Quem tem falsas memórias? Eu ou você? capítulo 16

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Quinta-feira, 11/01/2024

— Aaaaarg! — grito em desespero, enquanto as lembranças de meu passado se revelam diante de mim, como um pesadelo acordado que não consigo afastar.

— O que foi, Ariel? — pergunta Ariana, preocupada, sua voz tentando me trazer de volta à realidade.

— Eu... eu lembrei. Lembrei de tudo! — digo com a voz trêmula, lutando para controlar minhas mãos que não param de tremer.

— De quem você se lembrou? — questiona Vitório, sua expressão entre o choque e a curiosidade.

— Daquela mulher... aquela mulher de cabelos escuros! — respondo, gaguejando, as palavras quase engasgadas na minha garganta.

— Vou aplicar um calmante! — diz a enfermeira, enquanto sinto o efeito tranquilizante me envolver, acalmando meu corpo exausto e me levando ao sono.

Horas depois, desperto, o efeito do calmante ainda fazendo minha cabeça parecer leve, mas as memórias, essas não me deixam em paz.

— Você está melhor, Ariel? — pergunta Ariana, a voz baixa, mas cheia de preocupação.

— Sim, estou um pouco mais calmo... mas as lembranças... — respiro fundo, tentando organizar o turbilhão que tomou minha mente.

— Agora que está mais tranquilo, quem é essa mulher de quem você falava? — insiste Vitório.

Engulo em seco, revivendo os fragmentos de memória. — Ela... ela estava no cativeiro com a gente. Tentamos fugir juntos.

— E o que aconteceu com ela? — Ariana pergunta, o tom dela mais baixo, como se soubesse que a resposta traria ainda mais dor.

— Nos três tentamos fugir, mas... o papai nos pegou. Ela... ela avançou nele, tentando ganhar tempo para a gente correr. Na época, eu pensava que ele estava lá para me resgatar... eu era só uma criança. — A memória volta com uma intensidade que me faz estremecer.

Ariana coloca a mão no meu ombro, tentando me confortar. — Ariel, você só tinha seis anos... é natural não entender.

Vitório, porém, não deixa a questão morrer. — E o que houve com ela? Conta.

— Eu... eu não sei. A única pessoa que sabe é o Tae-mo, mas eu... acho que ela não sobreviveu. Se ela tivesse saído, teria denunciado o papai. — As palavras saem num sussurro, um terrível pressentimento me tomando.

— Você acha que ele... que o papai a matou? — pergunta Ariana, o horror em seus olhos.

— Papai só não matou eu e Tae-mo porque éramos muito pequenos. Foi fácil manipular nossas lembranças, distorcê-las para nos fazer acreditar em uma história diferente. — A angústia sobe pela minha garganta, queimando.

— Pobre Tae-mo... viver com a culpa por algo que não fez... — murmura Vitório.

— Preciso saber o que houve com essa mulher... quem ela era... o que ela sabia. — Minha voz é um sussurro, mas a determinação em mim cresce como uma chama.

Vitório parece pensativo, como se lembrasse de algo. — Essa é a mesma mulher que Tae-mo mencionou naquele dia?

— Que dia? — pergunto, o coração batendo rápido.

— Na lanchonete. Quando ele teve uma crise, ele falava sobre uma mulher de longos cabelos escuros.

— Então foi por isso que cortei o cabelo... porque fazia ele se lembrar de algo que tentava esquecer. — Tento juntar as peças, e o quebra-cabeça em minha mente começa a tomar forma, mesmo que a imagem ainda seja borrada.

— E o que você pretende fazer? — questiona Ariana, hesitante. — O Tae-mo jamais vai querer falar sobre o passado.

Nesse instante, meu padrinho entra no quarto, captando o final da conversa. — Então foi isso que deixou Tae-mo nesse estado? — Ele parece perplexo, preocupado. — Ele se trancou no quarto e ainda não saiu de lá. O que aconteceu para ele reagir assim?

— É que... eu lembrei do meu sequestro — confesso, sentindo o peso dessa revelação.

— Falar sobre o sequestro deixa Tae-mo perturbado. Ele nunca conseguiu se perdoar... sempre acreditou que causou seu acidente. — Meu padrinho me observa com uma mistura de tristeza e espanto.

Endireito-me, minha voz firme: — O senhor está enganado. Tae-mo não causou meu acidente!

— O quê? — Ele parece confuso. — Como assim? Tae-mo sempre disse que lembra claramente...

