Acordo de Sangue Cruel

Capítulo 19: Uma mentirosa tão bonita.

Xeretei pelo aposento todo, tentando descobrir o que havia por ali. Abri todas as portas, encontrando primeiro uma banheira enorme de pedra, feita no próprio chão do cômodo. Poderia facilmente caber 10 pessoas dentro dela. Na outra porta, encontrei o que deveria ser o closet. Mas estava completamente vazio, além de incrivelmente limpo. Nenhuma poeira em qualquer extremidade.

Depois voltei para perto da cama, tocando o dossel elegante com os dedos hesitantes. O tecido macio deslizou pela minha pele, antes de eu afastar a mão e a apertar contra o peito, usando a outra mão para esfregar meu braço para espantar a sensação estranha que eu sentia ali. Caminhei até as janelas enormes, abrindo as cortinas negras.

Meus olhos encararam a imensidão do mar, assim como do céu noturno. Abri um sorriso quando percebi a vista que aquele cômodo tinha, antes de correr para o que eu imaginava serem as portas de uma varanda. Afastei as cortinas, abrindo as duas portas de vidro e dando alguns passos para fora. O ar frio da noite balançou a saia do meu vestido para trás, assim como meus cabelos. Os pelos do meu braço ficaram arrepiados, enquanto eu abria um sorriso quando senti que ficaria sem fôlego.

A varanda era longa, pegando quase a parte da frente do quarto toda. A vista era o mar infinito, se encontrando com o céu no horizonte, fazendo a visão parecer uma pintura antiga e linda. Me escorrei no parapeito, vendo a água lá embaixo se chocar contra as pedras com força. Era um lugar lindo e perigoso ao mesmo tempo. Me fazia pensar nos vampiros, que eram exatamente assim também.

Voltei para dentro, fechando as portas de vidro para deixar o vento frio lá fora, mas deixando as cortinas abertas para poder observar a noite iluminada sempre que desejava. Preparei o banho pra mim, demorando mais do que o dobro por conta do tamanho da banheira e a quantidade de água necessária. Tomei um banho rápido também, aproveitando muito pouco do meu esforço, porque fiquei com medo de Oren voltar e me pegar ali. Ou pior, Kaden.

Mas quando sai do comido adjacente, encontrei um baú depositado na frente da cama, além de uma mesa organizada e repleta de comidas humanas. O cheiro fez minha barriga doer e minha boca salivar. Não estava esperando um banquete tão bonito. Não estava esperando nada daquilo, na verdade. Caminhei até o baú e o abri com dificuldade, porque a tampa era um tanto pesada pra mim.

Não fiquei surpresa quando o encontrei cheio de vestidos. Vestidos mais bonitos e elegantes do que eu estava acostumada a usar. E, principalmente, muito mais do que os que Selene costumava usar e depois dar a mim quando se cansava deles. Um suspiro escapou pelos meus lábios enquanto eu escolhia um deles, me perguntando o que de fato eu era naquele lugar. Uma convidada ou uma presa?

Depois de vestida, penteei meus cabelos e os deixei soltos. Me sentei naquela mesa e comi até ficar cheia e enjoada. Até não aguentar mais. Não estava acostumada a comer tão bem assim. Não comíamos a sobra da realeza no castelo, mas era bem perto disso. Comíamos coisas simples e sem gosto, usando aquilo que a maioria dos ricos chamam de comida de segunda mão.

Depois de deixar a mesa, tentei arrastar aquele baú até o closet, mas dei apenas dois puxões nele antes de desistir quando senti meus braços latejando pela força que usei. Então cai na cama, ignorando a sensação de que eu deveria ficar acordada e de alerta. Mas aquele banho e a comida tinham me deixado com sono, além do cansaço do caminho até aqui. Deixei a faca que Elowen me deu embaixo do travesseiro e dormi em poucos segundos.

Quando acordei com a luz do sol contra o meu rosto, o baú tinha desaparecido na manhã seguinte e os vestidos organizados dentro do closet. As comidas na mesa tinham sido substituídas por um café da manhã farto e delicioso. Nem precisava comer para saber. Não sabia quem estava cozinhando aquilo, mas estava de parabéns. O cheiro impregnado no quarto era o suficiente para me deixar com fome.

