21- Almost

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Cautelosa e um pouco aflita, aproximei-me devagar da porta e limpei os meus sapatos no tapete.

Ainda hesitante, fechei os meus olhos quase que completamente pelo medo de não saber o que eu verei ali, naquele quarto. Me afastei um pouco para me acalmar, porém uma mão tocou o meu ombro e a coragem voltou quase que instantaneamente quando o meu cérebro processou a quem se tratava.

— Vamos entrar juntas.

Dei um sorriso de canto, mas não disse nada. 

Não sei o que seria de mim sem a Mara, a minha irmã de coração. Não digo somente com a grande ajuda na loja, mas como um suporte na minha vida que tanto me ajudou a levantar nos momentos mais difíceis.

Antes de entrar, reparei nos adesivos de visitante colados em nós duas e senti uma pontada no peito esquerdo. Nunca imaginaria que estaria usando algo assim para visitar alguém que até pouco tempo atrás, parecia tão, mas tão saudável. Ouso dizer que a saúde da madame Rizzo superava a minha.

Ao tomar coragem o suficiente, entrei na sala logo atrás de Mara e respirei fundo algumas vezes.

A mulher não parecia tão diferente, com exceção da roupa branca deprimente que os hospitais fazem os pacientes usarem, em especial os mais velhos. Vê-la nessa situação é tão fora do comum que mal posso conciliar a imaginação com a realidade. A janela com a cortina aberta permitia o sol a atingir seus cabelos grisalhos. A cadeira estalava conforme balançava e ela parecia brincar com isso.

— Olá, mada... Dona Rizzo — Mara falou em um tom calmo e zeloso.

Antes de receber a autorização para visita, nós duas tivemos que ouvir uma pequena palestra sobre como conversar com idosos portadores de alzheimer. Tenho certeza que a Mara prestou mais atenção do que eu.

Lembro-me que a moça destacou bem o fato de usar frases curtas e diretas, fáceis de praticar a comunicação em ambos os lados, mas sem palavras e tons grosseiros.

Olhando para a mais velha agora, tive a sensação que nem o seu próprio nome ela foi capaz de se recordar. Deu um pequeno susto quando percebeu a nossa presença, fazendo a cadeira balançar um pouco.

— Olá, queridinhas. Como estão?

Mara pareceu se alegrar com a reação dela. Em controvérsia, quando lembrei-me de sua essência atenciosa e gentil, percebi que tudo isso foi para não parecer grosseira. Não ousei esboçar nenhum sorriso, ao invés disso, meus olhos ameaçaram chorar.

Como uma pessoa pode ser tão surreal ao ponto de, mesmo sem se lembrar de nada, continuar a cumprir seus valores morais? Pensar nisso me conforta ao me dar conta de que, lá no fundo, bem lá no fundo, a nossa madame Rizzo ainda está lá.

— Estamos bem. Como está se sentindo agora?

Evitamos perguntar coisas que forcassem a sua memória, então focamos apenas no presente. Ela parecia feliz, mas não era a mesma felicidade de antes. Alguma coisa ela carregava, mas não arrancamos respostas dela.

Ela olhou para a gente por alguns segundos e finalmente deu um sorriso. Fechou o livro que estava lendo e nos mostrou a capa.

— Vocês duas conseguem um livro melhor para mim? Esse aqui é tão entediante que me dá vontade de dormir o dia inteiro!

— Claro, Rizzo... O que você quiser — Falei baixinho

[...]

Se completou dois meses desde que a Rizzo foi encaminhada para o hospital, e que eu fui "afastada" do trabalho também.

Sinto que, na maior parte do tempo, estou vivendo no "modo automático", uma sensação horrível que te faz parecer um robô.

Os únicos momentos em que eu não me sinto assim é com a Catra. Ultimamente, os momentos que tenho com ela são os melhores do dia. Ela provou-se uma garota tão atenciosa e gentil que quase esqueci da "Catra" do ano passado, a mesma que eu tinha certeza que manteria distância pelo resto da vida (irônico, já que nos últimos dias, distância é o que menos estamos tendo).

— Que horas a sua mãe chega?

— Relaxa, Cat. Daqui a pouco ela chega, não vamos nos atrasar...

— Pois saiba que da última vez que a senhorita disse isso — Me deu um soco de leve no ombro — Eu tive o desprazer de chegar na segunda aula pela primeira vez no ano!

— Mas isso foi por causa de uma certa garota que não se atentou ao horário... Não é justo colocar a culpa só em mim! — Retribui o soco, porém um pouco mais forte.

Ela me olhou com uma cara mais familiar do que os meus próprios parentes, me fazendo compreender suas intenções sem nem mesmo esperar uma palavra sair da sua boca.

— Não, Catra... A gente não vai começar uma briga na minha casa — Conclui

— Pois saiba que a nossa "rivalidade" ainda não acabou!

Rolei meus olhos sem tirar o sorriso do rosto e peguei um travesseiro.

— Pois saiba — Joguei o travesseiro em seu rosto — Que a "rivalidade" é recíproca

Ela deu um sorriso satisfeito e eu senti meu corpo tremer com a pequena atitude.

— Será mesmo?

Catra jogou o travesseiro para um canto qualquer do meu quarto e colocou uma mão no meu pescoço, enquanto a outra, me guiou pela cintura para uma posição mais confortável.

Seus lábios colaram nos meus de uma forma suave, sem muita pressa.

Aos poucos, a sua mão direita — que inicialmente se encontrava na minha cintura — foi deslizando para cima e para baixo no meu corpo em sincronia com o beijo, que estava se intensificando cada vez mais.

Uma pontada de decepção veio quando seus lábios se separaram dos meus, mas a alegria veio novamente quando senti os mesmos colarem no meu queixo, e em seguida, no meu pescoço.

Senti uma das suas mãos descerem mais ainda para a parte interna das minhas coxas, o que me fez, involuntariamente, levantar um pouco uma das pernas.

— Está tudo bem? — Perguntou, mas pela energia do momento, tudo o que eu consegui foi assentir com a cabeça rapidamente.

A garota tirou as duas mãos de mim para tirar sua própria camiseta, me permitindo ter a vista mais linda que tive até hoje.

Espera, nós vamos mesmo...?

Não sei dizer se é pelo fato dela ser atraente para caramba, ou por treinar semanalmente em uma academia há dois quilômetros da nossa rua, mas seu corpo me trouxe imaginações cada vez mais vívidas.

Dei um sorriso inevitável, fazendo-a se envergonhar um pouco.

Antes que ela voltasse a me beijar, ouvimos um barulho de porta abrindo.

— Adora, cheguei! — Disse a minha mãe

Olhei para a Catra, que parecia tão desapontada quanto eu, e dei uma risada sincera.

— Vamos, levanta e se veste, Catra. Não quer se atrasar, né?

Rivalidade Recíproca - CatradoraOnde histórias criam vida. Descubra agora