Narrado por Vitório
Segunda-feira, 11/09/2023
Estou a caminho do restaurante, sem o menor entusiasmo. Para ser sincero, preferia estar em casa, jogado na cama, longe de tudo. Não me sinto nem um pouco pronto para entrar em outro relacionamento; só a ideia me enche de insegurança. E se ele perceber que uso uma bolsa de ostomia? Minha cabeça está cheia de pensamentos, mas tento me lembrar de que muitas pessoas passam pelo mesmo que eu e vivem uma vida completamente normal. Preciso ter confiança, mesmo com essa mistura de medo e incerteza.
O carro para em frente ao restaurante. É chique, algo que não estou acostumado. Se ele me vê com essa roupa, vai pensar que sou algum milionário. Sigo respirando fundo e lembro a mim mesmo: “É só um encontro, depois de hoje nunca mais verei esse cara.” Entro e percebo alguns olhares; talvez a Ariana tenha exagerado na maquiagem, o delineador está forte demais. Melhor assim, pelo menos, fico irreconhecível.
Depois de quase uma hora esperando, o tal cara ainda não apareceu. Que situação frustrante. Me sinto feito de idiota aqui, e só consigo pensar na Clara, que me meteu nessa confusão.
De repente, uma mulher começa a gritar com um homem na mesa ao lado.
— Você é um tremendo esquisitão! — ela berra.
— Eu só estava falando de um fato científico, você que não entende! — ele responde, parecendo genuinamente confuso.
O casal parece estar tendo uma crise. Que garota mais mal-educada, gritando assim no meio do restaurante. Decido que já deu. Começo a levantar, quando, do nada, a garota se aproxima e me empurra sem motivo algum.
— Sai da frente! — ela grita, e eu caio no chão, atordoado.
— Você está bem? — pergunta o rapaz que estava com ela, estendendo a mão para me ajudar.
— Sim, estou — respondo, aceitando a ajuda e me sentando de volta.
Ele pede para que eu permaneça ali por um momento e, quando a atendente chega para pegar nossos pedidos, percebo que ele está tentando estender a conversa.
— Janta comigo, assim nenhum de nós veio aqui à toa — ele diz.
— Como é? — pergunto, incrédulo.
— Vai me dizer que você não levou um bolo, assim como eu? Pelo menos a sua cara de peixe morto mostra que algo deu errado para você também.
— Que inconveniente você é! — respondo.
— Desculpa, eu falo as coisas sem pensar, às vezes. Deixa eu pagar o jantar para me redimir.
Apesar de tudo, acabo me convencendo. Afinal, comida de graça não se recusa, né?
— Tá bom, tá bom, mas só porque você insistiu muito — digo, voltando a me sentar.
— Dois Pad Thai, por favor! — ele pede à atendente, parecendo à vontade.
— Pa... o quê?
— Nunca comeu comida tailandesa?
— Não...
— Deixa que eu te apresento, professor — ele brinca, com um sorriso.
— Professor? — pergunto, estranhando.
— Você é estudante de pedagogia, né? Posso te chamar assim?
— Pode, sim, se quiser — respondo, começando a rir do jeito inesperado desse cara.
Ele me conta que ama física e que recentemente concluiu seu doutorado. Até foi para a NASA fazer pesquisas sobre buracos negros. Começo a me interessar de verdade pela conversa.
— Nossa, sou completamente fascinado por buracos negros! — comento. — Já li várias teorias sobre como a Terra pode estar dentro de um!
— Você conhece a teoria de Schwarzschild? — ele pergunta, impressionado.
— E você achava que eu era um completo leigo, doutor?
Aos poucos, nossa conversa flui de maneira leve e envolvente. Ele me conta sobre sua paixão por física, e eu começo a me abrir também. Finalmente, sinto que posso relaxar, sem me preocupar com julgamentos ou aparências. Termino o prato e dou um suspiro de satisfação, ao que ele ri, dizendo:
— Vai com calma, professor, senão você se engasga.
