Sábado, 30/12/2023
— Como pretende pagar pela estadia? — a mulher pergunta com frieza.
— Estadia? — repito, confuso.
— Sim. Você está na minha cama, na minha casa, e ainda usou meu álcool para acordar. Nada disso é de graça! — a risada dela é seca, e algo no seu tom me diz que ela já viu gente na minha situação antes, perdida e vulnerável.
— Mas, senhora... — murmura uma moça próxima.
A mulher a interrompe impaciente. — Sabe fazer alguma coisa, rapaz? Tem algum talento?
Eu me esforço para manter a calma. — Tenho talento com a música.
— Que tipo de talento?
— Eu canto, toco piano, violão... e muito mais. — tento soar seguro, ainda que esteja exausto e inquieto.
— Senhora, ele podia fazer uma apresentação na boate! Isso traria muitos fregueses! — sugere a moça, parecendo ansiosa para ajudar.
— Então está combinado. Faço a ligação, e você faz a apresentação. Fechado? — pergunta a mulher, com um tom que deixa claro que ela já considera o acordo selado.
— Sim, acordo fechado! — concordo, pois não tenho escolha.
— Então se prepare. Hoje à noite, você se apresenta. — Ela se afasta, deixando a sala.
— Tome um banho. Eu vou buscar roupas limpas para você — diz a moça gentilmente.
— Qual é o seu nome? — pergunto, buscando alguma conexão em meio ao caos.
— Moana. E o seu?
— Ariel.
— Prazer, Ariel. Vamos, eu te mostro o banheiro. — Moana me guia com cuidado, explicando onde tudo está, enquanto sinto o cheiro dos produtos e o ambiente ao meu redor.
— Obrigado — agradeço antes de fechar a porta. Tomo um banho rápido, a água quente acalmando minha mente por um momento. Mas ainda estou tenso.
Quando saio, Moana já me espera com roupas limpas. Ela me apresenta a outras moças da boate, todas curiosas, falando sobre a apresentação que eu faria. Pego o caminho até o piano, explorando-o com minhas mãos, sentindo cada tecla e cada detalhe. Faz tanto tempo desde a última vez que toquei que quase sinto saudade.
O salão está cheio. Posso ouvir as vozes ao redor, murmúrios que me cercam enquanto o burburinho aumenta. Quando finalmente começo a tocar, uma melodia triste e profunda preenche o ambiente, cada nota ecoando como um lamento. As teclas sob meus dedos me reconfortam, e por alguns minutos, perco-me na música.
Quando termino, aplausos explodem ao meu redor.
— Você foi incrível, Ariel! — Moana exclama com alegria genuína.
— Realmente foi uma apresentação e tanto — diz dona Flôr, mas seu tom é mais reservado, como se analisasse cada palavra.
Respiro fundo. É o momento que esperei. — Como prometido, agora posso fazer minha ligação?
— Claro, pode usar o telefone fixo — diz dona Flôr.
— Eu te mostro, Ariel! — Moana me leva até o telefone, e logo digito o número de Vitório. Ele atende rapidamente.
— Alô?
— Vitório!
— Ariel! Onde você está? Como está? — a voz dele soa aflita, com um misto de alívio e preocupação.
— Estou bem, me perdi, mas tudo está resolvido agora.
— Desculpa, amigo... aconteceu um imprevisto na clínica, e não consegui sair. Quando cheguei, você já não estava. Achei sua caneta atrás do muro, pensei que tinha perdido.
— Então você a encontrou? — sinto um peso sair dos meus ombros. A caneta, minha única prova.
— Sim! Deve ter caído quando você pulou o muro.
— Que alívio. E como foi lá depois que perceberam minha fuga?
— Foi uma confusão enorme. Seu pai fez um escândalo, a clínica está te procurando por toda parte!
— Típico dele... — murmuro, com uma amargura que não consigo esconder.
Vitório hesita antes de continuar. — Ariel, eu achei o seu psicólogo... mas as notícias não são boas.
Uma onda de preocupação passa por mim. — O que houve?
— Ele teve um derrame na viagem e está internado no hospital. A situação dele é bem delicada.
— Meu Deus... pobre doutor. Ele não merecia isso.
— Eu encontrei um novo psiquiatra para amanhã. A gente mostra o vídeo, faz uma avaliação, e depois vamos à delegacia. Seu pai não vai sair impune.
