Sexta-feira, 05/01/2024
(Narrado por Vitório)
É de manhã, e estou tomando meu café. Amanhã será minha última aula com o Zee; eu já ensinei quase tudo o que sei de libras. Ontem, soube que ele saiu com a Sofia, e tenho certeza de que se declarou para ela. Mesmo com meu coração apertado, preciso esquecê-lo o mais rápido possível. Talvez, se eu parar de vê-lo, seja mais fácil seguir em frente. Logo, Ariel chega.
— E aí, como foi o passeio, amigo? — pergunto, tentando esconder a melancolia em minha voz.
— Amigo, foi ótimo! Me diverti muito! — Ariel responde com um sorriso largo.
— Fiquei surpreso ao saber que você ia dormir lá, no acampamento!
— Como eu disse, a estrada estava interditada! — responde Ariel, com um sorriso travesso, como se estivesse revivendo memórias da noite passada.
— Amigo! — dou um grito, interrompendo seus pensamentos.
— Ai, que susto! O que foi?
— Você está com uma cara de que... fez aquilo!
— Para com isso! — diz Ariel, corando e colocando as mãos nas bochechas.
— Então é verdade? — provoco.
— Tava trovejando muito, e até faltou energia. Conversamos um pouco e...
— E aí? Doeu? — pergunto, curioso.
— Não... não doeu. Satisfeito agora, seu curioso?
— Sério? Que legal! Porque, na minha primeira vez, doeu bastante!
— Ai, tá bom de falar desse assunto! — responde Ariel, completamente envergonhado.
— E quer falar de quê?
— Ah, fiquei frustrado. Hoje de manhã, o Tae-mo acordou sem falar de novo!
— Acho que é muita coisa para ele assimilar de uma vez.
— Será?
— Sim, você não precisa pressioná-lo. Lembra que antes ele nem conseguia falar comigo verbalmente? Agora, é diferente.
— Eu sei, amigo, mas continua sendo frustrante...
De repente, o celular de Ariel toca. É Tae-mo.
— Hyung? — Ariel atende.
— Oi, amor! — responde Tae-mo, de forma carinhosa.
— Que bom que você voltou a falar! Estava com saudade da sua voz. — Ariel suspira, aliviado.
— Me desculpa, amor. Fazia tempo que isso não acontecia.
— Tá tudo bem, fofinho, eu entendo.
— Mas eu gostei muito da noite passada... — Tae-mo diz, com uma voz sugestiva.
— Para com isso, hyung! — Ariel responde, rindo, mas visivelmente envergonhado.
— Tá bom. Ah, queria te contar uma novidade. Localizei o cemitério onde sua mãe está enterrada.
— Sério? Onde? — Ariel pergunta, empolgado.
— No cemitério São Francisco. Não se preocupe, amor. Vou atender um cliente e depois te levo lá.
— Tá bom, fofinho. — Eles se despedem e desligam.
— Que bom, amigo, que localizaram sua mãe!
— Estou tão feliz! Vou tomar um banho rapidinho! — Ariel diz, indo em direção ao banheiro.
Sábado, 06/01/2024
É de tarde, e estou no laboratório do Zee. Acabamos de encerrar a aula, e acho que esse é o momento ideal para contar a ele que essa será nossa última aula.
— Doutor, preciso te dizer uma coisa.
— O que, professor? — pergunta Zee.
— Já faz meses que te ensino libras, e acho que chegou o momento de encerrar as aulas.
— Por quê? — Zee pergunta, visivelmente desapontado.
— Eu já te ensinei tudo o que sei, e, além disso, mês que vem começo a dar aulas na escola.
— Mas...
— Você já tem vocabulário suficiente para se declarar para a Sofia.
— Sofia?
— Eu sei que você está saindo com ela. Por isso, quis aprender libras, certo?
— Professor, acho que houve um mal-entendido.
— Não precisa me dar satisfação. Fico feliz que tenha confiado em mim para te ensinar. A gente se vê por aí, doutor. — Digo, virando para sair.
— Não vá, professor! Deixa eu explicar! — Zee corre para bloquear minha saída.
— Você mesmo disse que queria aprender libras para se declarar.
— Isso mesmo!
— Então, o que quer me dizer?
Zee respira fundo e, em libras, declara:
— Eu gosto de você.
— Eu? — pergunto, confuso.
— Desde o dia que te conheci, não paro de pensar em você. No começo, eu não sabia o porquê. Mas, depois que te reencontrei naquele restaurante, tive certeza: eu gosto de você.
— Reencontro? — pergunto, ainda em libras.
— Você não se lembra? Aquele dia, eu fiz você sorrir.
— Einstein... você é aquele cara fantasiado de Albert Einstein? — pergunto, surpreso.
— Sim. Naquele dia, levei um fora, mas não liguei, porque só conseguia pensar em você.
— Doutor, acho que você está confuso. Não pode gostar de mim! — digo, com o coração acelerado, enquanto saio correndo.
