Pensei que poderia evitar o jantar com Varek de alguma forma, mas não tive outra alternativa quando uma mulher apareceu na minha cabana para me avisar que ele me aguardava. Segui ela pelas ruas do vilarejo, já iluminadas por luzes de tochas de fogueiras. A noite tinha chegado rápido demais naquele lugar, me deixando um pouco tensa com a forma dos lobos que andavam ali na sua forma animal.
—É aqui. —A mulher parou, indicando a cabana maior onde havíamos parado. Os olhos me avaliando como se achasse que eu estava escondendo alguma coisa.
Segui em frente sem olhar pra ela uma segunda vez, porque não precisava aguentar aquele olhar. Não precisava aguentar a desconfiança de ninguém ali. Era muito diferente de Morgana, que eu sabia que não confiava nem um pouco em mim, mas que fazia um ótimo trabalho em pelo menos ser amistosa.
Subi os degraus da varanda, passando de forma cautelosa pelas duas portas abertas que revelavam a cabana de Varek. A primeira vista o lugar parecia uma bagunça, porque sua mesa estava cheia de pergaminhos espalhados. Havia um sofá antigo e desgastado, mas elegante, encostado em uma das paredes, ao lado de um armário fechado.
E outro atrás da mesa dele, onde eu podia ver a coleção de pergaminhos enrolados e bem organizados. Havia também uma escada na parede lateral, que dava para o segundo andar, onde deveria ficar o quarto dele. Parecia muito simples para um líder, mas era assim ali. Eles pareciam não se importar com riquezas e decorações.
Me aproximei da mesa, umedecendo os lábios com a língua quando os senti subitamente secos. Passei os olhos pelo que havia ali em cima, tentando encontrar alguma coisa que pudesse ser do meu interesse. Franzi os olhos ao ver o símbolo do reino em algumas das correspondências.
Não consegui ver além disso, porque precisei me afastar rápido quando escutei o som de passos nas escadas. Me virei, engolindo em seco quando Varek apareceu, parecendo ter acabado de sair do banho. O cabelo penteado para trás, mesmo que alguns fios se recuassem a ficar no lugar. Meu estômago deu um nó quando ele sorriu ao meu ver.
—Bom vê-la de novo, Avery. Por favor, fique a vontade. —Ele indicou a mesa dele, antes de se apressar em arrumar a bagunça que havia ali. Me sentei, mesmo que meu corpo inteiro gritasse para que eu desse meia volta e saísse correndo. —Nosso jantar já vai ser servido. Desculpe chamá-la tão tarde, mas eu estava com problemas demais para resolver.
—Não tem problema, eu ainda não havia jantado de qualquer forma. —Falei, apertando as mãos no meu colo enquanto o via depositar algumas velas sobre a mesa agora limpa de todos aqueles papéis, antes de se sentar de frente pra mim. —Queria agradecer por ter ajudado Elowen e Lucian. Eles são importantes pra mim e eu odiava não saber se eles estavam bem.
—Seus amigos são corajosos e gostam muito de você. Tem muita sorte, sabia? —Afirmou, e eu quase sorri, se não fosse por ele na minha frente. —Não fazia ideia de que você tinha sido levada, Avery. O rei demorou a me contar.
—Acho que ele não se importa muito. —Deu de ombros, soltando uma risada baixa, como se isso não fosse nada demais. Varek me analisou, antes de negar com a cabeça.
—Ele se importa. Pode achar que não, mas ele se importa sim com você. —Varek afirmou, e eu tentei não me incomodar com o gosto amargo na minha boca quando o ouvi dizer aquilo. —Fiquei sabendo da confusão que você se meteu e que acabou te arrastando pro meio dessa guerra. Foi muito corajosa em se passar pela princesa para protegê-la.
—É o que qualquer súdito fiel faria, não é? —Soltei, mesmo que eu soubesse que não pensava mais assim. Eu jamais faria as mesmas escolhas de antes de novo, se tivesse a mínima chance.