Meu coração se acelera. — Ele vai pagar por tudo o que me fez, Vitório.
— Agora me passa o endereço, pra eu te buscar amanhã.
Me viro e chamo Moana para que ela diga o endereço. Mas antes que ela possa responder, dona Flôr se aproxima e desliga o telefone.
— Ei, o que é isso? — pergunto, alarmado.
— O tempo acabou. Se quiser ligar de novo, terá que me pagar.
— Eu fiz uma apresentação de piano! Você tem ideia do valor disso? — meu tom está impaciente, quase desesperado.
— Eu dou as cartas aqui, querido. Se quiser outro telefonema, faça outra apresentação amanhã. — Seu tom é firme, intransigente.
— A de hoje não foi suficiente?
Ela ri, com frieza. — Você comeu, tomou banho e vai dormir sob o meu teto. Ou prefere voltar para a rua?
Prendo a respiração. Ela me encurralou. Se não fizer o que pede, fico sem abrigo, sem contato com Vitório, e sem um plano para escapar.
— Tudo bem. Faço a apresentação amanhã — respondo, resignado, enquanto uma onda de frustração cresce dentro de mim.
Preciso sair desse lugar o quanto antes.
Domingo, 31/12/2023
É de manhã, e estou tomando café com as meninas. Sinto a animação delas no ar, uma energia nervosa e alegre ao mesmo tempo. Hoje é Ano Novo, e a euforia delas contrasta com a saudade que aperta meu peito. Esse ano foi o primeiro Natal sem minha irmã, e a falta dela dói. Quando ela souber pelo que passei, ficará em choque.
— Gente, tem um rapaz discutindo com a dona Flor lá no salão! — uma das meninas exclama, a voz ansiosa.
— Como assim? Conta isso direito! — pergunta Moana.
— Ele diz que conhece o Ariel e que quer levá-lo com ele!
Meu coração dispara, e quase sem pensar, grito:
— Vitório!
— Quem é esse? — alguém pergunta, confusa.
— É meu amigo. Ele me achou e veio me buscar!
— Ah... — murmura uma das meninas, surpresa.
— Por favor, me leve até ele, eu imploro! — digo, segurando o braço de Moana.
— Vem, eu te levo — ela diz, me puxando gentilmente enquanto atravessamos o salão.
Logo ouço um grito:
— Ariel! — A voz de Tae-mo, inconfundível, ecoa no ambiente.
— Hyung? — pergunto, atônito, tentando entender o que ele faz ali.
— Vocês se conhecem? — pergunta dona Flor, sua voz carregada de surpresa e ceticismo.
— Eu sou o noivo dele! — Tae-mo responde, sua voz firme e decidida, deixando o ar carregado.
— Como me encontrou? — pergunto, ainda em choque.
— O Vitório conseguiu rastrear a ligação! — ele explica, e posso sentir a urgência em sua voz.
— Então ele te contou tudo? — pergunto, com uma mistura de alívio e raiva.
— Ariel, me perdoa... Eu fui tolo por não acreditar em você, e estou tão arrependido... — Tae-mo diz, com a voz trêmula. Há uma vulnerabilidade ali que faz meu coração estremecer.
— Cala a boca! — rebato, tentando manter a compostura. — Não quero ouvir sua voz. Vá embora. Eu não vou a lugar nenhum com você, e diga a Vitório para vir me buscar ele mesmo!
— Ariel, por favor, me perdoa! — ele insiste, sua voz tremendo, quase implorando.
— Eu te avisei que, se provasse minha sanidade, não te perdoaria. Você não confiou em mim nem por um instante!
Ele suspira, e sinto o peso do arrependimento dele.
— Estou tão envergonhado... Eu vi o vídeo, e você estava falando a verdade... — diz ele, como se as palavras fossem dolorosas de admitir.
— Já acabou? — digo friamente, escondendo o aperto no peito.
— Você ouviu o que ele disse, vá embora! — diz dona Flor, firme.
— Eu não vou embora sem o Ariel! — Tae-mo afirma, sua voz determinada.
— O Ariel me deve, e para pagar, ele vai fazer uma apresentação de piano! — diz dona Flor, com um tom de autoridade.
— Diga quanto ele deve, e eu pago! — Tae-mo diz sem hesitar, sua voz cheia de intensidade.
