Capítulo 36: Acha que vou precisar disso?

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Kaden já tinha ido embora quando acordei ao amanhecer, mesmo que eu sentisse o cheiro dele na cama, como se ele tivesse se deitado ali em algum momento. Fiquei um tempo deitada, finalmente conseguindo processar o que eu tinha feito. O que tínhamos feito juntos. Meu rosto chegou a esquentar de constrangimento, porque Kaden tinha me tocado muito intensamente, de uma forma que eu certamente não deveria permitir.

Fechei os olhos com força, não conseguindo me concentrar em nada naquela manhã. O vestido estava intocável, porque quando tentei fazer alguma coisa, nada saiu. Oren não apareceu, mesmo que dessa vez eu desejasse que ele estivesse ali para poder conversar com alguém. Mas ninguém esteve ali para me ver durante o dia. Permaneci sozinha, com meus pensamentos conturbados como companhia.

Mesmo que não quisesse, eu estava acostumada com o barulho de um castelo. De criados andando de um lado para o outro. Eu estava acostumada a conversar com Elowen nos poucos momentos que tínhamos no meio do trabalho. Ali, algumas vezes, eu me sentia solitária demais, com o silêncio me esmagando.

Quando a tarde começou a ir embora, depois de um dia muito longo, caminhei pelos corredores até a torre mais alta daquela parte sul do castelo. Subi as escadas que circulavam as paredes, até passar pela porta, onde eu tinha uma visão de quase o castelo inteiro de cima. Das outras torres. Do mar, do deserto e da floresta.

Caminhei até o parapeito, puxando o ar fresco que surgia com a noite, enquanto esperava pelo por do sol. Ele não demorou a surgir, enquanto o sol desaparecia no horizonte muito lentamente, até ir embora por completo. Continuei ali mesmo quando já estava muito escuro, buscando alguma coisa dentro de mim que acalmasse tudo que eu estava sentindo.

—Olá, Tempestade. —Abri um sorriso quando o corvo voou até o parapeito onde eu estava escorada. Ergui a mão e passei pela cabeça dele, sentindo as penas negras super macias, antes de ele cantar e me arrancar uma risada.

Ele voou para longe de mim e eu me virei para segui-lo com os olhos, antes de encontrar Valerian no batente da porta, me observando. O corvo pousou no ombro dele, aceitando a comida que Valerian o ofereceu. Fiquei sem graça quando ele se aproximou, porque não tinha conversado com ele até então naqueles dias.

—Apreciando a bela vista? —Questionou, e eu concordei com a cabeça, apertando minhas mãos fechadas contra a saia do vestido. Valerian parou ao meu lado, oferecendo mais comida aquela criatura curiosa, que me observava. —Kaden também gosta. Ele costuma vir pra cá e ficar sozinho sempre que alguma coisa importante acontece. Ele ficou aqui por horas depois que te conheceu.

Olhei pra ele na mesma hora, me perguntando o que ele estava querendo dizer com aquilo. Valerian não pareceu notar minha confusão. Ou se notou, não se importou em explicar. Ele olhou para o mar que se estendia, desaparecendo no horizonte escuro, como se pudesse ver o outro continente que estava escondido entre essas águas. Não sabia muito sobre ele, mas sabia que estava lá, com outros vampiros e outros humanos.

—Achei que não veria nenhum de vocês hoje. —Afirmei, desejando que aquilo fosse o suficiente para Valerian me contar qualquer coisa. Me dizer onde Kaden estava, porque fiquei pensando em como seria quando o visse de novo. Ao mesmo tempo que desejava que ele me ignorasse, iria me sentir horrível se ele realmente fizesse isso. Ou talvez eu devesse ignora-lo.

—Oren queria vir vê-la, mas ele estava ocupado fazendo algo a pedido de Morgana. Kaden foi até o reino humano, checar as informações que você passou ontem. —Valerian esclareceu, e eu engoli em seco, pensando em Kaden perambulando pelas passagens secretas. Andando dentro daquelas paredes da forma silenciosa que só ele conseguia. —Eu queria ter vindo antes ver se você estava bem, mas estava ocupado também.

—Se não tiver nenhum lobo solto por ai, vou ficar bem. —Falei, e Valerian abriu um sorrisinho, antes de se virar pra mim e puxar algo do bolso da calma. Parecia um simples colar, com uma pedra azul pequena. Ele o estendeu pra mim, depositando na palma da minha mão.

—Sinto muito pelo lobo. Foi uma situação fora do nosso controle, porque nunca deixamos um prisioneiro fugir. Ainda estamos tentando descobrir como isso aconteceu. Mas sei que ficou assustada e espero que isso passe alguma segurança. —Ele indicou a pedra azul, enquanto eu deslisava os dedos por ela e via o que pareciam ser veios negros surgindo. —Quando precisar de nós ou sentir que está em perigo, basta a apartar entre os dedos e pedir ajuda. Saberemos onde você está.

—Acha que vou precisar disso? —Questionei, me virando quando Valerian gesticulou, me ajudando a colocar o colar. Ele demorou para responder, o que me deixou um pouco tensa. Quando me virei para ele, Valerian parecia distante.

—Eu espero que não, Avery. Mas estamos em guerra e não podemos prometer segurança o tempo todo. —Ele abriu um sorriso e começou a se afastar até a porta, enquanto eu o seguia com os olhos. —Oren quem deu a ideia do colar. Pode agradecer a ele depois.

Sozinha naquela torre, ergui a pedrinha e a observei entre meus dedos, sentindo algo amargo na boca do meu estomago quando pensei que eles estavam se preocupando mais com a minha segurança do que o rei, que me enfiou nisso tudo e sequer se importaria se eu morresse. Acho que ele jamais se arrependeria também.

Voltei para os meus aposentos muito lentamente, imaginando quando tempo levaria para Kaden voltar. Eu precisava parar de pensar nele, mas estava cada vez mais difícil, ainda mais depois do que tinha acontecido. Toda vez que eu lembrava, podia jurar que sentia a pressão dos dedos dele e da boca, em todos os lugares que ele havia me tocado.

Sorri ao ver a mesa posta quando entrei. O jantar me esperando ainda fumegante. Era uma única panela, com o que parecia ser a sopa mais deliciosa do mundo. Me sentei e enchi o prato até a borda, me servindo uma segunda vez quando terminei de comer o primeiro e ainda não me senti satisfeita. Precisava mesmo perguntar a Oren quem fazia minha comida, porque sabia que vampiros não comiam aquilo e a pessoa tinha muito talento.

Fiquei sentada por um tempo, observando as chamas da lareira, enquanto o sono ia tomando conta de mim e meus olhos iam pesando. Me levantei com cuidado, precisando me segurar na mesa quando senti minha cabeça girar e quase cai. Levei um susto quando me virei, vendo que havia uma mulher de pé na minha varanda.

Não consegui ver o rosto dela direito, porque minha visão estava cada vez mais borrada e minha cabeça com uma sensação pesada, como se exigisse que eu dormisse. Tentei falar alguma coisa, mas minha língua tinha começado a formigar. Quando tentei dar um passo em direção a porta, cai de joelhos no chão, vendo a mulher cada vez mais próxima de mim.

Tentei agarrar o colar pendurado no meu pescoço, mas acabei desabando por completo no chão. O teto do quarto parecia completamente borrado enquanto eu piscava os olhos sem parar, tentando me concentrar e tomar de volta o controle do meu corpo. Mas tudo estava estranhamente calmo dentro de mim, até eu não sentir mais nada.


Continua...

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