes, bato o ombro. Me xinga, e ignora a dor levantando o braço para me bater. Levanto aos tropeços dolorida. Consigo fechar a porta e passar a chave. Minhas mãos tremem, achei que nunca mais iria me trancar aqui, achei que estava segura.

Bate na porta me assustando.

— Sua puta. Abre essa porta. Sempre fica fugindo, mas nós dois sabemos o que realmente quer. Não se faz de inocente. — Continua batendo. Minha barriga revira, sinto vontade de vomitar. Não tem como eu querer o que ele quer.

— Me deixa em paz… — Minha voz vacila, engulo em seco.

— Se não o que?

— Vou contar para a minha irmã! — Ameaço.

— Coitada, acha que ela se importa? Ela precisa de mim, já de você… — Volta a bater, forçar e tentar abrir. — Vamos, eles disseram que com você seria mais fácil ir para cama, a irmã sem sal. Mas está me dando muito mais trabalho!

Me encolho no canto, engulo o choro, não posso chorar. Eu consigo, posso lidar com isso. Vai passar. Mas sempre quero chorar como uma criança. Estou cansada disso. De aceitar calada. Esperam que eu seja a boneca perfeita, mas tenho uma novidade, a boneca está quebrada.

— ABRE ESSA DROGA! — Soca a porta.

Ligo para a Lena, ela vai me ajudar. Espero ela atender, imploro sussurrando:
— Por favor, por favor, só dessa vez.

Nada. Ligo para todo mundo, menos para o meu namorado. Não quero que ele saiba, ele pode não gostar mais de mim. Ninguém atende. Ri sem humor, bem, parabéns para mim. Mordo o lábio e puxo os cabelos. Posso passar a noite aqui, mas ele não.

A voz da minha irmã me faz respirar aliviada:
— Ei, o que está fazendo? As fotos, vem logo, se nao troco de namorado.

— Já vou, vai na frente.

— Agora, Jaqueson.

Escuto seus passos se afastando. Me acalmo aos poucos e tento levantar do chão. Me apoio na parede. Quando não escuto mais nada. Quando tenho certeza que posso sair, abro a porta. Corro, desço as escadas apressada. A festa é no jardim. Vou pela porta dos fundos, pela cozinha. Chamo um táxi. Encaro o asfalto abraçando meu próprio corpo enquanto espero, um bolo maior ainda se forma na minha garganta.

( … )

Abro a porta do apartamento. Acendo as luzes, entrou fechando a porta. Jogo as chaves no sofá. Vou para a cozinha. Comprei um bolinho em uma padaria que ainda estava aberta, coloco a vela em cima do glacê. Procuro o isqueiro, meu celular toca enquanto tento não pensar como esse dia foi péssimo. De mal a pior. Pego o telefone e aceito a ligação. Seguro no ouvido e olho nos armário.

— Alô?

“Oi, amor, parabéns, eu tentei te ligar a noite toda.”

Meu coração afunda, a sua voz não é o que eu queria ouvir agora, mas é reconfortante ter alguém que se importa:
— Você lembrou?

“Claro, não poderia esquecer. Cobrei um presente em uma loja online, vai chegar na sua porta amanhã pelo que parece, comprei adiantado, mas já olho na portaria? Nunca se sabe. ”

— Vou olhar.

“O que foi? Está tão tristinha…”

— Nada, acho que foi só a festa, queria uma coisa de irmãs, meio brega, ne? — Não tenho coragem de contar, sempre guardo tudo pra mim.

“Não é brega, mas não parece que é só isso.”

Tampo a boca e engulo o choro, sou muito boa nisso, passei a vida fingindo que estava tudo bem. Abro um sorriso qualquer e mexo nas gavetas. Pisco para afastar as lágrimas. Está difícil, ele me faz querer ser frágil.

— Ok, você me pego, eu sinto falta da minha mãe. — Confesso uma parte da verdade.

“Você nunca fala dela.”

— Não, é difícil, depois que ela se foi, tudo mudo, fazemos as coisas por obrigação. — Acho o isqueiro. — Esquece isso, vou cantar parabéns, se não tivesse que ir trabalhar amanhã, iria dormir ai. — Ou talvez não, considerando o quanto tudo.

"Vai cantar parabéns sozinha? Não, ponhe na chamada de vídeo."

Faço como ele pede. Agora não tem mais jeito, ele vai perceber. Respiro fundo, coloco o celular apoiado em um copo no meio da minha mesa redonda, com flores artificiais. Sua casa é um pouco longe, não é o único motivo, se eu for lá assim vou fazer a única coisa que estive tentando não fazer a noite toda.

Ponho o bolinho entre a gente, antes que eu acenda a vela ele aponta:
— O que é isso no seu ombro?

— Não é nada… — Puxo a alça da blusa tentando esconder o hematoma que se formou.

— Serena, quem fez isso com você? — Move a câmera aproximando o rosto para ver melhor, não tanto. — Não minta para mim.

Abro um sorriso desajeitado:
— Hoje não é meu dia, ninguém fez nada, um livro pesado caiu e bateu no meu ombro.

Fecho as mãos com força, gravo as unhas na carne. Não quero falar, não quero que ele me veja diferente, triste porque escolheu o produto com defeito. Me pergunto se ele acreditaria em mim, acreditaria que nunca deixei ninguém chegar perto de mim assim, me pergunto se ele ainda iria me amar.

Obscura ilusão.Onde histórias criam vida. Descubra agora