— Foi o papai! — afirmo, as palavras saindo com a certeza de quem encontrou a verdade.

— Seu... seu pai? — ele gagueja, incrédulo. — Mas Tae-mo se lembra do sequestro, ele escreveu tudo em cartas! Ele sempre acreditou que era o responsável.

— E como você explica as minhas lembranças? — retruco, sentindo minha determinação aumentar. — Eu lembro... tudo, cada detalhe!

— Ariel... você era tão pequeno... — diz ele, hesitante. — É possível que... que suas lembranças estejam... confusas.

Olho para ele com intensidade, cada palavra minha carregando o peso da verdade que tanto me custou recordar. — Confusas? Não. Eu vi tudo, padrinho. E agora, só há uma coisa que preciso descobrir. A verdade.



Sexta-feira, 12/01/2024

É de manhã, e acabo de receber alta do hospital. Meu padrinho me contou que Tae-mo trancou-se no quarto e não saiu mais. Chegando lá, caminho até a porta e toco nela, sentindo sua superfície fria e desgastada. Bato algumas vezes.

— Tae-mo, sou eu — chamo, tentando controlar a ansiedade que faz minhas mãos tremerem. — Precisamos conversar... Por favor, abra a porta!

Depois de um silêncio pesado, escuto o clique do trinco, seguido de passos lentos do outro lado. A porta se abre, e Tae-mo puxa meu braço com força, fazendo-me entrar rapidamente. O quarto tem um cheiro denso de perfume misturado com algo metálico, talvez ferrugem, que deixa o ar pesado. Assim que me posiciono, escuto o barulho seco da porta se trancando novamente.

Tae-mo clica a caneta ritmicamente, um som familiar para nós.

— Oi — diz ele em código Morse, através dos cliques.

— Oi — respondo da mesma forma.

Ele hesita um pouco, mas a sequência de cliques logo continua:

— Você quer falar sobre o passado?

— Precisamos, fofinho. Preciso que me conte sua versão da história — murmuro, sentindo as palavras saírem trêmulas enquanto seguro suas mãos geladas e tensas. Sei que ele está sofrendo tanto quanto eu.

Ele suspira pesadamente, e sinto a vibração desse suspiro em seus dedos.

— O passado é doloroso... Recordá-lo faz com que eu reviva o que causei a você.

— Uma coisa que percebi é que não podemos fugir do passado, Tae-mo... Mais cedo ou mais tarde, temos que enfrentá-lo — digo, apertando suas mãos com firmeza.

Sinto um leve tremor em seus dedos, mas ele não se afasta. Com um suspiro, Tae-mo relaxa e, em voz baixa e hesitante, rompe o silêncio.

— Não quero que você sofra mais. Se culpar seu pai alivia um pouco a sua dor, eu não vou questionar.

— Mas foi ele, Tae-mo! Foi ele...! — minha voz quebra, e sinto as lágrimas escorrendo por meu rosto. Elas queimam minha pele, e minha respiração fica ofegante.

De repente, ele me envolve num abraço apertado, e posso sentir seu peito contra o meu, subindo e descendo rapidamente. Ele me acolhe, e o calor de seu abraço me acalma, como se dissesse que estou seguro ali.

— Não chore, meu amor... Eu prometi que nunca mais duvidaria de você.

E, pela primeira vez, escuto a voz de Tae-mo em seu tom natural, sem os códigos. Ele ainda está com um leve tremor, mas parece mais firme.

— O que vamos fazer, hyung? — pergunto, ainda com o rosto enterrado em seu ombro.

Ele respira fundo antes de responder, quase como se estivesse ponderando a resposta. Depois de um longo silêncio, sua voz soa baixa e firme.

— Temos que ir a um lugar.



Sábado, 13/01/2024

De manhã, Tae-mo e eu chegamos ao consultório, onde o ar é tomado por um leve cheiro de lavanda e desinfetante. O ambiente é calmo, mas sinto o peso do silêncio ao nosso redor, como se todas as paredes guardassem histórias que não podem ser ditas em voz alta. Estamos esperando nossa vez, e Tae-mo está silencioso ao meu lado, mas sua respiração soa um pouco mais tranquila.

— Podem entrar! — diz uma voz suave e acolhedora.

Entramos e nos acomodamos nas poltronas, que rangem levemente quando nos sentamos. O psicoterapeuta tem uma voz calma, quase como um sussurro, que parece envolver cada palavra em paciência.

