Segunda-feira, 09/10/2023
Estou trancado num quarto completamente isolado. Pelo menos consegui descansar um pouco nos últimos dias aqui. Desde que perdi meu celular, não tive mais nenhum contato com Ariana. A falta que sinto dela é imensa, e, sinceramente, acho que ela ficaria horrorizada se me visse nesse estado. Já explorei cada canto desse lugar. Sinto apenas o toque frio das paredes e a cama dura onde passo as horas, sem noção do tempo. O tédio me consome, até que ouço passos, leves e arrastados, no corredor.
— Quem está aí? — pergunto, sentindo um arrepio na espinha.
— Sentiu minha falta? — sussurra uma voz, e logo percebo que é a criatura com o rosto peludo que se aproximando de mim.
— Ah, não, de novo não! É só minha imaginação! — Cubro os ouvidos, tentando afastar a imaginação aterradora.
— Quer tocar meu rosto de novo? — a criatura se aproxima mais, com um sorriso sinistro.
— AAAAAARGH! — solto um grito desesperado e corro para a porta, gritando por ajuda.
— Ariel, o que houve?! — pergunta a enfermeira, preocupada.
— Ele tá aqui… ele veio atrás de mim! — digo, tremendo de medo.
— Quem, Ariel?
— O homem peludo!
— Ariel, você não está bem. Vou chamar o doutor.
— Não me deixa aqui sozinho, por favor… — escoro-me contra a porta, deslizando até cair no chão, sentindo-me totalmente desamparado.
Domingo, 24/12/2023
Meses se passaram e sinto-me completamente esquecido aqui dentro. Desde que me internaram, não recebi nenhuma visita... exceto pela criatura, que agora aparece semanalmente. O medo dele diminuiu, mas ainda me assusta. Finjo que estou sozinho, que ele não existe, mas o vazio me corrói. Hoje estou caminhando pelo jardim da clínica e encontro uma senhora sentada num banco próximo.
— O que você vai pedir ao Papai Noel? — pergunta a senhora, com um sorriso gentil.
— Papai Noel? — repito, confuso.
— Sim, hoje é véspera de Natal, você não sabia? — diz ela, rindo suavemente.
— Estou aqui há tanto tempo que perdi a noção das datas…
— Aqui tem calendário, mas, que pena, você não pode ver! — ela diz, melancólica.
— Dona Luzia, hora do seu remédio. Vamos? — A enfermeira aparece para levar a senhora, e ela se despede com um aceno.
Hoje é véspera de Natal… isso significa que estou aqui há mais de dois meses. Meu desejo de Natal? Apenas ver as pessoas que amo… minha irmã, Vitório… e Tae-mo. Mesmo magoado, não consigo evitar pensar nele. Sinto tanta falta. Fecho os olhos, sentindo o sol no rosto, tentando me agarrar a esse pouco de calor.
— Ariel! — Ouço uma voz conhecida.
— Vitório? — Abro os olhos, quase sem acreditar.
— Amigo! — diz Vitório, abraçando-me apertado.
— Mas como… como você conseguiu entrar aqui? — pergunto, incrédulo.
— Como as visitas estavam proibidas, tive uma ideia. Coloquei currículo aqui na clínica e acabei conseguindo um emprego como cuidador.
— Vitório… — Sinto as lágrimas escaparem. Abraço-o com força, chorando tanto que mal consigo falar.
— Não chora, amigo. Estou aqui agora — diz ele, passando a mão em meus cabelos, me confortando.
— Mas me diz… você encontrou meu psicólogo?
— Amigo, eu tentei de tudo, mas não consegui encontrar o velho. Descobri que ele está viajando para fora do país…
— E o Tae-mo? Como ele está?
— Não quero falar desse chato — Vitório suspira.
— Por favor, Vitório…
— Depois que você foi internado, ele se trancou no quarto e não sai mais de casa.
— Sinto tanta falta dele… — confesso, sentindo meu peito apertar.
Terça-feira, 26/12/2023
Estou deitado em minha cama, com o coração um pouco mais leve. Ter Vitório aqui ao meu lado me trouxe uma sensação de paz, como se ele fosse o último fio de esperança que me mantém.
— Ariel, sentiu minha falta? — a voz da criatura ressoa no quarto.
— Você de novo? — pergunto, exasperado.
— O que aconteceu? Não sente mais medo? — ele questiona, divertido.
— Você nem existe, como vou ter medo de algo que é só fruto da minha imaginação?
— Então, toca em mim, e verá que sou real! — ele me desafia.
— Não tô com vontade…
— Sinta o peso do meu corpo! — diz a criatura, subindo sobre mim, pressionando-me.
— Ai, me deixa em paz! Vai amolar outra pessoa!