—Nem todos, eu imagino. —Varek batucou os dedos na mesa, antes de olhar por cima do ombro quando alguém bateu. Ele gesticulou, e eu me encolhi quando duas mulheres entraram, arrumando a mesa para nós dois e nós servindo, antes de serem dispensadas por Varek, desaparecendo com a mesma velocidade que haviam surgido. —Bem, mas você está aqui agora e é isso que importa. Espero que não se importe de eu lhe fazer algumas perguntas. Você é a única que esteve dentro daquele clã por tanto tempo e saiu viva.
Peguei a faca e cortei um pedaço da carne no meu prato, percebendo o que ele queria comigo. Já tinha imaginado isso antes, mas estava na esperança de que estivesse enganada. Pensei em todas as mentiras que deixei de contar durante toda minha vida, porque iria usar todas elas naquele jantar. Não daria nada a Varek.
—O que você gostaria de saber? —Indaguei, feliz por ele estar ocupado com a comida para me responder, porque aquilo me dava tempo para pensar. —Não quero decepciona-lo, mas não sei muito. Fiquei presa em uma das alas do castelo. Não podia ir muito além e também não recebia qualquer informação.
—Você teve contato com muitos vampiros? —Questionou, e eu enfiei um pedaço grande de carne na boca, que me forneceria tempo pra pensar em uma boa mentira. Varek aguardou pacientemente, como um bom anfitrião tentando arrancar qualquer coisa do seu convidado.
—Apenas com um, senhor. O mesmo vampiro que esteve no reino para falar com o rei e que pensou que eu era a princesa. —Afirmei, engolindo em seco e deixando minha voz soar um tanto trêmula, como se odiasse falar do assunto. —Foi ele quem me levou do reino também. Mas não sei o nome dele e nem quem ele é.
—Provavelmente é o Kaden. Ele tem a mania irritante de perambular por aí e enfiar os dentes afiados no que não é da conta dele. —Varek sibilou, com um tom de desdém rude na voz. Apertei com força os talheres nas minhas mãos, segurando o sentimento desagradável que atravessou meu corpo quando o encarei, me esforçando a demonstrar cautela. —Ele e seus irmãos são uma doença nessas terras. Não sei como você saiu viva, Avery. Alguns clãs daqui já dispensaram o sangue humano, mas o Clã Velmont não.
—O que? —Soltei, deixando a faca escorregar da minha mão e bater contra o prato com um som esquisito. Varek me olhou com pesar, enquanto o ar ficava preso na minha garganta. —Eles caçam humanos?
—É uma prática cruel, eu sei. E é horrível pensar em todos que já sofreram nas mãos deles. —Varek suspirou, erguendo s mão e passando pelos cabelos, enquanto eu soltava o garfo e dispensava a comida, porque meu estômago estava embrulhado. Minha mente tentando conter a catástrofe que acontecia com meus sentimentos naquele momento, porque aquilo tinha que ser mentira. —Desculpe, não queria deixá-la assustada. E muito menos acabar com o jantar que tínhamos acabado de começar.
—Tudo bem. —Minha voz oscilou, e eu quase não consegui respirar ao sentir o cheiro da comida, porque até aquilo tinha revirado meu estômago. —Se você permitir, gostaria de ir me deitar. Não estou me sentindo muito bem.
—Fique a vontade, Avery. Peço desculpas mais uma vez. —Varek falou, o tom de voz gentil me deixou com raiva, porque parecia que ele estava fazendo de propósito. Fiquei de pé, murmurando um agradecimento pelo convite antes de caminhar até a porta e parar quando ele me chamou de novo. —Se lembrar de alguma coisa que gostaria de dividir comigo, ficarei agradecido. Qualquer informação é importante na guerra.
Continua...
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Acordo de Sangue Cruel
FantasiaO rei das terras congeladas de Ártemis ganhou a belíssima fama de caçador de vampiros, treinando seus homens para atravessar a grande muralha que separa o território humano das criaturas cruéis que se alimentam de sangue. Quanto mais cabeças de vamp...