Um novo meio de vida capítulo 4

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24/06/2023
(Narrado por Vittorio)
   Abro os olhos lentamente, e o quarto branco ao meu redor parece estranho, desconhecido. Sinto um peso na barriga, e ao olhar para baixo, vejo que estou coberto por curativos. As memórias vêm em flashes: o ataque, o sangue, o desespero. Meu Deus… o Ariel!
— Ariel! — grito, sentindo o peito apertar.
— O que houve? — pergunta a enfermeira, aproximando-se.
— O garoto que estava comigo… onde ele está?
— O senhor foi transferido sozinho para cá.
— Eu preciso saber como ele está! — imploro.
— Vittorio, você acordou? — diz Ariana, entrando no quarto apressada, com olhos preocupados.
— Cadê o Ariel? Ele tá bem? — pergunto, ofegante.
— Ele tá bem, Vittorio. — Ela tenta me acalmar.
— E onde ele está?
— Não sei os detalhes, mas… a cirurgia dele foi marcada para hoje. Ele teve que viajar para os Estados Unidos.
— Cirurgia? — Minha voz sai trêmula. — Quer dizer que… existe uma chance de ele voltar a ver?

— Sim, Vittorio. Pelo que disseram, criaram uma técnica que pode ajudar no caso dele.
Sinto uma pontada de alívio, uma fagulha de esperança. Ariel… talvez você ainda tenha uma chance de ver o mundo novamente. Mas então, algo embaixo dos meus curativos me incomoda. Com cuidado, tento afastar as ataduras para espiar.
— Ei… o que é isso? — digo, com o coração disparado.
— Vittorio, calma! — diz Ariana, preocupada.
— Vou chamar o doutor! — a enfermeira diz, saindo apressada. Olho para Ariana, que evita o meu olhar, visivelmente tensa.
— Espera aí… isso é uma bolsa de ostomia? — pergunto, minha voz falha.
— Vamos esperar o doutor. Ele vai explicar tudo, tá bom? — Ela tenta me acalmar, mas seu nervosismo transparece.
O médico entra no quarto, tentando parecer sereno.
— Bom dia, Vittorio.
— Doutor, o que está acontecendo comigo?
Ele suspira antes de falar, como se as palavras pesassem em sua boca.
— Devido às lesões graves no seu abdômen, você perdeu grande parte do intestino. Infelizmente, você terá que usar a bolsa de ostomia permanentemente.
— Não… não! — grito, sentindo o chão desaparecer sob meus pés. — Eu não posso ter esse negócio grudado em mim! Não posso!
— Por favor, acalme-se, Vittorio — diz a enfermeira, tentando me segurar.
— Tirem isso de mim! Tirem agora! — tento me levantar da cama, desesperado.
— Vittorio, por favor, se acalma! — Ariana implora, as lágrimas escorrendo pelo rosto.
   Ao me levantar, uma dor lancinante percorre meu corpo, e eu perco as forças. Caio para a frente, batendo a barriga contra o canto da mesa, e a bolsa se abre. De repente, sinto o cheiro e a umidade das fezes em minha pele. Uma dor avassaladora toma conta de mim, e vejo sangue escorrendo pela minha barriga. A última coisa que vejo é a enfermeira me aplicando uma injeção, antes de tudo escurecer.
   Quando volto a abrir os olhos, sinto-me estranhamente calmo, mas a sensação de sujeira ainda permanece. Olho ao redor e vejo que estou limpo, assim como o quarto. Mas, apesar disso, a sensação de estar sujo continua me consumindo por dentro. Ariana percebe que acordei e vem até mim, mas eu levanto a mão, afastando-a.
— Não chegue perto, Ariana.
— Por que, Vittorio? — Ela pergunta, com uma tristeza que quase parte meu coração.
— Não me sinto confortável… ter fezes saindo de mim me faz sentir sujo, humilhado.
— Não fica assim, Vittorio. Estou aqui para te dar apoio. — Ela tenta tocar minha mão, mas eu me afasto.
— Não quero que ninguém se aproxime — digo, a voz embargada.
Ariana olha para mim, o rosto banhado em lágrimas. E, por um instante, vejo o amor e a dor que ela sente. Ela respira fundo, enxuga as lágrimas e diz, com uma voz trêmula, mas determinada:
— Vittorio, eu vou estar ao seu lado, mesmo que você não queira. Eu sei que é difícil, mas estou aqui para te ajudar, para cuidar de você. E, se precisar, vou limpar o seu quarto e te ajudar a se vestir, quantas vezes for necessário. Não me importo com o que você sente por fora… o que importa é o que você é por dentro.
Olho para ela, sentindo-me dividido entre vergonha e gratidão. Pela primeira vez, percebo que o que realmente me assusta não é a bolsa, mas a ideia de que, com ela, ninguém será capaz de me amar da mesma forma.
