Domingo, 03/12/2017
Pergunto novamente, mas não tenho resposta. Por um momento, me pergunto se talvez tenha sido apenas minha imaginação.
— Vamos! — sussurra hyung mais uma vez no meu ouvido, sua voz um pouco hesitante, mas firme.
— Então não foi imaginação minha… você realmente falou! — digo, sentindo meu coração disparar. Hyung pega a caneta e começa a clicar novamente, formando palavras em código Morse. Mas, desta vez, não deixo. Tomo a caneta de sua mão e a jogo longe, sem hesitar.
— Quero ouvir sua voz, hyung… mesmo que seja baixinho. — murmuro, tentando transmitir a urgência do meu desejo. Silêncio. Alguns segundos passam, e a frustração começa a tomar conta de mim. Talvez eu tenha exagerado? Sinto uma pontada de culpa por pressioná-lo.
— Já está tarde… meu motorista já está vindo para nos levar para casa. — ele sussurra de novo, quase como uma desculpa, tão próximo ao meu ouvido que sinto o calor de sua respiração. Tiro o celular do bolso para checar as horas e percebo que já está quase meia-noite.
— Nossa, está tarde mesmo… amanhã cedo tenho consulta. — suspiro, um pouco desapontado, mas tentando disfarçar.
— Boa noite! — diz uma voz que reconheço como a do motorista de hyung.
De volta ao carro, hyung permanece em silêncio durante todo o caminho, e decido não pressioná-lo. Como o Dr. me disse, ele vai se abrir aos poucos. Chego em casa e, após um banho rápido, faço o máximo de silêncio para não acordar Ariana, que já dorme. Deito na cama e sinto um turbilhão de emoções no peito — borboletas no estômago, lembranças de cada sussurro de hyung e o desejo silencioso de ouvi-lo de novo.
Sexta-feira, 19/05/2023
Hoje faz cinco anos que estou em compromisso com o hyung. Ele evoluiu bastante, e conseguimos conversar pelo celular por longos períodos. Mas, pessoalmente, ainda mantém o hábito de sussurrar no meu ouvido em vez de falar abertamente. A família do hyung é um assunto delicado; toda vez que pergunto, ele fica inquieto ou simplesmente se cala. Apenas meu pai conhece sua família, e o Dr. sempre diz que, quando for a hora certa, eu também poderei conhecê-los.
Mas, apesar de estarmos juntos há tanto tempo, algo mudou. Perdi o encanto no hyung. Ele é mais como um irmão agora; em cinco anos, nunca nem sequer nos beijamos. E por mais que ele seja gentil, a chama que um dia senti já não existe.
Hoje estou na universidade, e é meu último ano. Estou no sétimo semestre de Música, minha paixão desde sempre. Adoro tocar piano, harpa, violino e muitos outros instrumentos. Ariana, minha amiga de infância, escolheu Medicina — sempre foi o sonho dela. Estou caminhando pelo refeitório, distraído, até que tropeço em algo.
— Desculpa aí, princesa! — diz Felipe, o idiota da universidade.
— Cala a boca, Chernobyl! — respondo, irritado.
— O quê? Como você me chamou?
— Eu gaguejei! — digo, desdenhando.
— Quer me ver estressado, ceguinho? — ele provoca, e sinto meu sangue ferver.
— Faz eu tropeçar de novo, e você é quem vai se estressar! — rebato, e vejo algumas pessoas rindo ao redor. Enfurecido, Felipe agarra meu pulso com força.
— Me provoca, princesa, e eu corto esse seu cabelão de Samara do Chamado! — ameaça ele, puxando meu cabelo.
— Tira a mão do meu cabelo, seu idiota! — falo alto, e, sem pensar duas vezes, acerto uma voadora nele com minha bengala.
— Aaai! — grita Felipe, gemendo de dor.
— O que vocês estão fazendo? — a coordenadora aparece, a voz autoritária.
— Coordenadora, a minha boca está sangrando! Esse louco me atacou com a bengala! — Felipe tenta se fazer de vítima, mas sua voz tremida o denuncia.
— Ariel, você está bem? — pergunta Vittorio, meu melhor amigo, se aproximando.