— Se for pagar minha liberdade, vai custar caro... — murmuro, tentando manter a fachada.
— Eu não me importo. Por você, faço qualquer coisa! — ele responde, e seu tom é tão firme que meu coração acelera de forma incontrolável.
— Dois mil! — diz dona Flor, decidida.
— Só isso, senhora? Peça mais! — Tae-mo responde, desafiador.
— Ariel... — Tae-mo sussurra, a voz agora mais suave, como se estivesse implorando pelo meu perdão.
— Cinco mil! — retruco, usando o sarcasmo para disfarçar o turbilhão de emoções.
— Dez mil! — aumento o valor, sentindo uma mistura de raiva e um estranho prazer em testá-lo.
— Fechado, eu pago! — Tae-mo responde, sem nem hesitar.
— Feito! — declara dona Flor, satisfeita.
Agradeço Moana por tudo que fez por mim, assim como a dona Flor e as outras meninas, e pego no braço de Tae-mo. Quando saímos, sinto o toque firme dele me guiando em direção ao carro. No caminho até a casa de Vitório, ele tenta falar comigo algumas vezes, mas finjo que não ouço, embora o silêncio entre nós seja quase palpável.
Ao chegarmos, sinto os braços de Vitório me envolverem em um abraço apertado e cheio de afeto.
— Fiquei tão preocupado! — ele diz, e posso sentir a sinceridade em sua voz.
— Por que contou tudo a ele? — pergunto, com uma pontada de mágoa.
— Eu não tinha ninguém além dele para me ajudar... — Vitório responde.
— Para de me tratar assim, Ariel... Isso me deixa triste... — diz Tae-mo, a voz embargada de dor, e sinto que ele está realmente machucado.
Terça-feira, 02/01/2024
Estou no consultório psiquiátrico com Tae-mo. O doutor mal consegue esconder o espanto enquanto ouve o que passei.
— Você realmente passou por coisas terríveis... — diz ele, com a voz baixa, quase horrorizada.
— Nem me fale... — murmuro, aliviado por finalmente ter a chance de expor a verdade.
Depois do consultório, vamos até a delegacia. Vim para denunciar o homem da clínica e meu pai. Dou meu depoimento com o coração acelerado, sentindo o peso de cada palavra.
— A clínica será interditada e o responsável preso, mas, quanto ao seu pai, não posso fazer nada, pois o suspeito não mencionou diretamente o envolvimento dele — explica o delegado, com tom profissional.
— Mas ele pode confessar o envolvimento do meu pai, não pode? — pergunto, esperançoso.
— Se ele confessar, aí será outra história... — responde o delegado, ponderado.
— Senhor, localizamos o homem. Ele está a caminho da delegacia! — informa um policial.
— Já? — pergunto, surpreso.
— Sim. No vídeo, conseguimos ver o crachá do trabalho dele. Foi questão de tempo para localizá-lo — explica Tae-mo, segurando minha mão e transmitindo uma segurança que, pela primeira vez, me faz sentir que talvez tudo ficará bem.
Quarta-feira, 03/01/2024
O homem foi preso e confessou tudo, mas, como eu temia, ele não mencionou meu pai. Sei que meu pai deve estar subornando-o para manter-se intocável. Tae-mo entrou com um processo contra a clínica, e parece que vou receber uma indenização significativa. Agora que finalmente posso andar livre, sem me esconder, fui à empresa do meu padrinho. Ele me recebeu com um abraço apertado, feliz por me ver, mas ainda estou magoado. Assim como Tae-mo, ele não acreditou em mim, e isso dói mais do que eu imaginava.
Comprei outro telefone e finalmente conversei com Ariana. Porém, fiquei horrorizado ao descobrir que meu pai estava se passando por mim, mandando mensagens para ela como se fosse eu. Ariana nem percebeu minha ausência. Decidi não contar nada ainda. Contratei um advogado para cuidar dos meus interesses na empresa do meu pai — não quero mais contato com ele, e jamais perdoarei o que me fez. No hospital, fui visitar meu psicólogo. Ele teve um derrame e agora mal consegue falar. Meu coração pesa por ele, que sempre me apoiou.
Agora estou na universidade para resolver os trâmites do meu certificado. Concluí a faculdade, mas não tive formatura... Não gosto nem de lembrar o motivo. Resolvo tudo e, ao sair, ouço uma voz que me arrepia.
