SANGUE SOBRE A NEVE

20 - THEO

A tristeza pairava no Castelo Vermelho com o funeral de Sir Kaion Marrel.

Estava tudo quieto naquele lugar desde que a princesa foi embora. Era como se um pedaço de vida foi tirado de lá, sobrando apenas a seriedade e a tensão no ar. Theo passou a última semana acolhendo a rainha Morgana, tranquilizando-a e dizendo que nada ia acontecer com a princesa, que ela estava em um lugar melhor, que poderia crescer mais.

Além de ser uma mentira para ela, Theo sentia a culpa retalhando-o como milhares de adagas. Sabia que não deveria confiar nos Ossos Cruzados, mas o que eles fizeram foi além do que foi pedido, ainda por cima, Theo tinha desistido de seu plano original. Amava aquela garota como uma filha que nunca teve, mas planejar o que planejou, sequestrá-la para usá-la contra Bravaah... era loucura. Lazuli nem sequer tinha demonstrado grandes feitos de poder para isso. Tudo era na base de achismo de que um dia ela se tornaria uma feiticeira forte. Ele mandou um corvo para os Ossos Cruzados que estariam aguardando na estrada, pedindo para que ela fosse poupada disso e que Theo iria pessoalmente pagá-los.

Mas ainda assim, eles a atacaram, e mataram Kaion. Isso foi um golpe em Theo que por horas deixou-o doente, mas não poderia dizer o mesmo de Lorde Leon e de Lucy. A dor dos dois foi quase palpável. Lucy desabou completamente ao receber a notícia e Leon ficou calado durante dias.

Apesar de ser rígido com seus filhos, ainda os amava e isso era inegável, e durante o funeral, isso ficou mais claro para eles. Ambos com as roupas pretas pelo luto. A neve causava um nevoeiro que era espantado pelas tochas ao redor da pira. Uma melancolia pairava no ar, o uivo do vento lamurioso competia com o silêncio que reinava entre as pessoas ali em volta. Apenas os soluços do choro de Lucy complementavam aquela melodia fúnebre que os rodeavam.

Morgana suspirou pesadamente, sentindo dor, provavelmente, e preocupação, com certeza. Theo queria tocá-la para confortá-la, mas seu autocontrole falava mais alto. Estavam em meio a tantas pessoas, não poderia se dar ao luxo de tal tentação ali e agora. Acabou ficando mal acostumado desde a saída da princesa.

Após momento de silêncio, uma velha andou até a pira acompanhada de dois guardas que tinham as armaduras nas cores da Casa Alastair, mas lisas e sem entalhes ou ornamentos, extremamente simples, apenas vermelhas carmesim. A velha, a sacerdotisa, caminhava com uma tocha em mãos. Corcunda e com um andar lento, ela foi até a pira e perante o corpo de Kaion, coberto pelo por um estandarte de sua Casa, Margareth Tyrell proferiu em uma voz surpreendentemente intensa.

一 Aqui jaz Sir Kaion Marrel, filho primogênito de Lorde Leon Marrel e de Lady Layla Marrel, morto em combate fazendo seu papel de guarda da princesa. Que Deus Fillren o receba ao seu lado por ter feito seu papel de protetor da princesa e que Illuvine lhe dê a paz em seu espírito para que possa descansar. 一 Margareth então, jogou a tocha na pira, sem cerimônias. 一 Que o fogo liberte seu espírito deste mundo material.

O fogo se espalhou rapidamente pela lenha. Logo tinha coberto completamente o corpo de Kaion. O brilho das chamas espantou e iluminou todo aquele campo onde a corte se encontrava. Fagulhas subiam para o céu, rodopiando em uma curta dança na tentativa de alcançar as estrelas, perdendo seu brilho no processo.

Os Marrel ficaram ali por um momento em silêncio até a sacerdotisa anunciar o fim do funeral. Leon nem esperou nenhuma palavra de conforto que Theo gostaria de dizer ao se aproximar, simplesmente virou-se e voltou ao castelo sem dizer nada. Deixando sua filha para trás, que observou-o com as bochechas vermelhas e lacrimejando. Os lábios dela tremeram e seu olhar tristonho voltou ao fogo.

一 Lady... 一 disse Theo, tentando não transparecer a culpa.

一 Ele era irritante. 一 Lucy disse, com a voz trêmula e cruzou os braços, como se para se abraçar. 一 Irritante, chato e me tirava do sério, mas era tudo para mim. Era meu irmão, viemos ao mundo juntos. Agora ele se foi e eu não sei o que fazer.