Oren não apareceu durante a manhã, assim como Kaden. Ninguém veio me ver. A mesa continuou intacta mesmo depois que as coisas sobre ela já estavam frias. Fiquei andando de um lado para o outro do quarto, me perguntando o que deveria fazer. Estava começando a ficar agoniada. Encarei a porta, mordendo um dos meus dedos enquanto tinha a péssima vontade de sair dali.

Soltei um som frustrado pela boca, tentando pensar direito. Levei um susto quando alguém bateu na porta, ficando de pé com um pulo desajeitado quando ela se abriu. Tentei ignorar a pontada de decepção quando percebi que era Oren. Quando ele me encarou com as sobrancelhas unidas como se pudesse ver o que eu estava prestes a fazer.

—Bom dia, Avery. —Ele abriu um sorriso pra mim. Fiquei sem fôlego por um momento, porque ele era ainda mais bonito durante o dia, assim como Kaden. Mas Oren exalava luz, como se o sol estivesse dentro dele, enquanto Kaden era quase a própria escuridão. —Preciso que venha comigo. Nossos líderes desejam vê-la.

—Eu estou indo pra minha audiência de morte? —Questionei, o seguindo para fora dos aposentos. Oren soltou uma risada, como se eu fosse muito engraçada, antes de negar com a cabeça.

—Tenho certeza que Kaden deixou claro pra você que não é uma prisioneira aqui, assim como deixou bem claro pra mim. —Oren caminhou por aqueles longos corredores, descendo lances de escadas e virando em outras direções. Tentei gravar tudo com a cabeça. Qualquer detalhe com o qual eu pudesse me guiar, mas era praticamente impossível. —Você é uma convidada. Será tratada como tal. Gostou da comida? E dos vestidos? Se algo estiver fora do tom, pode avisar que mandarei que troquem ou façam diferente.

—Estava tudo muito bom. Os vestidos são lindos. São só um pouco... —Olhei para o que eu usava, sentindo minha pele esquentar quando observei todas as partes de pele expostas do meu corpo. Dos ombros nus, até minhas costas. Além do decote que fez meus seios parecerem enormes, quando eles eram super pequenos. Não estava acostumada com aquilo. —É muito pouco tecido.

—E o seu tinha tecido demais. —Oren revirou os olhos, como se meu vestido tivesse o deixado ofendido. —Joguei no fogo, assim como aquela capa. Temos coisas muito melhores por aqui.

—Não sabia que vampiros gostavam de moda. —Falei, observando Oren me lançar um sorrisinho sarcástico, antes de apontar para si mesmo.

—Esse vampiro aqui gosta. —Afirmou, antes de empurrar uma porta que estava no nosso caminho e entrarmos no que parecia ser uma salão enorme. As pilastras que percorriam o entorno das paredes não me deixou ver quase nada, mas escutei as vozes que vinham de algum lugar dali.

—O que você pensou que estava fazendo? Achou que era uma boa ideia? —Uma voz feminina questionou, e eu fiquei rígida no lugar, porque me lembrava muito bem daquela voz.

—Já conversamos sobre isso, Morgana. —Kaden afirmou, com um tom cortante que deixava claro que queria por fim a discussão. —Ela quis vir. Ela pediu.

—E aí você resolveu dar ouvidos a ela? Você sequer sabe se ela é ou não a princesa! —Morgana fez questão de falar aquilo em um tom que era claramente uma alfinetada. Olhei para Oren envergonhada, me dando conta de que não tinha enganado apenas Kaden, mas todos eles.

—Que diferença faz o que ela é? —Kaden indagou, com um tom de voz que fez algo estremecer dentro de mim. —Não iria negar um pedido de uma mentirosa tão bonita, não é, Avery?

Apertei meus lábios com força, sentindo o constrangimento ameaçar me engolir, porque ele sempre sentia minha presença antes dos outros. Ele sempre sabia quando eu estava espionando, mesmo que Oren estivesse bem do meu lado, fazendo o mesmo. Dei alguns passos para frente, passando por uma das pilastras, até finalmente ver os três.

Continua...