Epílogo

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EMMA BIANCHI

A faca desliza com precisão pela superfície lisa das batatas, cortando-as em pedaços uniformes. Cada movimento é calculado, cada corte uma pequena vitória contra o caos que sinto dentro de mim. O som do metal contra a tábua de madeira ecoa na cozinha vazia, me trazendo uma paz temporária.

— Você está bem? — a voz da minha mãe me puxa de volta à realidade. Ela está na entrada da cozinha, envolta no seu velho pijama, com passos lentos e um olhar preocupado.

Estou na cozinha preparando o almoço, cortando as batatas para o purê. Senhora Giana viajou para a Espanha, então tenho algumas semanas de folga. Decidi aproveitar para cuidar da minha mãe, que está doente.

— Não se preocupe comigo, mãe. Vá se deitar, estou preparando um belo almoço — digo, tentando manter a voz calma.

Ela hesita, olhando para mim com um olhar que só mães têm, aquele que vê além do que mostramos.

— Você deveria estar trabalhando. A senhora Giana pode não gostar da sua ausência, minha filha.

— Não se preocupe, ela está viajando e estou de férias. Vou cuidar da senhora nessas semanas. Agora, vá se deitar. Depois, eu levo a comida.

Minha mãe suspira, mas se rende, caminhando lentamente em direção ao quarto. Paro por um segundo para observá-la. A fraqueza em seus movimentos me faz apertar o cabo da faca com mais força. As coisas precisam estar perfeitas para ela.

Volto ao trabalho, amassando as batatas já cozidas, sentindo o purê começar a tomar forma debaixo dos meus dedos. Pego o frango que estava cozinhando e começo a preparar o molho, cada ingrediente adicionado em uma sequência específica, sem desvios. Uma pitada de sal, um fio de azeite, um toque de vinho tinto. Tudo tem seu lugar, tudo tem seu tempo.

Eu não posso permitir que nada dê errado. Minha mente fica em um loop constante de verificações: o sal, o tempo, a temperatura. Tenho que garantir que tudo esteja certo. E se não estiver? Não consigo suportar a ideia de algo fora do lugar, algo errado. E isso... isso me consome.

— Mãe? — pergunto quando entro no quarto para chamá-la para o almoço. Ela está sentada, vendo televisão, mas seus olhos brilham ao me ver.

— Já está pronto? — pergunta, sorrindo.

Concordo com a cabeça e vou até ela, oferecendo meu braço para ajudá-la a levantar. Caminhamos juntas até a cozinha, onde a mesa está posta, com o frango ao molho e o purê de batata esperando por nós. Sinto um leve orgulho ao vê-la sorrir para a comida. Tudo está exatamente como deve ser.

Nos sentamos e começamos a comer. Cada garfada é uma distração, algo para focar além dos meus pensamentos intrusivos. Minha mãe fala sobre como é bom ter minha companhia, como ela se sente mais tranquila sabendo que estou por perto. Eu respondo mecanicamente, concordando e sorrindo, mas por dentro, estou sempre verificando, sempre controlando.

— Seu pai vai contratar uma ajudante. Tudo ficará mais fácil para você.

— Não precisa, juro. Eu dou conta sozinha. Não é como se essa casa fosse uma mansão.

Ela ri, mas vejo a preocupação em seus olhos. Ela sabe que eu sempre tento fazer tudo sozinha. Sabe que preciso dessa ordem, desse controle, para manter minha sanidade. Mas às vezes, o peso é demais. Às vezes, eu sinto que estou afundando em uma maré de perfeição que nunca vou conseguir alcançar.

Estamos terminando o almoço quando a porta da frente se abre e meu pai entra. Ele tem uma expressão séria, algo que faz meu coração acelerar.

— Olá, mulheres da minha vida — ele diz, beijando minha testa e depois a da minha mãe. Mas o sorriso não chega aos seus olhos. — Como estão?

— Bem, mas por que essa cara, querido? — minha mãe pergunta, sempre atenta.

Ele hesita, olhando para mim, como se estivesse tentando medir suas palavras.

— Senhor Anthony nos convidou para um jantar em sua casa hoje — ele finalmente diz. Minha mãe me olha, sorridente, mas eu sinto um aperto no peito.

— Isso é bom, não é? — pergunto, tentando manter a voz firme, mas já sentindo as paredes do meu controle começando a rachar.

— Sim, mas o propósito dele é outro — meu pai responde, me encarando com uma seriedade que me faz gelar. — Ele quer que você se case com o filho mais velho dele, Mathias.

Oh, merda.

Minha mente começa a girar em um turbilhão de pensamentos, cada um mais aterrorizante que o outro. Casamento? Com alguém que eu mal conheço? Como posso controlar algo assim? Como posso manter tudo em ordem quando nem sei o que esperar?

Sinto o pânico crescendo dentro de mim, uma onda avassaladora de medo que ameaça me engolir. Tento respirar fundo, me concentrar em algo, qualquer coisa, para afastar esses pensamentos. Preciso me acalmar. Preciso encontrar um jeito de manter o controle.

Mas enquanto olho para os rostos preocupados dos meus pais, percebo que talvez, desta vez, não haja como fugir. E isso me assusta mais do que qualquer coisa.

Continua em : O Cretino

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