— Eu gosto de você… só você. — Ele sai de cima de mim, mas algo em sua roupa se prende ao bolso da minha camisa, ficando preso ali.
— Que cara chato! — resmungo, puxando o pedaço de tecido preso, sentindo-me intrigado.
No entanto, algo dentro de mim sabe que essa criatura é mais do que uma simples alucinação. Ele representa a angústia e a solidão que tomaram conta de mim. Fecho os olhos, agarrando-me à imagem de Vitório e tentando ignorar o vazio que a ausência de Tae-mo deixou em meu coração.
Quarta-feira, 27/12/2023
Acordei com uma sensação estranha na barriga. Passei a mão pelo bolso e encontrei algo: um botão. A memória da noite anterior me atingiu — a criatura tinha estado em cima de mim, e aquele botão devia ter se prendido à minha roupa. Se isso estava ali, significava que a criatura era real. Minha mente fervia. Precisava mostrar isso ao Vitório.
No jardim, no horário de passeio, segurei o botão como se fosse uma prova valiosa.
— Amigo, tenho a prova! — disse, mostrando o botão a Vitório.
— Como assim? — Ele olhou, surpreso.
— Ontem, a criatura estava em cima de mim, e este botão se prendeu na minha roupa. Isso prova que ela é real!
— Mas... como ele entra no seu quarto?
Suspirei. Ainda não tinha essa resposta, mas precisava encontrá-la.
Quinta-feira, 28/12/2023
No refeitório, a comida estava tão horrível quanto sempre, mas era o que havia. A enfermeira se aproximou.
— Ariel, tem alguém que quer te ver.
— Pensei que as visitas estavam proibidas.
— É uma exceção.
Ela me levou até Min-ho. Meu coração apertou de repulsa.
— Ariel... como você está? — perguntou ele.
— O que você acha? Estou preso.
Ele segurou meu braço, o que me fez estremecer.
— Ariel, eu... gosto de você. Sempre gostei. Desde o primeiro momento.
— Você é um nojento! Era noivo da minha irmã.
Ele tentou justificar, mas tudo o que consegui ouvir era que ele sabia de tudo, das mentiras do meu pai, do plano cruel para me colocar aqui. A raiva queimava em minhas veias.
— Então, se me aceita... eu te tiro daqui.
— Prefiro morrer aqui do que ter algo com você! — gritei, deixando-o para trás com as palavras secas.
No jardim, encontrei Vitório e contei-lhe tudo. Seus olhos se encheram de determinação.
— Amigo, eu vou te tirar daqui, tenho um plano — sussurrou, colocando algo no meu bolso.
Vitório tinha descoberto uma passagem secreta atrás do meu quarto. Quando a criatura aparecesse novamente, eu usaria a arma de choque que ele me deu, e fugiria por essa passagem.
Sexta-feira, 29/12/2023
Fui acordado pela enfermeira.
— Você tem visita.
Meu coração saltou.
— Hyung? — perguntei, com um brilho nos olhos.
Corri para o banheiro e me arrumei o mais rápido possível. Quando vi Tae-mo, a emoção me dominou. Corri para os braços dele.
— Amor... — disse Tae-mo, acariciando meu rosto.
— Senti tanto sua falta! — As lágrimas rolaram, e ele enxugou meu rosto com ternura.
Porém, à medida que tentei contar sobre o plano do meu pai e a verdade sobre a criatura, a expressão de Tae-mo mudou.
— Ariel, você precisa aceitar que são alucinações...
— Hyung, estou te mostrando provas! — Eu mostrei o botão, mas ele ainda parecia descrente. — Você acha que sou louco?
Ele não conseguia acreditar. Deixei o desespero transparecer. Finalmente gritei, empurrando-o para longe, as lágrimas fervendo de frustração.
— Se você não acredita em mim, então... me esqueça! — Saí de perto dele, sem olhar para trás, sentindo meu coração despedaçado.
Vitório veio ao meu lado no jardim.
— Ele não acredita em mim... — disse, com o rosto ainda molhado de lágrimas.
— Idiota — disse Vitório, segurando meu ombro. — Mas eu acredito, Ariel. E vou te tirar daqui.
Ele me explicou o plano. A adrenalina me fazia tremer, mas eu estava determinado.
À noite, a criatura voltou.
— Oi, Ariel.
Respirei fundo. Dessa vez, o medo deu lugar à determinação.
— Vem mais perto. Quero te ver.
Ele se aproximou, e quando estava próximo o suficiente, disparei a arma de choque. Ele caiu no chão com um grito. Amarrei-o com os lençóis e abri a passagem secreta.