Corro o mais rápido que posso, sem olhar para trás, e pego o primeiro táxi que vejo. Durante o trajeto, meu coração parece prestes a explodir. Por que ele me disse aquilo? Com certeza é um mal-entendido. Quem se apaixonaria por mim? Lembro do Paulo Vitor dizendo que ficou comigo por pena, e me chamando de deformado. Meus olhos se enchem de lágrimas, e começo a chorar. Ao chegar em casa, vejo Sofia parada em frente.
— Oi! — cumprimento em libras.
— Como você está? — pergunta Sofia.
— Estou bem. Mas o que faz aqui, amiga?
— O Zee me disse que você entendeu tudo errado.
— Eu acho que ele está enganado. Não pode gostar de mim! Vocês saíram várias vezes, e ele parecia se divertir muito com você. Com certeza, ele gosta é de você.
— Ele gosta de você.
— Como tem tanta certeza? — questiono, tentando esconder a esperança em minha voz.
— Porque, sempre que saíamos, ele só falava de você, e de como iria se declarar. Pediu até minha ajuda para ensaiar.
— Sério?
— Sim!
— Então... por que ele não me ligou?
— O Zee é muito tímido, especialmente para se expressar verbalmente. Por isso, ele quis aprender libras.
— Isso explica muita coisa...
— Chama ele para sair, amigo!
— Vou fazer isso agora! — digo, entrando correndo em casa. Pego o celular e começo a escrever.
— Oi!
— Oi!
— Bora no shopping amanhã? Jogar no fliperama?
— Eu adoraria!
— Às sete, tá bom?
— Sim!
Domingo, 07/01/2024
É noite, e estou subindo a escada rolante. Logo avisto Zee, esperando lá em cima com um sorriso tão bonito que chega a ser encantador. Meu coração dispara.
— Oi! — ele diz, um pouco sem graça.
— Oi! — respondo, ainda mais tímido.
— Vamos lá?
— Vamos!
A área de jogos estava quase vazia; praticamente tínhamos todos os videogames só para nós. Nunca imaginei que tivéssemos tantas coisas em comum. Ele também é otaku, um verdadeiro nerd.
— Você gostou do filme da Liga da Justiça? — pergunta Zee enquanto jogamos.
— Não é meu favorito, mas gosto, sim!
— Sério?... Achei tão genérico!
— Ei, eu gostei!
— Então você tem um péssimo gosto! — diz Zee, rindo com tom de julgamento.
— Ah, e o que vossa majestade gosta, então? — rebato, sarcástico.
— Marvel é outro nível! — Zee diz com um sorrisinho vitorioso.
— Pois eu não acho! Acho os filmes da Marvel sem graça, com exceção de Pantera Negra, que eu adorei.
— Não acredito que você tá criticando a Marvel na minha frente! — exclama Zee, fingindo ofensa.
— Já assistiu Mulher Maravilha? Uma obra-prima!
— Achei a atriz um pouco sem sal...
— E os filmes do Capitão América? Filmes para hipertensos! — caçoo.
— Os filmes do Capitão América são perfeitos!
— Ah, é mesmo? — ironizo.
Conversar com Zee é divertido. Temos gostos diferentes, mas ele leva tudo na brincadeira. Ao sair do shopping, caminhamos em direção ao carro dele.
— Quer ir ao meu laboratório? Quero te mostrar uma coisa.
— O que é? — pergunto, curioso.
— É surpresa! Vamos lá, por favor!
— Tá bom! — digo, entrando no carro. Quando chegamos, noto que Zee está um pouco nervoso. Ele me conduz até uma sala toda escura.
— Feche os olhos! — pede ele, colocando uma venda em meus olhos.
— Tá! — respondo, sorrindo.
— Pode abrir agora! — diz ele, tirando a venda.
— Doutor... isso é...? — pergunto, boquiaberto.
— Sim, uma nebulosa!
A imagem da constelação do Cisne aparece ao nosso redor, tão realista que parece que estamos flutuando no universo.
— Você gostou? — pergunta Zee, com um brilho nos olhos.
— Sim, muito! — respondo, encantado.
— Sério mesmo? — ele pergunta, com a mão pousando suavemente no meu rosto.
— É sério!
— E de mim... você gosta? — pergunta Zee, acariciando minha bochecha.
Fecho os olhos e, antes que eu perceba, sinto os lábios de Zee nos meus. Nos beijamos intensamente, como se estivéssemos cercados pelas estrelas. Sinto suas mãos deslizando até minha cintura, mas logo ele toca na minha ostomia.
— Ah, desculpa! — diz Zee, afastando a mão rapidamente, com uma expressão de culpa.
— Acho melhor eu ir embora... — digo, desconfortável e inseguro.
— Me desculpa, eu não tive intenção de tocar na sua ostomia...
— Tudo bem. Amanhã a gente conversa. — Digo, saindo apressado. Ao chegar em casa, vejo Ariana sentada no sofá junto com Ariel.
— Vitório! — grita Ariana, levantando-se do sofá e correndo para me abraçar.
— Senti tanta saudade, amiga! — digo, emocionado.
