XX. Cirurgia.

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ANA JÚLIA COSTA

As luzes do corredor passavam por mim como estrelas em movimento enquanto a maca deslizava para o centro cirúrgico. Era difícil não pensar no que viria a seguir. Cada batida do meu coração parecia mais alta que a anterior, mas, ao mesmo tempo, as palavras de Flávia ecoavam na minha mente, me ancorando à realidade. "Nós vamos superar isso."

A porta do centro cirúrgico se abriu com um som pesado, e eu fui recebida por uma equipe médica pronta para me ajudar. As luzes brancas e fortes iluminavam cada detalhe da sala, e por um momento, fechei os olhos, tentando imaginar qualquer outro lugar. Talvez um parque com Flávia, ou uma tarde ensolarada com Marcela. Mas a realidade estava ali, e eu precisava enfrentá-la.

- Ana Júlia, você vai sentir um pouco de sonolência agora. Vamos cuidar de você - disse uma das médicas com um sorriso encorajador. Ela injetou um líquido no meu braço, e em poucos segundos, senti meu corpo começar a relaxar contra a minha vontade.

As vozes ao redor ficaram cada vez mais distantes, e logo, tudo se tornou um borrão. A última coisa que pensei antes de apagar completamente foi no sorriso de Flávia e em como ela segurou minha mão até o último momento.

- É, Flávia... nós vamos superar isso - foi a última coisa que eu disse, antes de apagar.

Quando acordei, a sensação era estranha. Como se o tempo tivesse se distorcido, e eu tivesse perdido dias inteiros. Meu corpo parecia pesado, mas aos poucos, a consciência foi retornando, e com ela, a dor no tornozelo. Não era a dor aguda de antes, mas uma dor mais surda, como se algo estivesse sendo pressionado internamente.

Abri os olhos devagar, e a primeira coisa que vi foi Flávia, sentada ao lado da cama, ainda com a mesma roupa que usava quando me levou ao hospital. Seus olhos estavam inchados, como se ela tivesse chorado e esperado o tempo todo por mim.

- Flávia... - tentei dizer, mas minha voz saiu como um sussurro fraco.

Ela imediatamente se aproximou, pegando minha mão com uma delicadeza que só ela tinha. Seus olhos se iluminaram ao me ver acordada.

- Linda, você voltou... Graças a Deus. - Sua voz era um misto de alívio e preocupação, mas o sorriso no rosto dela era reconfortante.

- Como foi...? - perguntei, tentando entender se a cirurgia tinha sido bem-sucedida.

- Tudo correu bem, amor. A cirurgia foi um sucesso, mas vai precisar de tempo para se recuperar. O médico disse que vai ser um processo longo, mas você vai ficar bem - ela explicou, ainda segurando minha mão como se não quisesse soltar nunca mais. - Eu tive que dar meus pulos para entender inglês, mas Marcela me ajudou bastante.

Marcela apareceu logo depois, trazendo um copo d'água e o médico que havia conduzido a cirurgia. O médico me deu um sorriso tranquilizador e começou a explicar em termos simples o que tinha sido feito.

- Ana, a cirurgia foi bem-sucedida. Conseguimos estabilizar seu tornozelo, a recuperação vai exigir paciência. Você terá que usar uma bota ortopédica por um tempo e depois iniciar a fisioterapia. Com dedicação, você poderá voltar ao esporte, mas é crucial que você siga todas as recomendações. Uma dessas recomendações é ficar sem fazer muito esforço físico por 1 mês, para que os pinos estabeleçam - ele disse em inglês.

Eu assenti, tentando absorver tudo. Era uma notícia boa, mas também desafiadora. Eu sabia que precisaria de muita força para encarar os meses que viriam. Mas, ao olhar para Flávia e Marcela, percebi que não estava sozinha.

- Obrigada, doutor. Eu farei tudo o que for preciso - prometi, sentindo um novo tipo de determinação crescer dentro de mim.

- Vai ter que ficar sem fazer sexo, viu, maninha? - Marcela diz em português e rindo da minha desgraça. 

Com o passar dos dias, comecei a me ajustar à rotina no hospital. As visitas de Flávia e Marcela eram constantes, e elas me mantinham animada, mesmo nos momentos mais difíceis. Marcela trazia piadas e histórias engraçadas, tentando sempre arrancar um sorriso de mim. Flávia, por outro lado, trazia amor e calma, suas conversas sempre cheias de esperança e carinho.

Em um desses dias, Flávia apareceu com uma sacola em mãos. Ela entrou no quarto com um sorriso travesso, como se estivesse planejando algo especial.

- Trouxe uma coisa para você - disse ela, sentando-se ao meu lado na cama. Eu a observei curiosa enquanto ela puxava um pequeno buquê de flores da sacola. As flores eram lindas, mas o que realmente chamou minha atenção foi a pequena caixinha de veludo que veio junto com elas.

Meu coração acelerou. Flávia olhou para mim com aqueles olhos brilhantes e um sorriso que me deixava sem ar.

- Eu sei que as coisas não saíram exatamente como você planejou, que você queria fazer isso, mas... - ela começou, abrindo a caixinha para revelar duas alianças prateadas, uma mais delicada, com um anel solitário, perfeita. Já a outra era mais grossa, porém não deixava de ser linda. - Quero que saiba que o que importa é que estamos juntas. Então, Ana Júlia Costa, você quer ser minha namorada?

Eu sorri, sentindo as lágrimas se acumularem nos meus olhos novamente, mas dessa vez, eram lágrimas de pura alegria. Aquele momento, mesmo em um quarto de hospital, era tudo o que eu precisava.

- Sim, Flávia. Mil vezes, sim - respondi, rindo enquanto Flávia colocava a aliança no meu dedo. Ela se inclinou para me beijar, e por um momento, todo o resto desapareceu. Estávamos apenas nós duas, e isso era tudo o que importava. - Agora seria a hora que eu iria te macetar até você não andar mais, mas quem tá sem andar sou eu - faço graça e ela ri, me dando um selinho e aproximando sua boca próxima a minha orelha.

- Quando você melhorar esse tornozelo você vai poder me foder, ok? - ela diz e passa a mão por cima do meu membro e eu me arrepio, mordendo o lábio e me segurando para não gemer. - Mas é fraca mesmo - diz rindo. 

- Você que é muito gostosa, aí eu não resisto, ué! - eu digo simples.

- Me acha gostosa, é? - ela diz, sugestiva.

Misericórdia, essa deve estar no período fértil!

Merda de tornozelo! Ia poder finalmente colocar o Juninho para trabalhar!

- Todos acham isso, sou apenas mais uma mera mortal que contêm essa mesma opinião - eu digo. - Eu te amo - digo sinceramente.

- Eu também te amo, meu amor - ela diz, com os olhos marejados.

Naquele instante, soube que, independentemente dos desafios que viríamos a enfrentar, estaríamos juntas. E isso me dava a força necessária para encarar qualquer coisa que o futuro reservasse.

𝐏𝐀𝐑𝐈𝐒, ᶠˡᵃᵛⁱᵃ ˢᵃʳᵃⁱᵛᵃOnde histórias criam vida. Descubra agora