3- I hate her!

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A perspectiva de distância da minha casa para a escola é sem dúvidas muito maior sem a bicicleta. Demorei séculos para chegar em um lugar em que, até ontem, eu levava menos de quinze minutos.

— Adora, você tá bem? — Glimmer perguntou quando eu cheguei na sala

Ah, quase me esqueci. Eu também tive que correr para não chegar atrasada.

— Não mesmo — Expliquei, logo dando uma brecha para o resto do grupinho se juntar — A Catra, dessa vez ela passou dos limites

Todos olharam preocupados e interrogativos. Não é surpresa para ninguém que a Catra me usa como seu alvo principal, mas pela situação que estou, acho que pensaram no pior.

— O que ela fez com você, Adora?

— Quebrou a bicicleta do meu pai com os amiguinhos dela

Eles deram um olhar de pena. Céus, como eu odeio quando as pessoas sentem pena de mim. É tipo uma empatia forçada e muito desconfortável.

— Eu sempre soube que algo assim iria acontecer uma hora ou outra — Lonnie respondeu — Essa garota me tira do sério! Por que ela só é assim com a Adora?

Dei de ombros. As vezes eu acho que nem mesmo a Catra sabe.

E falando nela.

Chegou do jeito despojado de sempre, com a mochila em um ombro só, que joga de qualquer jeito no chão ao lado da sua cadeira. Cuspiu o chiclete no lixo e virou-se novamente para a sua carteira sem se importar com nada.

Ver ela chegar assim, tão tranquila e com a consciência limpa, me fez perder o controle.

Quando me dei conta, eu já estava segurando a gola do seu moletom vermelho e olhando nos olhos dela, bem de perto, que dessa vez, demonstravam surpresa e um pouco de medo.

— Fala, Catra. Na minha cara! O que é que você tem contra mim?

Não havia tanta gente na sala, mas os alunos que chegaram, não demoraram para formar uma roda em nossa volta.

Não tive resposta. Ela permanecia imóvel e assustada.

— Vamos, me responda! — Gritei, ainda segurando seu moletom — O que é que eu te fiz?

Quanto mais eu falava, mais lágrimas ameaçavam sair, me fazendo pensar que, em algum momento, eu não vou conseguir mais conter.

E foi o que aconteceu quando eu soltei outra frase.

— A bicicleta que você e seus amiguinhos quebraram era do meu pai, que morreu bem na minha casa! — Nesse momento, soltei tudo o que eu estava segurando — Você parou pra pensar nisso? Hein?

Quanto mais eu me soltava, mais a minha voz exaltava, até chegar em um ponto que até mesmo os meus amigos ficaram assustados. E eu também.

— Você é uma pessoa horrível, você e seus amiguinhos...

— Adora, já deu — Bow segurou no meu braço, me separando da morena.

Catra me olhou confusa, preocupada e assustada ao mesmo tempo. Será que ela realmente não entendeu a proporção da brincadeira?

O surto passou em questão de instantes, mas não significa que o tenha anulado. Nesse meio tempo, nós nos olhamos sérias, sem aquela energia provocante que estamos tão acostumadas. Por um momento, senti falta do que antes eu detestava.

Mas é a Catra, ela nunca vai mudar.

— Vem, Adora. Vamos tomar um copo d'água — Glimmer sugeriu

— Eu trouxe garrafa, Glimmer

Peguei o objeto com raiva e bebi quase todo o líquido que tinha lá.

— Amanhã eu passo na sua casa te ajudar a arrumar, Adora. Não se preocupe — Bow sugeriu e eu apenas dei um sorriso forçado

Ainda nem começou a primeira aula e eu já quero quebrar esse lugar inteiro. Tenho certeza que é apenas uma prévia do resto do dia, ou da semana.

[...]

Catra ficou quieta o dia inteiro. Não vou dizer que é um milagre, mas acho que tenho mesmo uma influência considerável na vida dela.

Não é como se eu me importasse, a Catra é a pessoa mais desprezível desse planeta.

— Adora, tem certeza que está bem? — Lonnie perguntou, já na saída — Você ficou quieta o dia todo, nem tocou na comida e...

— Estou sim, Lonnie. Obrigada

Ao me despedir, minha memória muscular se dirigiu automaticamente até o estacionamento, onde ficava a minha bicicleta (quando viva). Senti meu peito apertar quando precisei virar as costas e ir a pé.

[...]

Cheguei em casa e nem mesmo almocei. Fui direto para a garagem e respirei fundo.

Franzi a sobrancelha e juntei coragem. Isso é mais difícil do que parece, mesmo depois de tanto tempo...

Com os olhos fechados, puxei a primeira gaveta e hesitei um pouco antes de abrir os olhos de uma vez só.

Meu pai tinha muitas qualidades admiráveis, mas organização não era uma delas. Haviam tantos cadernos, manuais e livros misturados que me perdi ali mesmo.

Nunca fui boa em entender essas coisas de bicicleta e automóveis, e até então eu nem precisava disso. É divertido ver como as coisas mudam completamente de uma hora para outra.

Comecei pelo primeiro que vi na minha frente, dessa forma, começando o ciclo.

Vasculhei em todos os livros e manuais que consegui achar naquele lugar. Li cada página relacionada ao meu problema, vi até videos no youtube, mas nada me ajudou.

Os tutoriais são inúteis e os livros extremamente complexos para mim. Quando me dei conta, já havia se passado quatro horas.

Mas ainda restava um caderno.

Peguei ele com cuidado, tossindo e passando a mão logo em seguida para remover a poeira.

O caderno é bem artesanal. É completamente preto se for desconsiderar os trabalhos manuais. Possuí rendas amarelas nas laterais e desenhos relacionados á mitologia grega e peças do Shakespare.

É, com certeza é obra do meu pai.

Passei o dedo nas páginas e me assustei. São tantas que parece uma enciclopédia.

Abri a primeira página devagar, torcendo o nariz por conta da poeira.

As letras estavam um pouco difícil de entender, mas com um pequeno esforço e um apertar de olhos, não foi tão complicado.

"Quatro de agosto

Eu comprei você em uma banca aqui na esquina. Eu tinha a intenção de te usar como bloco de anotações ou uma agenda, mas percebi que isso é algo muito adulto, e eu odeio adultos. Mesmo com quase quarenta anos nas costas e uma família para sustentar, decidi que vou fazer mais do que isso.

E aqui começa a nossa jornada."

Fechei rápido quando li e guardei de volta no lugar. Não tenho psicológico para ler isso, ainda.

Rivalidade Recíproca - CatradoraOnde histórias criam vida. Descubra agora