— Eu só me defendi! Essa criatura pegou meu pulso com tanta força que até está doendo! — digo, deixando uma lágrima cair, dramatizando a situação.
— Felipe, você teve a coragem de levantar a mão para um cego? — a coordenadora o encara, com um olhar de reprovação.
— Isso mesmo, coordenadora! Ele agrediu um pobre cego inofensivo! — continuo, me jogando no ombro de Vittorio para dar mais ênfase à cena.
— Covarde! — gritam os colegas ao redor.
— Gente, isso é atuação! — Felipe tenta se defender, mas as risadas ao redor só aumentam.
— Esse idiota está sempre importunando o Ariel! — grita Vittorio, me segurando para que eu não tropece.
— Felipe, para a minha sala agora! — ordena a coordenadora. A multidão aplaude enquanto Vittorio me conduz até um banco.
— Amigo, o que foi isso? — pergunta Vittorio, rindo, ao se sentar ao meu lado.
— Eu disse que um dia ele ia me pagar. — sorrio, sentindo uma satisfação por ter dado o troco.
— Você arrasou! — ele ri, e ficamos ali rindo juntos.
O sinal toca e o intervalo termina. A aula passa rápido, e logo estou esperando meu motorista. Enquanto isso, Vittorio penteia meus longos cabelos, que estou deixando crescer há quatro anos. É minha nova marca, e, além de tudo, é algo que hyung nunca comenta, o que me deixa um pouco decepcionado. Enquanto sinto o vento suave nos cabelos, percebo o quanto mudei nos últimos anos.
Sábado, 20/05/2023
São quase sete da noite, e eu e Ariana estamos nos arrumando para o jantar de noivado dela com Min-ho. Ele é alguém que eu simplesmente não suporto, uma criatura tóxica que já deixou claro que Ariana não poderá exercer sua profissão assim que se formar, obrigando-a a se submeter à ideia de ser apenas “esposa e mãe”. Isso me revolta profundamente, mas o que posso fazer?
Finalmente estamos prontos, e nosso pai está nos levando para a casa de Min-ho. Assim que chegamos, vejo meu padrinho na frente, esperando por nós.
— Oppa! — chama Ariana com um sorriso, ao reconhecer a figura familiar ao lado do meu padrinho.
— Quem é, Ariana? — pergunto, confuso.
— É o hyung?
Ariana o chama assim porque, assim como eu, não sabe o nome dele. Somente nosso pai conhece o nome e a história do hyung e, ao que parece, mantém esse segredo com extremo cuidado. O que me surpreende é ver o hyung aqui, ao lado do meu padrinho. Não sabia que eles se conheciam.
Entramos na casa, onde as vozes revelam que a festa é pequena e íntima. Seguro o braço do hyung e percebo que ele está mais forte; os músculos dele parecem maiores, o que me faz imaginar se ele anda treinando.
— Olha só aquele casal esquisito… um cego e um jovem que não fala! — ouço alguém murmurar baixinho.
— O que aquela bruxa disse? — pergunto, meu coração disparando de raiva.
— Não liga para ela, Ariel. — hyung sussurra no meu ouvido, tentando me acalmar. Nesse instante, uma senhora de voz áspera, que cheira a cigarro, se aproxima e solta uma frase que só faz piorar minha irritação.
— Que bom que você encontrou um namorado e uma família que o apoia. A vida não é fácil para cegos, sabe?
— Não é porque sou cego que dependo das pessoas! — rebato, tirando a mão do braço do hyung. — Posso me locomover sozinho!
— Minha maior curiosidade é saber como vocês se comunicam… — a velha insiste.
— Nos comunicamos como qualquer casal, qual é o mistério? — hyung responde alto, pela primeira vez.
— Mas… você não era mudo? — a velha pergunta, assustada.
— Pareço mudo? — ele responde, um pouco irritado, chegando mais perto de mim e colocando o braço ao redor do meu pescoço. Sinto o cheiro de álcool, que ele provavelmente tentou disfarçar.
— Você bebeu? — pergunto, um pouco surpreso.
— Tomei um copinho enquanto você conversava. — ele murmura, num tom quase divertido.
— Ariel, você poderia tocar piano para nós? — pergunta a mãe de Min-ho.
— Claro.