Vesti as roupas de enfermeira que Vitório havia deixado, colocando a peruca e os óculos escuros. Pular o muro foi mais fácil do que pensei. Do outro lado, não vi sinal de Vitório. Continuei caminhando, tentando manter o disfarce. Tinha poucos trocados no bolso e o coração batendo descompassado.
Após andar por horas, me encostei em um poste, sentindo-me exausto e sem rumo.
— Você está bem? — perguntou uma voz suave.
Antes de responder, as forças me abandonaram e desmaiei, caindo nos braços de um estranho.
Sábado, 30 de dezembro de 2023
Sinto um cheiro forte e cortante de álcool invadir minhas narinas, e isso me desperta de uma espécie de entorpecimento. Minha cabeça está pesada, e me sinto desorientado.
— Você está bem? — pergunta uma voz feminina, suave, mas preocupada.
— Onde... onde estou? — consigo balbuciar, ainda tentando recobrar a consciência.
— No nosso quarto, oras — responde a mesma voz, hesitante.
— Ai, Moana, não seja burra! — interrompe outra mulher, com uma voz impaciente e firme. — Ele quer saber onde está, e não com quem! Moço, você está no bordel da dona Flôr.
A palavra “bordel” parece flutuar no ar, chocante e desconcertante.
— Bordel? — repito, tentando assimilar a informação. Será que ouvi direito?
— Não sabe o que é um bordel? — pergunta a primeira moça, um pouco confusa.
— Sei, sim, só fiquei... surpreso, só isso.
Enquanto ainda tento entender como vim parar aqui, mais vozes se juntam ao nosso redor, aproximando-se da cama onde estou deitado, como se eu fosse uma atração inesperada.
— E essa multidão toda? — indaga uma mulher, sua voz mais ríspida, com o tom autoritário de quem está acostumada a controlar a situação. Deve ser dona Flôr.
— Dona Flôr, encontramos esse rapaz caído na calçada, parecia que estava perdido — explica uma das mulheres, talvez tentando amenizar o desconforto da situação.
Dona Flôr solta uma risada seca, sem traço algum de compaixão. — Então agora minha casa virou abrigo de sem-teto?
— Eu não sou sem-teto, só me perdi do meu amigo! — rebato, tentando soar confiante.
Ela suspira, como se minha explicação a incomodasse. — E como pretende resolver isso, senhor perdido?
— Eu só preciso fazer uma ligação para ele vir me buscar. — Minha voz está trêmula, mas tento manter a calma.
— Toma meu celular — oferece Moana, mas antes que eu estenda a mão, dona Flôr se antecipa.
— Aqui não é caridade. O que você vai dar em troca?
— Dar em troca? — repito, confuso.
Ela ri, mas não é uma risada de humor; é algo mais frio, calculista. — Já fez programa alguma vez?
— Eu nunca fiz… essas coisas, nunca — respondo, engolindo em seco. A vergonha e o desconforto fazem meu rosto queimar.
— Então você é virgem? — pergunta a moça ao meu lado, surpresa, como se acabasse de descobrir algo valioso.
— S-sim. — A palavra sai trêmula, e o rubor queima minha pele.
Sinto a presença de dona Flôr se aproximando, a voz dela com um tom satisfeito, quase perverso. — Virgem, e ainda assim acabou aqui… Com essa carinha de anjo, você vale ouro, sabia? Posso ganhar muito dinheiro com você.
Uma sensação de pânico me atinge como uma onda gelada. Tento enfiar a mão no bolso, buscando minha caneta. Ela é a minha prova, a única coisa que pode me ajudar a provar a verdade e escapar dessa loucura. Mas meu bolso está vazio. O que não pode ser. Perdi a caneta? A única prova contra meu pai? O desespero toma conta de mim.
— Eu não tenho intenção de fazer essas coisas, desculpe! — digo, tentando me levantar da cama.
Sinto uma mão firme me impedindo de me afastar. — Vai pra onde? — a voz de dona Flôr é quase doce, mas cheia de ameaça velada. — Você é uma preciosidade! Lindo e educado… Veio de uma boa família, não é?
— Não! — respondo, rápido demais, o nervosismo evidente. Não posso deixá-la saber da verdade.
Preciso pensar em uma saída. Se elas descobrirem de onde vim, vão atrás do meu pai. E ele… ele vai me jogar de volta naquela clínica, para sempre.
Mas eu preciso sair daqui. Preciso encontrar Vitório, ele é minha única chance.
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Compromisso com terapia(Yaoi)
RomanceAriel e Tae-mo, dois jovens com passados complicados, se conhecem em um encontro às cegas e logo sentem uma conexão poderosa. Ariel, que é cego, é cativado pela presença silenciosa de Tae-mo, um rapaz com fobia social extrema que não fala em público...