Terminamos de jantar e saímos para o jardim do restaurante. A noite está linda, e o céu cheio de estrelas. Sinto uma paz que há muito não experimentava. Quando olho para o relógio, me dou conta de que já é quase meia-noite.
— Nossa, preciso ir! — digo, apressado, ao ver um táxi se aproximando.
— Você tem mesmo que ir? — ele pergunta, segurando minha mão.
— Tenho, sim — respondo, meio desconcertado com o toque inesperado.
— Quando nos veremos de novo?
— Nunca, doutor. Isso foi uma noite única.
Ele parece decepcionado, mas sorri, tentando disfarçar. Entro no táxi e, ao olhar pela janela, vejo que minha boina, aquela que Ariel me emprestou, caiu. Ele está segurando-a, olhando para mim enquanto o carro se afasta.
Penso em pedir para o motorista voltar, mas ele diz que a rua é mão única e não pode fazer isso. Respiro fundo e decido seguir em frente, com o coração leve e cheio de uma sensação que há muito não sentia. Mesmo sem saber se voltarei a ver Zee, essa noite já me deu algo especial: um vislumbre de que ainda posso me sentir vivo, mesmo com tudo que carrego comigo.
Terça-feira, 12/09/2023
Manhã. Ainda não vi meu aluno chegar, e duvido que venha. Ontem teve uma crise forte, e a mãe provavelmente optou por não trazê-lo. Sento num banco ao lado dos outros estagiários que auxiliam na sala de aula, aguardando alguma nova tarefa.
– Vocês podem nos ajudar a organizar os brindes para o dia das crianças? – pergunta a coordenadora, com uma energia animada.
– Claro! – respondemos todos em uníssono, prontos para ajudar.
Ela se vira para mim.
– Vitório, preciso que faça um favor: vá até a esquina e compre três folhas de EVA, por favor.
– Tudo bem, senhora! – confirmo e saio em direção à papelaria.
O caminho é agradável, com árvores e sombras, o tipo de lugar onde se sente a tranquilidade. Ao terminar a compra, passo por uma lanchonete e a fome me vence, então decido me aproximar. Mas assim que olho pela janela fechada, vejo algo inesperado: Ariel e Tae-mo, tão próximos que parecem prestes a se beijar.
– Aaah! – exclama Tae-mo, empurrando Ariel com força, o que faz Ariel tropeçar para trás.
– Tae-mo?! – Ariel está confuso.
– Esses... esses longos cabelos escuros! – Tae-mo parece perturbado, repetindo a frase várias vezes, com os olhos arregalados e encostando-se na parede.
Ariel tenta se aproximar.
– Calma, está tudo bem. – Ele estende a mão para Tae-mo, tentando acalmá-lo.
– Cabelos escuros... – Tae-mo murmura, a voz trêmula.
Entro na lanchonete para tentar ajudar.
– Ariel, seu cabelo está assustando ele! Prenda-o! – sugiro, percebendo que o cabelo solto de Ariel parece ser um gatilho.
Ariel obedece rapidamente, enrolando os cabelos e prendendo-os com um palito.
– O que aconteceu? – pergunto, tentando entender a situação.
– Não sei! Ele estava bem, e de repente... – Ariel parece aflito, mexendo no celular. – Vou ligar para o meu padrinho.
Pouco tempo depois, o padrinho de Tae-mo chega e os leva. Volto à escola ainda abalado com o que vi. Nunca tinha visto Tae-mo daquela forma, e a expressão de Ariel ao ver seu amigo tão perturbado continua na minha mente.
Mais tarde, na universidade, estou à procura de Ariel, querendo saber como ele está. De repente, vejo alguém familiar, mas quase não reconheço – Ariel cortou o cabelo. Os longos fios se foram, substituídos por um corte curto e uma franja delicada, que lhe dá um ar adorável e vulnerável. Aproximo-me, incrédulo.
– Amigo? – pergunto, ainda em choque.