— Ariel! — grita meu pai, a voz soando familiar, mas carregada de um poder que não me toca mais.
— O que foi? Está me seguindo agora? — pergunto, a voz fria.
— É assim que você fala comigo? — ele retruca, como se ainda tivesse alguma autoridade.
— E quem é o senhor para me cobrar respeito?
— Sou seu pai! — diz ele, tentando soar ofendido.
— Perdeu esse título no momento em que me jogou naquela clínica! — respondo, sentindo o sangue ferver.
— Fiz isso pelo seu bem! — ele insiste, mas a voz treme.
— Não, fez isso porque é um ganancioso egoísta! Colocou-me lá para poder administrar as ações que ganhei do meu padrinho!
— Me odeia tanto assim? — ele pergunta, com um tom quase desolado.
— Eu não te odeio — respondo, firme. — Eu te desprezo. Tenho nojo e vergonha do senhor.
— Você ainda não está bem da cabeça... — ele murmura, tentando se manter no controle.
— Por que, quer me colocar em outra clínica? Vai se atrever?
— Não me desafie, Ariel! — ele diz, a voz firme.
— Não me desafie o senhor! — respondo, entrando no táxi e pedindo ao motorista para sair dali. Enquanto o carro se afasta, sinto a raiva e a mágoa se misturarem. Vou para o cemitério, preciso desabafar com minha mãe. Ela sempre soube me escutar, mesmo em silêncio.
Quando chego, encontro o coveiro.
— Ariel, você por aqui? — ele pergunta, surpreso.
— Sim, vim visitar minha mãe.
Ele hesita, e sinto que algo está errado.
— É que... — ele começa, cauteloso.
— O que houve? — pergunto, sentindo um aperto no peito.
— Você ainda não sabe? — a voz dele soa pesada, e já sinto o coração disparar.
— Sobre o quê? — digo, a angústia tomando conta de mim.
— Seu pai mandou exumar o corpo da sua mãe e transferiu para outro cemitério.
— O quê? — grito, incrédulo. Saio correndo até o túmulo da minha mãe, mas ao chegar, só encontro areia. Me ajoelho, desesperado, tentando entender.
— Cadê minha mãe? — pergunto, com a voz embargada.
— Eu... não sei. Ele mandou exumar, mas não disse para onde a levaria — responde o coveiro, sem jeito.
Tiro o celular e ligo para Tae-mo.
— Hyung, minha mãe sumiu daqui. Meu pai... ele sumiu com ela! — digo, sem conseguir segurar o choro.
— Calma, amor, vamos encontrar ela. Por favor, não se preocupe! — diz ele, a voz tentando me acalmar.
— Eu quero minha mãe! — grito, desesperado, deixando que as lágrimas caiam, molhando a areia fria onde antes estava o túmulo dela.
— Amor, calma. Estou indo para aí agora! — diz Tae-mo, desligando o telefone.
Fico ali, perdido, sem conseguir me mover. Sinto cada segundo como uma eternidade, até que ele chega e me abraça, firme, como se quisesse me proteger do mundo.
— Hyung, será que ele nunca vai parar de perseguir minha mãe? Nem os mortos ele respeita! — digo, soluçando.
— Eu vou fazer de tudo para colocar esse monstro atrás das grades — diz Tae-mo, a voz carregada de raiva e determinação.
— Por favor, me tira daqui... — murmuro, com a voz trêmula, exausto de tanto sofrer.
Chegando na casa de Vitório, sinto o cansaço pesar. Tudo que quero é esquecer por um momento essa dor. Deito-me no sofá, perdido em pensamentos, tentando entender como alguém que deveria me amar é capaz de me ferir tão profundamente.
Vitório chega e, ao me ver, sinto sua preocupação. Ele se senta ao meu lado, colocando uma mão em meu ombro em silêncio, respeitando meu luto. Mesmo assim, sei que ele quer dizer que estou seguro agora, que vou superar tudo isso, mas, no fundo, sei que uma parte de mim jamais será a mesma.
Quinta-feira, 04/01/2024
Pela manhã, eu e Vitório tomávamos café, e ele irradiava alegria. Ele tinha conseguido um emprego como professor em uma grande escola.
— Ainda não acredito que no próximo mês já estarei onde sempre sonhei: numa sala de aula! — disse ele, com um brilho nos olhos.
