Capítulo 10: Lendas antigas.

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O rei pareceu surpreso em um primeiro momento, como se não esperasse que eu pedisse qualquer coisa a ele. A verdade é que eu não tinha muita coisa para me importar de fato. Nada de material para me apegar. Mas eu tinha sido criada em um lugar em que tudo era sobre poder e tinha aprendido a valorizar o que realmente importava.

—O que deseja pedir? —Questionou, erguendo uma das sobrancelhas, em um claro sinal de alerta.

—O senhor disse que eu seria muito bem recompensada quando tudo isso acabasse. Mas não tenho certeza de que as coisas vão acabar bem pra mim. —Afirmei, tentando controlar o tremor na minha voz enquanto o encarava, porque eu precisava que ele soubesse que eu estava falando sério. —Se alguma coisa acontecer comigo, quero que minha recompensa seja dada a Elowen. Quero que de a ela moedas o suficiente para que ela possa se casar e deixar esse lugar. Para que possa comprar um pedaço de terra e construir uma vida longe de tudo isso, com segurança.

—É um pedido e tanto, srta. Alwyn. —O rei pareceu analisar o que eu tinha dito, batucando os dedos no braço do trono. —Mas eu acho justo. Se é o que deseja, será feito, caso algo aconteça com a senhorita.

Assenti, um agradecimento silencioso passando pelos meus lábios, antes de eu me retirar da sala do trono quando ele me dispensou com uma aceno de mão. Voltei aos meus afazeres, tentando evitar Elowen, para que ela não visse o que estava exposto no meu rosto. O medo de que alguma coisa acontecesse comigo, porque eu sabia que o rei não faria nada para impedir.

Passei o dia todo pensando naquele pedido, além das palavras que o vampiro havia dito pra mim. Quando fiquei livre, me entoquei no meu quarto e mexi em todos aqueles vestidos que Selene havia me dado, costurando e cortando. Fazendo mudanças que eu achava que me agradavam o suficiente. A noite foi caindo lentamente do lado de fora, enquanto a neve vinha junto. Uma tempestade violenta, que parecia antecipar alguma coisa.

—O que você está fazendo? —Elowen questionou, se sentando ao meu lado na cama quando apareceu no quarto em q ia dividíamos.

—Só fazendo algumas mudanças. Alguns desses vestidos tem coisas que não me agradam. Combinam com a princesa, não comigo. —Falei, abrindo um sorriso para Elowen, porque aquilo também era mentira. Poucas daquelas mudanças combinavam comigo.

—Você me evitou o dia todo, Avery. Pode dizer que não, mas eu sei que sim. —Afirmou, me fazendo engolir me seco lentamente, deslizando a agulha pelo tecido até furar a ponta do dedo sem querer.

—Merda! —Soltei, fazendo uma careta, antes de levar o dedo até a boca. Olhei para a janela quando elas bateram com força, por conta do vento forte que assobiava lá fora. —Não sei o que te dizer, Elowen. É como as histórias de dormir que sua mãe contava a nós duas. De alguma forma, cai dentro dessas história e não consigo sair. E mesmo que eu tente, tudo que acontece só me puxa ainda mais para dentro.

—Por isso a princesa foi mandada embora? —Elowen se inclinou para perto de mim, a voz ficando mais baixa. —Tem a ver com os vampiros, não é? Aquela noite você os viu. Você ajudou a princesa e ficou para trás. Avery, o que está acontecendo? Por favor, me conte. Não me deixe no escuro.

—Ele acha que eu sou a princesa. —Sussurrei, sentindo um arrepio atravessar meu corpo quando a janela bateu de novo, enquanto a tempestade ficava mais forte lá fora. —Por sangue derramado, sangue será tomado.

O rosto de Elowen foi tomado por algo que parecia horror quando repeti as palavras dele, como se ela esperasse qualquer coisa menos aquilo. Me inclinei para perto dela e encostei nossas testas, antes de segurar sua mão com força, tentando buscar algum tipo de conforto para nós duas.

[...]

O quarto de Selene estava completamente silencioso. Algumas poucas velas estavam acesas pelo cômodo. Uma delas estava ao meu lado no chão, onde eu estava sentada com um livro aberto no colo, mesmo que não conseguisse me concentrar na leitura. Estava usando um dos belos vestidos de Selene. Um dos poucos que parecia ter feito especialmente pra mim. Elowen tinha trançado meus cabelos, até que eles parecessem uma coroa sobre minha cabeça.

Fechei meus olhos quando a chama das velas ondulou, assim como as cortinas da varanda balançaram quando a porta foi aberta e logo depois fechada. Senti o ar gélido que vinha lá de fora arrepiar minha pele, enquanto erguia a cabeça. A faca estava escondida na saia do vestido, mesmo que eu não tivesse a intenção de usá-la de novo.

—O que você está lendo? —Questionou, usando um tom de voz suave, como se aquela conversa fosse casual e não o bater dos sinos anunciando o início da minha maldição.

—Um livro de lendas antigas, que contavam a mim quando eu era criança. —Falei, engolindo em seco antes de abrir os olhos e encarar as páginas, sem saber ao certo aonde ele estava, porque ainda não tinha surgido na minha frente.

—Sua mãe? —Questionou, e eu engoli a pontada de dor, antes de balançar a cabeça negativamente. A mãe de Elowen poderia ser considerada uma mãe pra mim, por tudo que fez por mim, mas ela sempre deixou claro que eu não podia esquecer de onde eu tinha vindo, porque minha mãe tinha me amado acima de tudo. —Me conte uma então.

Passei algumas páginas, com meus dedos tremendo um pouco quando finalmente senti a presença dele ao meu lado, apesar de me recusar a olhar pra ele. Parei em uma das lendas que eu costumava gostar muito, antes de crescer o suficiente e ver que as histórias eram muito mais bonitas que o nosso mundo.

—É uma história sobre um humano, com sangue ligado aos vampiros, que se tornou um rei e um assassino.

—E quem ele assassinou, princesa? —Questionou, se abaixando ao meu lado, enquanto o rosto se aproximava do meu. Fechei meus olhos quando a respiração dele deslizou pela minha bochecha.

—Sua espécie. —Falei, girando o rosto para encarar aqueles olhos vermelhos que pareciam brilhar no meio da escuridão, como sangue. —Mas diferente do que acontece aqui, ele os matava com as próprias mãos. Não precisava de cavaleiros para fazer isso por ele.

—E o que acontece com ele no final? —Indagou, um sorriso dançando nos lábios quando eu engoli em seco ao sentir os dedos dele deslizando pelo meu braço.

—Ele se apaixonou por uma vampira e suas almas se ligaram pela eternidade, quando o amor dela era tão intenso quanto o dele. —Sussurrei, pensando no quanto eu gostava daquela história, porque acreditava que o amor entre um humano e um vampiro era possível, até me dar conta de que nossas espécies estavam juntas apenas pelo sangue e pela morte.

—Uma pena, para o seu pai, que a história dele não vai ter um final feliz.


Continua...

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