– Pois é, isso mesmo que você está vendo... – Ariel responde, com um sorriso tímido.
– Mas por que você fez isso?
– Eu não queria mais que o Tae-mo passasse por aquilo. Ontem foi terrível... Ele lembrou de algo doloroso ao ver meu cabelo. Algo que ambos tentamos esquecer.
– Olha, Ariel, você tá parecendo um ator de dorama agora, sabia? – brinco, tentando aliviar a tensão.
Ele ri, mas sua expressão revela tristeza.
– Acha que fui precipitado?
– Talvez... Mas entendo o quanto se importa com ele. Você só quis protegê-lo, certo?
– É... Mas talvez eu tenha fugido de algo. Não sei. – Ele suspira. – Mudando de assunto, como foi o seu encontro?
Conto a ele tudo, omitindo a parte em que perdi sua boina. Preciso comprar outra o quanto antes. Mas não posso deixar de sentir um aperto ao vê-lo assim, tão mudado por algo que queria proteger.
No final do dia, vejo Tae-mo se aproximando. Ele fica surpreso com o novo visual de Ariel, mas sua expressão não é de crítica. Ele caminha até Ariel e segura suas mãos, os olhos gentis e cheios de algo mais.
– Oi, Tae-mo. – Ariel sorri, com o rosto levemente corado.
– Boa tarde, Tae-mo! – aceno, mas ele responde com um gesto em libras.
Confuso, pergunto a Ariel:
– Ele tá bem? Parece... diferente.
– Ah, Vitório, ele tem dificuldades para falar quando está sóbrio. Já te contei sobre isso.
Tae-mo gesticula em libras, pedindo que eu dê privacidade a eles. Viro-me, respeitando o momento.
– Por que você cortou o cabelo? – pergunta Tae-mo, sério.
– Foi por você. Não queria que passasse mal por causa dele. – Ariel responde, a voz baixa, como se confessasse um segredo.
Tae-mo o encara por um momento, como se quisesse ver além da resposta.
– Não foi o seu cabelo, Ariel. Foi o seu olhar... – Ele hesita, como se cada palavra fosse um peso. – Foi como olhar para uma memória que eu queria esquecer.
– Eu... eu deveria ter desviado o olhar. Sinto muito. – Ariel parece frustrado, abaixando a cabeça.
– Não se preocupe. Teremos uma nova chance... – Tae-mo sorri suavemente. – Amanhã à noite, meu pai dará uma festa. Estaria disposto a ir?
– Uma festa? Mas tem certeza? – Ariel pergunta, receoso.
– Meu pai quer que eu esteja entre as pessoas... talvez para ver se consigo falar algo. – Tae-mo o olha com carinho.
– Ah, festa? – pergunto, levantando a mão de leve.
– Quer vir, Vitório? – Tae-mo pergunta, ainda com o sorriso tranquilo.
– Adoraria... – respondo, meio sem jeito.
De repente, uma garota aparece. Com um ar de superioridade, ela fala com Tae-mo em libras, puxando-o para longe de nós sem ao menos um aceno.
– E quem é essa? – pergunto, ligeiramente incomodado.
– A prima dele, veio da Coreia. Eles são muito próximos. – Ariel suspira, o tom abatido.
– Meio metida, né? Nem olhou pra gente... – comento.
– Ah, ela é assim, uma riquinha mimada. – Ariel muda o tom da voz, ficando melancólico. – Acho que cortei meu cabelo... por nada.
E então ele desaba. Lágrimas silenciosas escorrem enquanto ele se senta no chão. Puxo-o para perto, tentando confortá-lo, mas sei que só ele pode lidar com essa perda, esse luto silencioso pelo que sacrificou. Ariel amava seu cabelo, e essa foi uma forma de amor – um sacrifício que, para ele, foi em vão.
– Ariel, você vai superar isso. Eu estou aqui com você, sempre. – Sussurro, enquanto ele apoia a cabeça em meu ombro.