Ela me conduz até o piano, e começo a tocar uma melodia suave e triste, que aos poucos ganha um ritmo alegre. Tocar é como reviver minha história, uma jornada cheia de altos e baixos. Acordar cego aos oito anos foi um choque imenso, mas aos poucos aprendi a aceitar. Enquanto toco, minha mente vagueia, e me lembro de algo que há muito tempo havia bloqueado: o outro menino que estava comigo quando fomos sequestrados. Eu fui tratado de forma diferente, mas ele… ele sofreu tanto. Será que ele está bem agora?
Termino a melodia, e as palmas ecoam pela sala. Não comento sobre essas lembranças com ninguém, exceto com meu psicólogo, que conhece cada pedaço dessa escuridão que carrego.
O jantar, como eu esperava, é insuportável. Min-ho se mostra absurdamente falso com minha irmã, e sinto uma pena enorme de Ariana, sabendo que ela está prestes a casar sem amor. Mas meu pai, pragmático, sempre diz: “É melhor estar triste em Paris do que pedindo esmola”. Finalmente, a noite termina, e estamos voltando para casa. Tudo o que quero agora é me jogar na cama e descansar.
Sexta-feira, 23/06/2023
Com mais um semestre concluído, estou em êxtase. Em breve, vou participar de um estudo nos Estados Unidos, voltado para pessoas cegas. Dizem que desenvolveram uma cirurgia que pode reverter meu caso, algo que até então era considerado impossível. Parece tão surreal… nem sei se consegui processar a ideia de que posso voltar a enxergar.
Agora são seis da tarde, e estou com Vittorio e Ariana. Vittorio está preparando uma hidratação caseira para nossos cabelos. Pelo cheiro, consigo identificar os ingredientes: banana, óleo de coco, creme de leite e, acho, um toque de mel.
— Está pronto! — anuncia Vittorio, aplicando a mistura no meu cabelo e penteando-o com cuidado.
— Agora é minha vez! — diz Ariana, animada.
Vitorio me ajuda a colocar a touca térmica e, em seguida, começa a cuidar do cabelo de Ariana. Ele é ótimo nessas coisas; o cabelo de Vittorio é sempre bem-cuidado, cheio de cachinhos. Ele usa um corte degradê, curto nas laterais e com volume no topo. Sua autoestima é contagiante, e ele sempre sai do barbeiro se achando o máximo.
Quase oito da noite, e nosso motorista nos leva para a universidade. Primeiro deixamos Ariana, e então seguimos para o campus onde Vittorio e eu estudamos. Quando descemos do carro, noto que o clima está estranho, mas ignoro, achando que é só minha impressão.
— Vamos entrar, amigo! — diz Vittorio, tentando me animar.
— Vamos! — respondo, tentando dissipar a sensação ruim.
— Parece que é nosso dia de sorte! — diz uma voz desconhecida, que logo percebo ser ameaçadora.
— Passa tudo, bebê! — diz outro cara, e sinto meu coração gelar.
— Meu Deus! — Vittorio murmura, assustado.
De repente, um dos homens me agarra por trás e sinto algo frio no meu pescoço — uma faca.
— O que você tem para mim, bebê? — ele murmura, sarcástico, segurando-me com força.
— Larga ele, por favor! — Vittorio grita, a voz trêmula de desespero.
— Cala a boca! — o outro homem grita, e então ouço um som horrível de cortes, seguido pelos gritos de dor de Vittorio.
— O que você fez?! — grita o que está me segurando, e, num impulso, ele me empurra para o chão e foge com os outros.
— Amigo… Vittorio, você está bem? Fala alguma coisa! — desespero-me, tentando encontrar meu amigo, mas ele não responde.
Estico as mãos pelo chão, tateando, até que finalmente o encontro. Mas ele está ensopado. Sinto o cheiro de sangue e percebo que o líquido ao redor dele é todo sangue.
— Socorro! Alguém me ajuda! — grito, o pânico tomando conta de mim.
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Compromisso com terapia(Yaoi)
RomanceAriel e Tae-mo, dois jovens com passados complicados, se conhecem em um encontro às cegas e logo sentem uma conexão poderosa. Ariel, que é cego, é cativado pela presença silenciosa de Tae-mo, um rapaz com fobia social extrema que não fala em público...