Segunda-feira, 10/07/2023
  Os dias passam, e finalmente consigo levantar da cama. Caminho devagar até o banheiro e, ao me encarar no espelho, vejo um reflexo que mal reconheço. Meu corpo está frágil, cheio de curativos, e essa bolsa grudada em mim parece um lembrete constante da dor que estou enfrentando. Ariel acabou de sair, e toda vez que ele vem, chora ao me ver nessa situação e pelo próprio sofrimento, já que sua cirurgia também fracassou. Sinto-me impotente, mas tento segurar as pontas.
— Bom dia! — diz alguém vestido como Albert Einstein, entrando inesperadamente no quarto.
— Bom dia, — respondo, com a voz tristonha, mas um leve sorriso surge ao ver a cena inusitada.
— Sorria! Hoje é seu dia de sorte, porque o Einstein aqui veio dar uma aula de física! — diz ele, com uma energia contagiante.
— E o que o “Einstein” vai explicar? — pergunto, sentindo um brilho inesperado de curiosidade.
— Quer ver uma coisa legal?
— O quê?
— Vou te mostrar o universo!
— Como?
  Ele apaga a luz do quarto, e de repente tudo fica escuro. Então, ele liga um projetor, e as paredes ao nosso redor se enchem de estrelas. Todo o quarto é iluminado por constelações, planetas, galáxias — como se eu estivesse flutuando no cosmos. Meus olhos brilham enquanto observo aquele universo mágico à minha volta, e por um momento, esqueço meus problemas.
— Isso é tão lindo... — sussurro, quase sem fôlego.
— Quer ver mais?
— Sim! — respondo com entusiasmo, quase como uma criança.
  Planetas começam a aparecer pelo quarto, e é como se eu estivesse viajando pelo espaço. Por um instante, toda a dor, toda a angústia se dissolvem nesse espetáculo. Esse estranho que parece um físico maluco transformou o meu dia.
— Obrigado. Hoje você fez o meu dia mais feliz — digo, com sinceridade.
— Esse é o meu trabalho — ele responde com um sorriso gentil. — Gosto de visitar os hospitais e trazer um pouco de alegria aos pacientes.
— Esse equipamento é incrível! — digo, maravilhado.
— Fui eu que criei! Você gostou?
— Adorei!
Ele me olha com uma expressão esperançosa e, por um segundo, quase parece vulnerável.
— E… se você puder, torça por mim. Hoje vou me declarar para a garota que amo.
Sinto uma pontada de admiração por ele. Que sorte essa garota tem!
— Vou torcer com todas as minhas forças. Ela tem muita sorte de ter alguém como você na vida.
— Muito obrigado! — ele diz, emocionado.
De repente, a luz do quarto se acende bruscamente.
— O que está acontecendo aqui? — diz Paulo Vitor, entrando com o semblante fechado.
— Amor! — digo, surpreso.
— Por que as luzes estavam apagadas? Quem é você? — ele pergunta, o tom levemente desconfiado.
— Eu estava mostrando o universo para ele, por isso as luzes estavam apagadas — explica o “Einstein”, tentando manter a calma.
— Mostrando o quê? — Paulo Vitor pergunta, cruzando os braços.
— Amor, ele é físico! Ele faz boas ações e visita os doentes no hospital, só estava tentando me animar — explico, tentando aliviar a tensão.
O visitante decide se retirar.
— Eu já vou indo. Boa sorte com sua recuperação, Vittorio! E obrigado pela torcida — diz, com um sorriso.
— Boa sorte na confissão! — respondo, ainda sorrindo.
— Valeu!
Assim que ele sai, Paulo Vitor solta um suspiro.
— Eu não gostei disso, Vittorio.
— Você veio aqui para brigar comigo?
Ele parece hesitar, mas logo me abraça, com um sorriso forçado.
— Claro que não, nenê.
  Paulo Vitor sempre foi temperamental, mas, por outro lado, sabe ser doce também. Ele fica mais um pouco, mas logo precisa ir embora. Diz que tem coisas para resolver, e me dá um beijo rápido na testa antes de sair.
Após ele partir, sinto uma sensação agridoce. Por um lado, me preocupo com sua possessividade, mas, por outro, sinto um alívio em ter o apoio da Ariana, que faz o possível para estar ao meu lado no hospital. Ela é uma amiga gentil e incansável, que tem sido uma luz nos meus dias mais sombrios. Enquanto observo o quarto ainda levemente iluminado pelas estrelas projetadas, sinto uma pontinha de esperança — talvez ainda exista uma maneira de encontrar alegria, mesmo em meio a tanta dor.

Compromisso com terapia(Yaoi)Onde histórias criam vida. Descubra agora