— Bom dia, sentem-se — diz ele.

— Bom dia — respondemos juntos, e sinto Tae-mo relaxar ao meu lado.

— Já conversei com seu pai, Tae-mo, e entendi que ele tem dúvidas sobre o que aconteceu com vocês. Vocês dois passaram pelo mesmo trauma, mas cada um possui uma versão diferente dos fatos.

— Como isso é possível, doutor? — pergunta Tae-mo, e noto um leve tremor em sua voz, como se ele estivesse finalmente expressando uma dúvida que sempre o atormentou.

— Falsas memórias são comuns em situações traumáticas. Uma falsa memória pode criar lembranças de eventos que não aconteceram, ou que foram alterados. Nos momentos de dor intensa, o cérebro pode, inconscientemente, construir uma realidade diferente para proteger a pessoa.

Sinto uma onda de frio percorrer meu corpo.

— No seu caso, Ariel, você era muito pequeno, e seu pai, segundo você, foi cruel. Seu cérebro pode ter ajustado suas lembranças para que elas refletissem o medo e a dor que você sentia na época.

— Mas... eu lembro! — digo, minha voz soando quase como um sussurro. — Lembro do cativeiro, lembro do... acidente.

— Eu sei, Ariel, e não estou dizendo que tudo seja falso. É possível que as lembranças reais se misturem com as falsas, especialmente quando os sentimentos são tão intensos. As suas memórias, Tae-mo, talvez tenham se formado em parte por causa do que lhe disseram, mas também pelo que você sentiu ao ver seu irmão naquele estado.

— E como saberemos o que é real? — Tae-mo pergunta, sua voz embargada.

— Vamos precisar de mais sessões, mas elas serão individuais — diz o terapeuta. — Precisamos de privacidade para explorar cada lembrança profundamente. Tae-mo, vamos começar com você.

Tae-mo hesita por um segundo e depois me dá um leve aperto no braço, como se quisesse me transmitir coragem.

— Tudo bem. Se for para entender... eu farei isso.


Segunda-feira, 22/01/2024

Faz uma semana que Tae-mo começou essa nova terapia. Ele ainda está se ajustando ao psicólogo novo, já que o nosso anterior se aposentou. Hoje, Ariana chegou em casa com uma inquietação que eu quase podia sentir no ar.

— A situação do papai é crítica… Fui vê-lo na delegacia, e ele está completamente fora de si — diz Ariana, com uma voz trêmula.

— Por mim, ele pode apodrecer lá — respondo, frio, sem conseguir sentir nada além de alívio por ele estar fora das nossas vidas.

— Ele vai ser mandado para uma clínica psiquiátrica.

— Não quero saber dele. Agora, quero focar na minha terapia — digo, querendo encerrar o assunto e me afastar das memórias dolorosas.



Terça-feira, 23/01/2024

Hoje acordei com o coração leve. Ontem à noite, Tae-mo me disse algo que fez meu peito vibrar de felicidade. Ele me convidou para sair, mas não me disse o destino — é uma surpresa. Ainda estou me arrumando quando Vitório se aproxima, curioso.

— Por que você tá se arrumando todo? — ele pergunta, rindo.

— Meu hyung vai me levar para algum lugar.

— Hmm, isso é ótimo!

— E você, como tá indo sua vida? — pergunto, notando um ar de nervosismo nele.

— Estou um pouco apreensivo… Mês que vem começo a dar aulas, e é minha primeira vez. Tenho medo de fracassar.

— Você é muito criativo, Vitório. Tenho certeza de que vai se sair bem.

— Você acha mesmo? — pergunta ele, com a insegurança evidente na voz.

— Claro! Ah, e mudando de assunto... você contou ao Zee que o Paulo Vitor te procurou?

— O Paulo Vitor é insignificante pra mim. Não vou incomodar o Zee com isso — diz Vitório, mas sinto a hesitação dele ao mencionar o nome.

— É sério? Seu “hyung”? — provoco, rindo.

— Já falei com ele sobre isso. O Zee disse que entende e não vai me pressionar.

— Isso é bom, então!

Nesse momento, Ariana grita do outro lado da casa:

— Tae-mo chegou!

Meu coração acelera, e me apresso para terminar de me arrumar. Depois de um último ajuste, vou até a porta e sinto a mão de Tae-mo me guiando até o carro. O toque dele é quente e reconfortante, e me faz sorrir.

— Eu te ajudo — ele diz, me ajudando a sair do carro quando chegamos ao local.

