Capítulo 4 - Aqueles olhos

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A sala de Scarlett estava mergulhada em um silêncio pesado, quebrado apenas pelo leve farfalhar dos papéis que Ji-eun colocava cuidadosamente sobre sua mesa. As cortinas estavam parcialmente fechadas, deixando a luz suave da manhã entrar como faixas tênues de ouro pálido, iluminando o ambiente com uma delicadeza inesperada. Scarlett estava sentada em sua cadeira de couro, postura ereta, rosto inexpressivo, mas seus olhos seguiam atentos cada movimento da secretária. No fundo, ela sabia que esse momento chegaria — que logo saberia tudo sobre o ômega que há tanto tempo ela tentava esquecer.

— Aqui está o relatório que pediu, senhora Scarlett — Ji-eun disse, com uma expressão séria, colocando a pasta grossa à sua frente. — As informações foram difíceis de conseguir, mas nossa equipe conseguiu acessar os arquivos antigos, bem como informações mais recentes.

Scarlett permaneceu em silêncio, apenas esticando a mão para pegar a pasta.

Kim Taehyung.

O nome escrito em letras frias e formais na capa não deixava transparecer a complexidade que ela sabia que encontraria ali dentro. Um simples nome para um oceano de memórias e dores enterradas.

Ela respirou fundo antes de abrir a primeira página. O coração, que geralmente mantinha o mesmo ritmo calmo e constante em todas as suas transações e decisões, pareceu acelerar com um prenúncio incômodo. Não era medo, tampouco ansiedade, mas algo que ela não conseguia nomear — uma lembrança espectral de que o passado estava prestes a ser reescrito diante de seus olhos.

A primeira informação a atingiu com uma força surpreendente, embora ela já soubesse parte disso: Kim Seokjin, o pai de Taehyung, fora assassinado quando ele ainda era um bebê. Era uma notícia antiga, enterrada em páginas de jornais desatualizados, uma tragédia que havia manchado a infância do pequeno ômega. Seokjin fora um homem honrado, alguém que Scarlett respeitara profundamente, e sua morte fora um golpe inesperado na vida de Taehyung, embora ele fosse muito jovem para entender. Scarlett não podia deixar de imaginar como teria sido crescer sem a figura protetora de um pai alfa.

No entanto, foi o parágrafo seguinte que congelou o sangue em suas veias.

Park Minyoung, a mãe de Taehyung, morreu logo após o divórcio. A violência daquelas palavras era como um punhal. Ela sabia da morte, é claro, mas os detalhes eram como veneno. Minyoung fora brutalmente violentada por um grupo de homens, uma retaliação por uma dívida que ela havia contraído e tentara pagar. A morte dela não fora rápida ou silenciosa; fora uma agonia prolongada, marcada por sofrimento e desespero. Scarlett fechou os olhos por um breve instante, tentando controlar a maré de emoções que ameaçava transbordar.

Taehyung. Ele também havia sido uma vítima daqueles homens. O coração de Scarlett apertou-se dentro do peito, como se uma mão invisível a estivesse comprimindo com força. Ele, ainda um filhote indefeso, também havia sido marcado por aquela tragédia. Os agressores nunca foram presos, e Taehyung, embora tivesse sobrevivido ao ataque, passara um ano internado no hospital. Sozinho, sem sua mãe. Sem ninguém. O mero pensamento daquele pequeno ômega, o mesmo menino que um dia a seguira pela casa com um brilho nos olhos, preso a uma cama de hospital, abandonado, era insuportável.

Scarlett sentiu as mãos tremerem levemente ao virar a página, algo que não acontecia há anos. Seus dedos firmes, acostumados a assinar contratos e lidar com os maiores desafios do mundo corporativo, agora pareciam frágeis sob o peso da história que lia.

Depois de um ano no hospital, Taehyung foi enviado para um orfanato.