Ele sorri, ainda com lágrimas, e vejo ali um pedaço de sua força.
Quarta-feira, 13/09/2023
A noite está silenciosa enquanto dirijo com Ariel em direção à casa de Tae-mo. O trajeto não é longo, mas a ansiedade no ar é palpável. Ao chegarmos, sinto-me como um intruso em um mundo que não me pertence. A casa está cercada de familiares asiáticos, todos conversando animadamente.
De repente, Tae-mo aparece por trás de Ariel e o abraça, fazendo-o saltar.
– Você me assustou, hyung! – exclamou Ariel, o coração acelerado.
– Oi! – Tae-mo acena para mim em libras, seu sorriso radiante iluminando a escuridão.
– Vem aqui, meu filho! – chama o pai de Tae-mo, sua voz ecoando calorosamente pela entrada.
Ariel, percebendo o ambiente, murmura:
– Isso não está ajudando; estou me sentindo deslocado aqui...
– Como você sabe? – pergunto, intrigado.
– Eu o conheço muito bem! – ele responde, olhando ao redor com uma mistura de nervosismo e determinação.
Nesse momento, a mesma menina de ontem se aproxima.
– Oi, Ariel! – diz ela, com um sorriso provocador.
– Oi, Su-ji! – Ariel tenta manter a compostura, mas eu sinto sua tensão crescendo.
– Você não perde a oportunidade de estar aqui, né, Ariel? – a provocação é clara em sua voz.
– O que você quer dizer? – pergunta Ariel, sua voz tingida de indignação.
– Que você e sua família são um bando de sanguessugas! – ela dispara, um sorriso malicioso dançando em seu rosto.
A fúria começa a borbulhar dentro de Ariel, e em um movimento rápido, ele segura uma taça de vinho que havia encontrado.
– Repete o que disse! – ordena, desafiador.
– Você é uma sanguessuga que se aproveita do meu tio! – Su-ji grita, sua voz cortando o ar como uma faca.
– Cala a boca, sua ridícula! – Ariel grita de volta, lançando vinho sobre o vestido dela.
Um silêncio ensurdecedor toma conta do ambiente. Todos param para observar a cena que se desenrola, e a tensão se torna palpável.
– Você está ficando maluco! – Su-ji avança, furiosa.
– O que acha que está fazendo? – interponho-me entre eles, sentindo a adrenalina subir.
– O pai dele é um maldito que tira dinheiro do meu tio! Por culpa dele, o Tae-mo é cheio de problemas psicológicos! – as palavras de Su-ji reverberam na noite, atingindo um ponto sensível.
– Quê? – Ariel pergunta, confuso, enquanto todos se voltam para ele, ansiosos para ver sua reação.
– Você não sabe? – ela diz, com um tom de deboche, deliciando-se com a confusão que causou.
Nesse instante, a expressão de Ariel se transforma de surpresa em dor. É como se ele estivesse sendo atingido por uma verdade que nunca quis enfrentar.
– Já chega, Su-ji! – grita o pai de Tae-mo, sua voz cortante como vidro, tentando restaurar a ordem.
Mas Su-ji não se cala.
– A praga do seu pai diz que um acidente causado pelo Tae-mo supostamente te deixou cego! – ela ri, um riso cruel que faz o coração de Ariel despencar.
A atmosfera se torna pesada, e sinto que o mundo à nossa volta desaparece, restando apenas Ariel, Tae-mo e a ferida exposta pela cruel revelação. O olhar de Ariel se transforma em uma mistura de revolta e desespero, e é nesse momento que percebo o quão profundamente essa noite mudará tudo.
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Compromisso com terapia(Yaoi)
RomanceAriel e Tae-mo, dois jovens com passados complicados, se conhecem em um encontro às cegas e logo sentem uma conexão poderosa. Ariel, que é cego, é cativado pela presença silenciosa de Tae-mo, um rapaz com fobia social extrema que não fala em público...