— Estou tão feliz por você! Essa notícia me animou um pouco também — sorri, genuinamente contente pelo meu amigo.
— Bom dia! — Tae-mo chegou, sua presença familiar e tranquila aquecendo o ambiente.
— Bom dia! — respondemos eu e Vitório ao mesmo tempo.
— Ariel, como você está? — Tae-mo perguntou, com um tom suave, mas preocupado.
— Você já sabe para onde levaram minha mãe? — perguntei, ainda com a angústia me corroendo.
— Ainda não, mas assim que tivermos qualquer informação, entrarei em contato. E fique tranquilo, já entrei com um pedido na justiça. A partir de agora, ele não poderá exumar o corpo da sua mãe sem sua autorização.
Suspirei de alívio ao ouvir aquelas palavras, sentindo um peso sair dos meus ombros.
— Quero te levar a um lugar. Você aceita? — Tae-mo perguntou, esperançoso.
— Onde seria? — questionei, com uma mistura de curiosidade e receio.
— É uma surpresa.
Olhei para ele, ainda ressentido pelos recentes desentendimentos.
— Não sei se quero ir. Ainda estou irritado com você.
— Pensei que estivéssemos nos entendendo… — ele murmurou, um pouco desapontado.
— Pensou errado.
— Vai, Ariel. Quem sabe um passeio te ajude a espairecer — Vitório interveio.
— Está do lado dele agora? — perguntei, fingindo uma irritação que não sentia de verdade.
— Não é isso. Só estou preocupado com você e acho que esse passeio pode te fazer bem.
Depois de muita insistência e olhares esperançosos, acabei concordando. Tae-mo foi abastecer o carro enquanto eu me arrumava. Escolhi um conjunto rosa clarinho, um chapéu branco, e desci para encontrá-lo.
— Você está muito bonito, Ariel — ele disse com um sorriso gentil, o que me fez corar.
Durante o caminho, senti o vento suave e o perfume das árvores, junto ao canto dos pássaros que se intensificava à medida que nos aproximávamos do destino. Quando finalmente chegamos, o aroma das flores era inebriante, e o som de água corrente deixava tudo mais encantador.
— Por aqui! — Tae-mo me guiou, e logo senti o movimento suave de uma canoa na água.
Enquanto ele remava, estendi a mão e toquei a água fria e límpida. Era como um pedaço do paraíso.
— Aqui deve ser lindo. Sinto o cheiro de muitas flores — comentei, sorrindo.
— Para você — Tae-mo disse, colocando algo delicado em meu cabelo.
— O que é? — perguntei, curioso.
— Uma flor… para outra flor — respondeu ele, me olhando com carinho.
Naquele momento, pedi um abraço. Ele me acolheu em seus braços, e eu me deitei sobre suas pernas, sentindo o calor e o conforto de seu toque. Era como se o tempo tivesse parado.
Era tarde, e eu havia me divertido muito com Tae-mo. Estávamos agora na lanchonete do acampamento, aproveitando a companhia um do outro, quando um som de trovão ecoou ao longe, e a chuva começou a cair forte e inesperada.
— Ah, não! — Tae-mo lamentou, franzindo o rosto.
— É só uma chuvinha, hyung! — respondi, tentando disfarçar o incômodo com o mau tempo.
De repente, uma mulher gritou ao telefone, chamando a atenção de todos:
— O quê? A estrada está interditada?
— Interditada? — Tae-mo a questionou, já preocupado.
— Sim, uma árvore enorme caiu no meio da estrada. Não vão conseguir liberar até amanhã.
O semblante de Tae-mo mudou, revelando uma preocupação que ele tentava disfarçar por minha causa.
— Vamos ter que passar a noite aqui? — perguntei, um pouco hesitante.
— Ao que parece, sim. — Tae-mo concordou, me lançando um olhar terno, quase como se isso fosse parte de um plano secreto.
— Então, se vão ficar aqui, é melhor reservarem logo um dormitório. A estrada bloqueada significa que vai lotar rápido! — aconselhou a mulher.
— Eu só tenho essa capa de chuva, podem usar. Depois devolvem. — ofereceu um homem que nos ouviu.
Tae-mo imediatamente me vestiu com a capa, mesmo enquanto eu protestava:
— Mas você vai se molhar, hyung! — falei, segurando a gola de sua camisa já molhada.