— Obrigado, hyung — respondo, e logo sinto no ar um perfume suave e doce de flores.

— Você percebeu? — pergunta Tae-mo, divertido.

— Sinto o cheiro das flores! — Respondo, estendendo a mão até encontrar uma pétala macia. Passo os dedos delicadamente nela, sentindo cada detalhe.

— Venha, você precisa ver o que tem dentro.

— Dentro? — pergunto, surpreso.

Ele guia minha mão até o que parece ser uma porta, a madeira antiga e levemente áspera sob meus dedos.

— É uma casa? — pergunto, explorando o contorno da entrada.

— Sim! — ele responde, e a emoção em sua voz quase transborda. Escuto o som da porta se abrindo, e dou alguns passos hesitantes para dentro, sentindo o cheiro fresco de madeira e algo floral.

Depois de explorar o espaço com cuidado, sinto o ambiente aconchegante. Dois quartos, uma sala e uma cozinha, tudo com o tamanho perfeito para nos acolher.

— De quem é essa casa? — pergunto, ainda incrédulo.

— Nossa! — responde ele, com uma voz suave.

— O quê? — mal consigo acreditar.

— Comprei essa casa como uma forma de comemoração. Ganhamos o processo!

Dou um grito de alegria, jogando os braços ao redor dele e sentindo seu riso baixo junto ao meu peito enquanto o abraço apertado.

— Você gostou? — ele pergunta, e sinto o calor de suas palavras próximo ao meu rosto.

— Gostei muito! Mas você ainda não me disse o valor do processo.

— Cem mil reais!

— Com esse dinheiro, quero fazer algo para ajudar as pessoas! — digo, com o coração cheio de empolgação.

— Tem algum plano em mente?

— Espera… Se você comprou essa casa para nós… isso quer dizer que vamos morar juntos?

Ele faz uma pausa, e posso ouvir a emoção em seu suspiro.

— Não quero te pressionar. É só uma possibilidade, algo para o futuro.

— Eu te amo, fofinho! — digo, e o abraço ainda mais forte.

Ele segura meu rosto delicadamente, e o calor do toque dele faz meu coração disparar.

— Isso é um sim? — pergunta ele, baixinho.

— Sim! — murmuro, enquanto continuamos colados, como se o mundo ao nosso redor desaparecesse.

— Eu vou te fazer muito feliz, meu amor — diz Tae-mo, me erguendo nos braços, e sinto a firmeza e o carinho nos movimentos dele.

— A gente precisa comemorar, fofinho! — brinco, passando os dedos suavemente pelo cabelo dele.

— Não me provoque… Estamos sozinhos aqui, sabia? — ele sussurra com um tom tímido que me faz sorrir.

— Então… — murmuro, dando um selinho nele.

Ele ri baixinho, e logo sinto seus lábios me beijarem, primeiro suave, depois mais profundo. É como se estivéssemos flutuando. Ele me carrega pela casa, nossos corações batendo em uníssono, até que escuto o som de uma porta se abrindo. Tenho certeza de que é o quarto.

Ao entrar, ele me coloca na cama, e nos beijamos como se não houvesse amanhã. Sinto que, finalmente, estou exatamente onde deveria estar, envolto no calor e no amor que sempre desejei, sem pressa, só nós dois.




Sexta-feira, 26/01/2024

A mudança para a nova casa finalmente acabou. Vitório e Ariana me ajudaram bastante, e a casa agora tem aquele aroma familiar de lar. Mas, no fundo, estou preocupado com Tae-mo. Ele está em terapia há um tempo, mas não fala nada sobre o que se passa. Isso me faz pensar se minhas lembranças não seriam apenas memórias falsas.

— Sua casa é linda, Ariel! — diz Vitório, admirado.

— Você acha que minhas memórias são falsas? — pergunto com a voz trêmula, sentindo um aperto no peito.

— Amigo, eu não sei… — Vitório responde, tentando me reconfortar.

— Desde que o hyung começou a terapia, ele evita tocar no assunto. Estou começando a achar que nada do que eu lembro aconteceu de verdade.

— Tenha paciência, Ariel. Essas sessões de terapia para recuperar memórias demoram. Talvez ele ainda não tenha se lembrado.

— Será?

— Sim, fica tranquilo. Ele vai te contar quando estiver pronto.

Nisso, Ariana entra pela porta.

— Bom dia, pessoal!

— Bom dia!