— Estou revoltada! Papai passou dos limites dessa vez! — diz Ariana, com raiva contida.
— E o pior é que ele se livrou de todas as acusações... — comenta Ariel, frustrado.
— Isso não vai ficar assim! — promete Ariana, furiosa.
Para aliviar o clima, mudo de assunto:
— Pensei que só voltaria quando se formasse!
— Estava sentindo muita falta do Ariel. E ontem descobri uma vaga de estágio por aqui... então, cá estou!
Segunda-feira, 08/01/2024
É de manhã. Chamei Zee para tomar café comigo antes que ele vá para o trabalho. A casa está vazia; Ariel saiu com Tae-mo, e Ariana está no hospital. Não sei se exagerei no café da manhã, mas talvez tenha caprichado demais.
— Professor! — grita Zee da porta.
— Oi, Doutor! — digo, abrindo a porta e guiando Zee até a mesa.
— Nossa! — diz Zee, surpreso ao ver a mesa repleta de pratos preparados com cuidado.
— Acha que exagerei? — pergunto, meio sem graça.
— Só um pouquinho! — ele sorri.
— Desculpa, Doutor…
— Você não pode mais me chamar assim! — diz Zee, com um tom de reprovação.
— E como quer que eu te chame? — pergunto, tomando um gole de suco.
— Quero que me chame de hyung — responde ele, referindo-se ao termo coreano usado para um amigo, irmão ou namorado mais velho.
— Gulp! — Engasgo-me com o suco, surpreso.
— Tá tudo bem? — Zee pergunta, preocupado.
— Isso já é um pouco demais, não acha?
— Por favor, eu sempre quis ser chamado de hyung por alguém!
— Por que essa obsessão com isso?
— Sou o caçula de cinco irmãos, e nunca tive muitos amigos íntimos… então, ser chamado de hyung sempre foi como um sonho distante.
— Mas, para eu te chamar de hyung, você precisa ser uma das duas coisas: meu amigo ou… namorado. Você é qual mesmo? — pergunto, desafiador.
— Namorado — responde Zee em libras, seus olhos fixos nos meus, intensos.
— Mas a gente só se beijou uma vez! Como já estamos namorando? — questiono, sentindo o coração acelerar.
— Não é só pelo beijo, Coalinha! — diz Zee, aproximando-se.
— Coalinha?
— É assim que vou te chamar agora — responde ele, sua voz suave, mas penetrante, enquanto se inclina para me beijar. Suas mãos firmes, seu toque suave. Nossos lábios se encontram em um beijo intenso e cheio de desejo, e fico sem ar.
É de noite. Estou assistindo um filme com Ariel, aproveitando uma tigela de pipoca e refrigerante. O celular de Ariel toca, interrompendo o silêncio tranquilo da sala.
— Oi, Ariel! — diz uma voz feminina.
— Esse não é o telefone da Ariana? — pergunta Ariel, franzindo o cenho.
— Queria avisar que a Ariana sofreu um acidente…
— O quê? Como? Onde ela está? — Ariel pergunta, alarmado.
— Ela foi encontrada desacordada no terraço. Examinamos e constatamos uma lesão na cabeça.
— Ela bateu a cabeça?
— Sim. Ainda não sabemos se foi uma queda ou se… — a voz dela hesita, como se temesse continuar — …ou se foi provocado.
— Estou indo para o hospital agora! — Ariel desliga, levantando-se do sofá em um pulo.
— Amigo, eu vou com você! — digo, também levantando apressado. Ao chegarmos ao hospital, uma médica se aproxima.
— Boa noite! — diz a doutora, com expressão séria.
— Doutora, como está minha irmã? — pergunta Ariel, tenso.
— Ela teve um forte trauma na cabeça. Precisamos esperar que acorde para termos uma avaliação mais precisa.
— Posso vê-la?
— Pode, sim. — A doutora assente.
Entramos no quarto, onde Ariana está deitada, pálida, quase irreconhecível. Ariel se aproxima e segura sua mão com ternura.
— Por que isso foi acontecer com você, irmã? — sussurra Ariel, enquanto acaricia a mão dela.
De repente, Ariana começa a murmurar, agitada.
— Não... não toque em mim! — diz ela, delirando, afastando a mão de Ariel.
— Irmã? — Ariel pergunta, confuso.
— Você é um monstro, papai… machucar a própria filha! — delira Ariana novamente, a voz trêmula, cheia de angústia.
Ariel e eu nos entreolhamos, horrorizados, sem entender até onde essa tragédia pode nos levar.
Nota do autor: A partir deste ponto, a narrativa adentrará temas mais obscuros e delicados. Se você tem sensibilidade a histórias que abordam relacionamentos tóxicos e pais narcisistas, prossiga com cautela.
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Compromisso com terapia(Yaoi)
RomanceAriel(Nunew) e Tae-mo(Zee), dois jovens com passados complicados, se conhecem em um encontro às cegas e logo sentem uma conexão poderosa. Ariel, que é cego, é cativado pela presença silenciosa de Tae-mo, um rapaz com fobia social extrema que não fal...