Capítulo 9: Pare com isso!

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A escuridão nos corredores pareceu ondular enquanto eu passava. Minhas botas causando um eco, enquanto a saia do vestido se enrolava nas minhas pernas. Senti o calor desaparecendo do meu rosto quando senti a presença dele ao meu redor, mesmo que eu estivesse correndo. A risada dele ainda ecoando dentro da minha cabeça.

—Pare com isso! —Exclamei, virando em outro corredor, enquanto um arrepio atravessava meu sangue quando a mão dele deslizou pelos meus cabelos, antes de desaparecer. Tentei abrir as portas pelo corredor, mas a maioria estava trancada. —Pare de brincar comigo!

—Mas é tão divertido, princesa. —A voz dele era um sussurro no meio da escuridão, bem ao lado do meu ouvido. Me virei para ver onde ele estava, encontrando o corredor no mais absoluto silêncio. Voltei a correr, sabendo pra onde deveria ir, enquanto uma pontada de raiva crescia dentro de mim, não pelo vampiro, mas pelo rei. Por ele ter me colocado naquela posição.

—Pare de me seguir! —Gritei, esperando que os guardas ouvissem, mas a maioria deles deveria ter saído junto com o rei, para lhe proteger. Ninguém estaria preocupado com os criados no castelo. —Pare com isso!

O grito ficou preso na minha garganta quando entrei no quarto de Selene. A tranca já havia sido trocada depois da invasão dos vampiros, mas eu sabia que mesmo a usando, aquilo não o impediria de entrar ali se quisesse. Dei alguns passos para longe, tentando pensar no que fazer para me livrar dele. Lembrei dos túneis secretos, onde passava os esgotos. Onde talvez ele não me encontrasse.

Me virei para o interior do quarto, tropeçando para trás quando o encontrei bem ali, atrás de mim. Minhas costas bateram na porta, enquanto eu encarava aqueles olhos manchados de vermelhos, como se eles pudessem ver minha alma. O queixo dele estava erguido, com um sorriso sutil, como se ele tivesse conseguido pegar sua presa.

Ele estava todo de preto, como os lordes que costumavam visitar o rei. Mas havia algo de mais elegante nele. O tecido mais sofisticado. A camisa preta tinha detalhes bordados em vermelho, enquanto o casaco preto parecia uma capa feita da escuridão. Mas o que mais me chamou atenção foi o rosto, parecendo ter sido esculpido em mármore, com as bochechas finas e os lábios suaves. Os cabelos também pareciam fazer parte da escuridão, como se de alguma forma ele fizesse parte dela.

Minha garganta ficou seca quando eu vi que ele ainda estava com aquela faca cravada no peito, um pouco ao lado de onde deveria ficar o coração. Se é que ele tinha algum coração. Ergui o queixo, ciente demais do quão próximo ele estava quando ele se inclinou para perto de mim. Uma das mãos se erguendo e se escorando na porta ao redor da minha garganta. Agora que eu tinha o visto, não conseguia mais fechar os olhos para evita-lo.

—É bom ver que você não puxou a covardia do seu pai. —Sibilou, me fazendo engolir em seco quando agarrou o cabo da faca com a mão livre e a puxou. Estava suja de sangue. Sangue tão vermelho quanto o meu. —É melhor ficar com isso, vossa alteza. Tenho a sensação de que vai precisar dela no futuro.

Algo queimou no meu peito quando ele segurou minha mão, depositando aquela faca ali. Os dedos macios e firmes, deixando um rastro de calor pela minha pele, que aqueceu minhas bochechas. Mas as mãos dele desapareceram rápido demais, assim como sua presença no quarto, quando fiquei sozinha em um piscar de olhos, encarando as portas abertas da varanda, por onde o vento frio balançava as cortinas.

Consegui deixar os aposentos da princesa e seguir até o meu quarto, onde era meu lugar, me escondendo embaixo das cobertas quando senti que estava sozinha naquele momento. Não podia contar a Elowen e Lucian o que tinha acontecido, porque corria o risco de envolve-los nisso. E não podia contar com o rei, porque ele estava preocupado apenas com a segurança da filha.

Sem que eu percebesse, algumas lágrimas tinham escorrido pela minha bochecha, enquanto meus olhos se fechavam com força, quando tentei controlar tudo que estava sentindo. Aquela faca estava contra o meu peito, onde eu a apertava com força, como se estivesse com medo de alguém toma-la de mim. Tinha limpado o sangue do vampiro, mas ainda conseguia sentir a sensação dos dedos dele ao redor do meu pulso. Contra os meus dedos.

Acordei na manhã seguinte com Elowen em cima de mim, me abraçando tão apertado que quase fiquei sem folego. Sabia que ela estava feliz em me ver, porque tínhamos conseguido voltar em segurança. Mas quando ela me encheu de perguntas sobre o rei e sobre o que estava acontecendo, não tive outra alternativa a não ser mentir. Estava começando a me tornar boa em mentiras e farsas, mesmo que as odiasse.

—O rei deseja vê-la. —Um guarda parou atrás de mim no corredor, enquanto eu e Elowen estávamos indo na direção dos jardins. Fiquei tensa, porque tinha ouvido quando o rei retornou ao amanhecer. Não tinha corrido até os aposentos dele para lhe dar o recado que Varek tinha me passado, porque não queria vê-lo tão cedo. Mas é óbvio que ele me encontraria, mais cedo ou tarde.

—E você insiste em dizer que está tudo bem. —Elowen sussurrou, em um tom de voz afiado, antes de seguir em frente sem mim.

Soltei uma respiração pesada e me virei para o guarda, deixando que ele me levasse até onde o rei estava. Passei toda a noite anterior na minha cabeça, sabendo que precisaria fazer algo sobre isso eu mesma, já que não podia contar com a ajuda de ninguém. O rei estava me pedindo tanto, sem me dar nada em troca. Talvez fosse ariscado pedir a ele alguma coisa. Mas eu já estava com uma corda no pescoço.

Depois de percorrer os corredores até o salão principal, onde o rei estava sentado sozinho tomando um café da manhã esplêndido, já que a mesa estava cheia das melhores comidas preparadas na cozinha. A expressão era tranquila, como se tudo estivesse na mais perfeita paz. Aquilo me irritou ainda mais do que a noite anterior, porque ele parecia não se importar. Não parecia o rei que caiu de joelhos e implorou.

—Srta. Alwyn. —O rei abriu um sorriso quando fiz uma reverência, antes de gesticular para que os guardas saíssem. —Que bom ver que a senhorita está de volta. Meus guardas me informaram sobre sua partida ontem.

—Eles estiveram aqui na última noite, vossa majestade. E na noite anterior, quando eu estava fora do castelo. —Afirmei, vendo o susto que minhas palavras causaram nele, antes do rei ficar sério e tenso. —E o senhor Varek deixou claro que seu acordo com ele continua o mesmo e exigiu sua presença no próximo encontro.

—Bem, parece que a maré não está ao meu favor então. —Soltou, enquanto a expressão era tomada por resignação. —O vampiro disse algo a você ontem?

—Não, vossa majestade. —Falei, sentindo falta daquela faca, com a sensação de que deveria ficar com ela sempre em mãos, como Elowen tinha dito. —Eu desejo fazer um pedido ao senhor.



Continua...

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