— Não se preocupe comigo, Ariel. Um pouco de chuva não me derruba. — E, sorrindo, ele me levou pela mão até a porta, onde corremos juntos pela chuva em direção à pousada.
Chegamos ensopados e fomos direto à recepção. Tae-mo pediu dois quartos, mas a recepcionista apenas balançou a cabeça.
— Só temos um quarto vago.
— E agora? — murmurei, sentindo o rosto esquentar de repente.
— Você vai querer? — insistiu a recepcionista, e Tae-mo assentiu.
— Sim. Vamos, Ariel. — Ele pegou a chave, e seguimos em direção ao quarto.
Quando entramos, senti o perfume suave de rosas encher o ar.
— Que cheiro maravilhoso! — comentei, e Tae-mo riu.
— O quarto está cheio de rosas. — ele me disse, me guiando até a cama.
Após trocarmos de roupa, Tae-mo espirrou alto, o que me fez me preocupar ainda mais.
— Você não devia ter pego essa chuva toda! — disse, sentindo seu cabelo úmido entre meus dedos.
— Tá tudo bem, não é nada… — ele respondeu, mas sua voz foi interrompida por um trovão estrondoso, e a energia caiu logo em seguida.
Ficamos em silêncio por um instante até que uma batida na porta nos trouxe de volta.
— Senhor, aqui está uma vela e um isqueiro! — anunciou a recepcionista.
Após acendermos a vela, Tae-mo falou, num tom gentil:
— Pode dormir na cama, Ariel. Eu fico no sofá.
Eu estava prestes a protestar, mas logo ele começou a tossir novamente. Me aproximei, colocando a mão em seu pescoço e sentindo seu rosto um pouco quente.
— Hyung, você está com febre! — sussurrei, alarmado.
Ele sorriu de maneira suave e olhou para mim com uma intensidade que me deixou sem ar.
—Você está tão preocupado, pensei que me odiasse.
— Por que você tá assim? Eu nunca odiaria você… não importa o que aconteça.
— Sério? E o que seu coração sente por mim? — perguntou ele, deslizando sua mão pelo meu rosto de um jeito carinhoso.
— Amor, hyung. Ele sente amor por você. — confessei, sentindo o coração disparado.
— Eu também te amo. Tanto que já não consigo mais esconder.
Antes que eu pudesse responder, ele se inclinou e me deu um beijo suave. Foi como se, por um momento, o mundo desaparecesse, e só existíssemos nós dois, flutuando no calor daquele instante. Quando ele apagou a vela, senti seus braços me envolverem, trazendo-me para mais perto, e então ele sussurrou:
— Eu te amo, Ariel.
Pela primeira vez, senti meu coração completamente entregue. Naquela noite, ao lado dele, tudo parecia certo, como se nossos corações realmente tivessem se tornado um só.
Sexta-feira, 05/01/2024
Acordo lentamente, sentindo um calor familiar ao meu lado e percebendo que estou abraçado a Tae-mo. Minha cabeça repousa em seu ombro, e noto o cheiro sutil dele, algo reconfortante e suave, que me faz lembrar dos momentos da noite passada. Sem abrir os olhos, sinto o toque delicado dos dedos dele passando pelos meus cabelos, num carinho que me deixa um pouco envergonhado e ao mesmo tempo profundamente confortável.
— Bom dia, fofinho... — digo, sorrindo e tentando quebrar a tensão que sinto crescer em mim ao lembrar da noite passada. Meu rosto fica quente, mas me esforço para manter a voz leve.
Em vez de uma resposta falada, escuto toques leves e compassados na cabeceira da cama. Tae-mo responde em código Morse, e isso me deixa um pouco confuso.
— Por que você não está falando? — pergunto, tentando não demonstrar a inquietação que começa a me invadir.
Sinto um aperto no peito, a tristeza e a preocupação se misturando dentro de mim. — Ah, não, Tae-mo... — murmuro, a frustração escapando na minha voz, mas, mais que isso, é um desespero sutil. — Você regrediu de novo...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Compromisso com terapia(Yaoi)
RomanceAriel e Tae-mo, dois jovens com passados complicados, se conhecem em um encontro às cegas e logo sentem uma conexão poderosa. Ariel, que é cego, é cativado pela presença silenciosa de Tae-mo, um rapaz com fobia social extrema que não fala em público...