— Amigo, perdi a chave de casa. Vou precisar da sua emprestada. — diz ela, cansada.

— E tome cuidado com a minha chave! — brinca Vitório.

— Estou exausta… O plantão no hospital hoje foi pesado. — Ariana murmura, sua voz carregada de cansaço.

— Vai descansar, mana.

— Vou mesmo… Até mais, gente!

Após sua saída, Vitório comenta:

— A Ariana realmente tá exausta.

— Ela vai ser uma médica incrível, tenho certeza. — respondo, com um sorriso de orgulho.

Mais tarde, já à noite, Tae-mo finalmente chega do escritório. Só de ouvir seus passos, meu coração já fica mais calmo. Sinto sua presença e o cansaço em cada passo que ele dá.

— Estou tão cansado… — diz Tae-mo, jogando-se no sofá.

— Melhorei? — pergunto, enquanto começo a massagear seus ombros. Ele relaxa sob minhas mãos, e consigo ouvir o alívio em sua respiração.

— Que aconchegante… — murmura, a voz baixa e confortável.

— Que tal uma pipoca? — sugiro.

— Eu quero!

— Pode deixar, vou preparar. — Respondo, indo para a cozinha.

A pipoca está pronta, e me aconchego ao lado dele no sofá. Sinto o calor de seu corpo e sua respiração ainda acelerada do cansaço. É reconfortante estar perto assim.

— O que vamos assistir? — pergunto.

— Que tal Friends?

— Sim! — respondo, sorrindo.

Quando ele coloca a série, percebo algo diferente.

— Espera aí… as vozes estão… estranhas.

— Ah, amor, mudaram a dublagem. — Tae-mo responde, frustrado.

— Como vou reconhecer os personagens agora? — pergunto, decepcionado, enquanto meu peito aperta de frustração.

— É uma pena… mas você vai se acostumar. — diz ele, passando os dedos no meu cabelo, em um gesto de carinho.

— Hyung? — chamo, hesitante.

— Oi?

— Como está indo sua terapia?

Ele hesita um momento.

— Está indo bem… mas tem um problema.

— Qual?

— Não me lembro do seu acidente na escada.

— E sobre meu pai?

— Disso eu lembro muito bem. Foi ele que te empurrou… Eu me lembro de nós dois fugindo, você tentando escapar… A gente subiu numa janela, eu pulei primeiro. Mas quando você ia pular, ele te puxou pelos pés e você caiu, batendo a cabeça no chão.

A voz de Tae-mo começa a vacilar, tomada por uma dor antiga.

— Ele gritava: “Tá vendo? Isso é culpa sua!”… ele repetia isso de um jeito tão frio… — continua, a tristeza transbordando em cada palavra.

— Uma mulher gritou, horrorizada, descendo as escadas, “Seu maldito!”. Ela correu até você, mas ele a impediu. Eu estava lá, na janela, vendo tudo, mas era só uma criança…

Ele para, a voz se quebra em um soluço, e sinto sua dor como se fosse minha. Meu peito dói com o peso das lembranças dele.

— Enquanto eles brigavam, eu pulei de volta pela janela e fui até você. Você estava deitado no chão, o rosto ferido. Por um momento, abriu os olhos e me olhou, mas depois… depois os fechou novamente.

Tae-mo começa a chorar, e eu o puxo para mais perto, deixando que ele deite a cabeça sobre meu peito. Faço um carinho em seus cabelos, tentando confortá-lo, mas também com o coração esmagado por tudo que ele carrega.

— Ele… ele a estrangulou, bem na minha frente. — sussurra ele, com a voz sufocada pelas lágrimas.

— Ele a matou? — pergunto, horrorizado, sentindo um frio percorrer minha espinha.

— Sim… mas antes dela morrer, ela ainda conseguiu dizer “Proteja o meu…”

— “Meu”? — repito, sem entender, mas ele me abraça com força, e sinto o quanto ele precisa de mim nesse momento.

— Acho que a pipoca acabou. — tento mudar de assunto, na tentativa de aliviar o clima pesado que se formou.

— Eu pego mais — diz ele, se levantando, mas hesita.

— Não, amor, fique aí. Eu vou. — insisto.

— Então vamos juntos — diz Tae-mo, e antes que eu perceba, ele me pega no colo. Sinto a segurança dos braços dele ao meu redor, e o sorriso aparece no meu rosto sem que eu consiga conter.

— Hã? — solto uma risada surpresa.

