X - Cores Desvanecidas

55 10 1
                                    


POV JENNIE

A madrugada, eterna companheira dos insones, envolvia o apartamento com um silêncio opressor, um vazio quase palpável que refletia a vastidão do meu mundo interior. Apenas os ruídos distantes da cidade ainda viva preenchiam o ar, ecos de vidas que continuavam a seguir em frente, enquanto eu estava estagnada, perdida em um emaranhado de lembranças dolorosas. Sentada no chão do meu estúdio, cercada por telas inacabadas, eu me sentia uma intrusa na própria vida, presa em um ciclo interminável de autossabotagem e medo.

Lisa. Seu nome era um farol na escuridão, uma promessa de algo que eu mal conseguia conceber, algo que me aterrorizava tanto quanto me atraía. Ela era a primeira pessoa, em anos, que despertou em mim a vontade de ser mais, de tentar ser alguém capaz de receber e oferecer amor. Mas havia algo dentro de mim, uma voz cruel e persistente, que sussurrava que eu não era digna disso, que qualquer tentativa seria inútil, e que o passado estava destinado a se repetir.


Minha mãe foi a primeira a me ensinar sobre a fragilidade do amor. Eu tinha apenas oito anos quando comecei a perceber que algo estava errado, que havia uma tensão constante entre meus pais, uma tensão que eu não compreendia. Minha mãe era uma mulher de espírito livre, uma artista apaixonada, mas também profundamente perturbada. Ela parecia viver em um mundo só dela, um lugar onde as regras normais não se aplicavam. Quando estava bem, sua energia era contagiante; sua risada ecoava pela casa, suas mãos sempre cobertas de tinta enquanto criava mundos fantásticos em suas telas. Mas esses momentos de felicidade eram fugazes, intercalados com longos períodos de escuridão.

Lembro-me das noites em que eu a encontrava no estúdio, com as cortinas fechadas, o cheiro de óleo de linhaça no ar e uma garrafa de vinho ao seu lado. Ela pintava com uma intensidade quase desesperada, como se estivesse tentando capturar algo que estava escapando, algo que ela nunca conseguia alcançar. Eu a observava de longe, com medo de interromper, de quebrar a frágil conexão que ela parecia ter com o mundo. Mas, ao mesmo tempo, havia uma criança dentro de mim que só queria o carinho da mãe, que queria que ela olhasse para mim e dissesse que estava tudo bem.

Esses momentos, porém, eram raros. Havia dias em que ela mal me reconhecia, em que parecia distante, perdida em seus próprios pensamentos, ausente de uma maneira que eu não conseguia entender. Eu me sentia uma intrusa, como se estivesse violando um espaço sagrado ao tentar interagir com ela nesses momentos. Quando ela finalmente se foi, o vazio que deixou foi tão grande que parecia impossível de preencher.

Ela desapareceu sem aviso, sem uma última palavra, deixando para trás uma casa cheia de lembranças, um pai em colapso emocional e uma filha que não sabia como processar o abandono. Sua partida foi como um terremoto, abalando os alicerces da minha vida e destruindo a pouca segurança emocional que eu ainda tinha. Ela era uma figura etérea, uma presença constante, mas ao mesmo tempo, sempre um pouco fora de alcance. E, quando se foi, deixou-me com a sensação de que o amor era algo efêmero, algo que podia ser arrancado de mim a qualquer momento, sem explicação.


Depois que ela se foi, a casa parecia vazia, sem vida. Meu pai, que sempre fora um homem prático e racional, mergulhou ainda mais no trabalho, como se quisesse compensar a ausência dela com a ordem e a rotina. Ele se tornou uma presença quase mecânica, um homem que me fornecia tudo o que eu precisava materialmente, mas que era incapaz de preencher o vazio emocional que minha mãe deixou. Ele me ensinou a ser forte, a não demonstrar fraqueza, a não depender de ninguém para minha felicidade. "A vida é dura, Jennie", ele dizia. "Você precisa ser ainda mais dura."

Essas palavras moldaram a forma como eu via o mundo e a mim mesma. Meu pai era um homem de poucas palavras, um engenheiro que acreditava que tudo na vida tinha uma solução lógica, um problema a ser resolvido. Quando minha mãe partiu, ele lidou com a dor da única maneira que sabia: enterrando-se no trabalho. A casa, que antes era cheia das cores e risos da minha mãe, se transformou em um ambiente estéril, onde cada dia era uma repetição do anterior.

Entre Sombras e Luz  (JENLISA)Onde histórias criam vida. Descubra agora