A palavra "orfanato" ecoou na mente de Scarlett como uma sentença. Ela o deixara. Ele havia sido deixado lá, esperando que alguém viesse buscá-lo. Mas ele não queria ser adotado. Ele tinha medo de alfas, diziam os relatórios. Os mesmos alfas que haviam arruinado sua mãe e deixado cicatrizes profundas em seu corpo e alma. Ele havia se fechado, construído muros ao seu redor, e não permitia que ninguém se aproximasse. Nenhuma família o tocava. Nenhum alfa o conquistava. Mas, mesmo assim, ele continuava a clamar, todas as noites, por uma pessoa.

Scarlett.

A leitura desse nome, com letras gélidas no papel, a fez sentir uma pontada aguda no peito. O pequeno ômega, aquela criança que ela havia deixado para trás, clamava por ela. No silêncio da noite, no desespero de sua solidão, ele chamava seu nome. Scarlett. Ele a esperou. Todos os dias. Cada batida de seu coração, cada fôlego, carregava aquela esperança ingênua de que ela retornaria e o tiraria daquele lugar.

E ela nunca veio.

Scarlett fechou os olhos novamente, tentando controlar a onda de emoções que subia como um tsunami incontrolável. O peso de sua ausência, o fardo de seu silêncio, parecia insuportável agora. Ela tentara enterrar o passado, mas o passado sempre soubera como cavar seu caminho de volta.

Aquele garoto, agora um homem, havia se formado com notas exemplares, superando as expectativas que todos colocavam sobre ele. Entrara na Universidade Nacional e se formara em economia, um campo que, de alguma forma, parecia tão distante do garoto doce e sonhador que ela lembrava. Era um trajeto lógico, uma escolha racional, mas não deixava de soar amargo. Ele fizera tudo sozinho. Superara tudo sozinho. E Scarlett não estivera lá para ver.

Nunca teve um relacionamento.

Aquelas palavras no relatório tinham um tom sombrio. Scarlett se perguntou se Taehyung algum dia deixara de temer os alfas, se algum dia conseguira realmente confiar em alguém. Mas, ao que tudo indicava, o medo permanecia. O isolamento que ele construíra ao redor de si nunca fora rompido.

No entanto, uma nova informação chamou sua atenção.

Ele visitou uma clínica de fertilidade recentemente.

Ele estava tentando engravidar. Scarlett piscou, surpresa. Um ômega tentando conceber sem um alfa. Havia uma certa beleza trágica naquele ato. Uma recusa final à submissão, uma decisão de seguir seu próprio caminho, sem precisar daquilo que mais o apavorava. Mas por que agora? Por que, depois de todos esses anos, Taehyung decidiria que estava pronto para ter um filhote?

Scarlett se perguntou se isso era uma última tentativa de curar as feridas que ele carregava. De preencher o vazio que o acompanhara desde a infância.

Ela continuou lendo, mas sua mente estava presa no significado de cada palavra, cada detalhe sobre a vida que ele levara. Quando chegou à última página, havia uma foto. A primeira imagem de Taehyung em todos esses anos.

Scarlett puxou a foto para mais perto, o coração batendo descompassado. Ali estava ele. Não mais o menino de olhos esperançosos e sorriso tímido. Mas um homem. Um homem esbelto, de traços delicados e angulosos, com olhos que ainda mantinham aquela profundidade que Scarlett lembrava tão bem. Ele era belo, não havia outra palavra para descrevê-lo. Seu cabelo caía levemente sobre a testa, e ele parecia... inatingível. Havia uma tristeza velada em seu rosto, uma sombra que Scarlett podia sentir, mesmo sem conhecê-lo agora.

Seu coração acelerou ao olhar para ele. Havia algo inegável na conexão que ela sentia. Uma atração não física, mas emocional. Uma dívida. Um laço invisível que, ao longo dos anos, não fora quebrado. Ela o abandonara, e agora, de alguma forma, ele havia retornado a ela, mesmo sem saber.

Scarlett largou a foto sobre a mesa, mas o olhar de Taehyung parecia penetrar sua alma, como se, mesmo à distância, ele ainda estivesse esperando. Ainda esperando por ela.

E agora, ela sabia que não poderia ignorá-lo.

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