— Que tal assim? — pergunta ele, com um brilho na voz.

— Perfeito. — sussurro, e selamos a promessa com um beijo.

Domingo, 28/01/2024

É de manhã, e algo inquietante paira no ar. Passei a noite inteira com aquela mulher invadindo meus sonhos, um fantasma que eu nem conheço, mas que parece assombrar cada parte do meu passado. Acordei com a sensação da presença dela, como se eu estivesse de volta naquele cativeiro abafado e frio.

Sem contar nada ao Tae-mo ou à Ariana, decido voltar ao lugar onde tudo aconteceu, levando apenas Vitório comigo. Acho que, se eu conseguir tocar nas paredes e sentir o cheiro do lugar, posso resgatar alguma lembrança verdadeira.

— Isso é uma péssima ideia, Ariel! — murmura Vitório ao meu lado. Posso ouvir a hesitação em sua voz enquanto subimos as escadas, que rangem debaixo dos nossos pés, como se o lugar inteiro protestasse contra nossa presença.

— Eu me lembro que ela sempre escrevia em um diário. Se encontrarmos o diário, talvez descubra quem ela realmente é. — Minha voz sai quase como um sussurro, uma prece sussurrada.

— Em qual quarto ela ficava? — Vitório pergunta, sem esconder o nervosismo.

— No segundo quarto, à direita. Eu consigo lembrar a posição da porta. O cheiro da madeira e do mofo me ajudam a encontrar o caminho.

Vitório abre a porta, que estala como se não fosse tocada há anos. Um cheiro forte de mofo e poeira invade meus sentidos, denso e sufocante.

— Meu Deus, o lugar está podre… — comento, tapando o nariz instintivamente.

— Ariel, o quarto está vazio. Não há nada aqui… — A voz de Vitório soa frustrada, mas algo em mim se recusa a desistir.

Sinto o chão abaixo de nós rangendo e sei que alguma coisa está diferente. A madeira embaixo dos nossos pés tem um som estranho, como se escondesse algo.

— Espera… Ariel! — Vitório grita, sua voz tensa e urgente.

— O que foi? — pergunto, sentindo meu coração disparar.

— Essa parte do chão… parece oca! — Ele pisa ao redor, cada passo fazendo um som oco e assustador.

Antes que eu possa entender o que está acontecendo, ouço um estalo forte, seguido pelo grito de Vitório e o som do chão cedendo.

— Vitório! — grito, a voz cheia de pânico. Silêncio. Nenhuma resposta.

— Vitório, por favor, responde! — As palavras saem sufocadas, e as lágrimas escorrem pelo meu rosto. Minha respiração fica rápida, e o peso da culpa me aperta o peito. Eu o trouxe até aqui, e agora…

O tempo passa. Estou deitado ao lado do buraco, esperando que ele me responda. Penso em ligar para alguém, mas lembro que deixei meu celular no carro. O carro…

Minha mente dispara com a possibilidade. Levanto-me, determinado, e começo a caminhar pela casa, ouvindo o ranger da madeira e o vento assobiando através das frestas nas paredes. Vou guiando-me até a porta, tateando as paredes frias e úmidas.

— Ariel… — Ouço, finalmente, a voz de Vitório, fraca, um sussurro quase fantasmagórico que me gela até os ossos.

Corro até ele e o abraço com força, sentindo-o trêmulo. Sua pele está fria como gelo, e ele está ofegante, claramente abalado.

— Vitório, o que aconteceu? Você está tremendo! — pergunto, tentando entender.

— Vamos sair daqui… por favor, Ariel — ele sussurra, quase implorando, ainda com a voz trêmula.

— Mas o que você viu? O que aconteceu lá embaixo? — pergunto, ainda sem soltá-lo. Ele segura minha mão, empurrando algo pequeno e áspero contra a minha palma. Pelo toque, percebo que é um pequeno livro empoeirado.

— Isso é… — murmuro, tocando a capa áspera e as páginas envelhecidas.

— Sim, é o diário dela… — Vitório responde, a voz embargada de medo.

— Mas o que você viu, Vitório? Por que está assim? — insisto, meu coração disparando.

Ele faz uma pausa longa, como se não conseguisse reunir forças para falar, e finalmente murmura:

— Ariel… você sabe quem é essa mulher?

Minha mente está em choque, mas respondo baixinho:

— Quem?

— É sua mãe…

Compromisso com terapia(Yaoi)Onde histórias criam vida. Descubra agora