Capítulo 42: Você cheira a eles.

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Elowen estava segurando minha mão enquanto seguíamos pela floresta em direção a casa da bruxa. Lucian tinha perguntado a um dos amigos que havia feito como encontrá-la e ele explicou o caminho, murmurando algo sobre Varek talvez não gostar que fôssemos visitá-la. Não nos preocupamos com isso quando saímos assim que amanheceu, quando a maioria ainda estava dormindo.

—E se ela não tiver as respostas que procuramos? —Elowen questionou, quando começamos a nos aproximar da casa da bruxa, podendo ver as chamas da lareira da casa dela.

—Então vamos procurar outra pessoa que tenha as informações que precisamos. —Afirmei, vendo-a comprimir os lábios como se estivesse um pouco incomodada com o rumo das coisas. —Você está com medo do que ela pode nos dizer, não está?

—Tenho uma imagem muito boa da minha mãe na minha cabeça, Avery. Só não quero destruir isso. —Ela abaixou os olhos, e eu procurei por Lucian, vendo a preocupação no rosto dele quando entrelaçou os dedos com os dela.

—Eu também tenho uma imagem muito boa da sua mãe. Ela era um anjo. Não acho que nada pode mudar isso. —Sussurrei, sentindo que precisava passar certa segurança a Elowen. Ela sorriu pra mim, parecendo grata, antes de pararmos de andar quando demos de cara com a casa da bruxa, no meio daquela floresta densa.

A casa parecia ser feita de cascas de pinheiro, enquanto gramas e flores cresciam por todo telhado. A fumaça na lareira deixava claro que ela estava ali, além da sombra que passava pela janela quando a bruxa passou lá dentro de um lado para o outro. Troquei um olhar demorado com eles, antes de seguir em direção as pedras que formavam as escadas e bater na porta.

—Lirien? —Chamei pelo nome dela, levando um susto quando a porta se abriu sozinha, trazendo um cheiro de ervas tão forte que quase fiquei tonta, vendo a fumaça que tomava conta da sala, vinda de algumas velas e outras coisas espalhadas por ali.

Entrei na casa, vendo que o lugar era um único cômodo, com uma mesa redonda no centro, entupida de ervas, vidros e livros. A bruxa estava parada em frente a lareira, mexendo em um caldeirão borbulhante sobre as chamas. Ela não se virou quando o chão rangeu sobre meu peso.

—Lirien? —Indaguei, tentando ter certeza de que estava olhando para a pessoa certa. Ela inclinou a cabeça pra cima. Os cabelos negros presos em uma trança que formava um círculo na sua cabeça, enquanto seu rosto era de um tom marrom claro.

—Você pode entrar, mas ela deve ficar lá fora. —A bruxa estalou os dedos, claramente se referindo a Elowen que tinha acabado de entrar atrás de mim. —Não a quero aqui.

—Perdão? —Elowen soltou, parecendo quase ofendida, mesmo que estivesse confusa como eu. —Eu sou...

—Eu sei quem você é. —Ela se virou. Os olhos claros faiscando na direção de Elowen quem ela disse uma ameaça. Lucian se colocou praticamente na frente dela, o que fez a bruxa abrir um sorriso cheio de desdém. —E coisas como você não são bem-vindas na minha casa.

—Não fale assim com ela! —Lucian sibilou, mas a bruxa gesticulou com a mão para que saíssem. Elowen parecia congelada, confusa e assustada demais para expressar qualquer reação. —Ela não é uma coisa, é a minha mulher e não vai falar assim com ela.

—Então reze para que sua vida seja longa ao lado dela, guarda. —Lirien gesticulou mais uma vez para que saíssem. Lucian a olhou de uma forma resignada, antes de segurar a mão de Elowen e a tirar dali. A porta bateu atrás deles, me deixando sozinha com aquela mulher. —Diga o que procura e vá embora. Não quero ela aqui por tempo demais.

—Qual o problema com ela? —Questionei, mas a bruxa não fez questão de me responder, ignorando minha pergunta quando foi até a mesa e começou a cortar algumas cascas de árvores, jogando sobre uma panela que fumegou quando elas mergulharam na água quente. —Tem alguma coisa estranha acontecendo com nós duas. Estamos tendo lembranças muito estranhas da nossa infância, como sonhos quando dormimos. Nós duas, ao mesmo tempo, e a mesma coisa.

Ela continuou me ignorando, o que me fez apertar os lábios e me aproximar da mesa, torcendo para que pelo menos ela estivesse me ouvindo. Mas era incômodo ela não olhar pra mim, principalmente depois da forma que falou com Elowen.

—Nos duas temos um livro que conta algumas coisas sobre esse mundo. Lendas antigas. —Falei, e dessa vez a mão dela parou de se mover e ela ergueu os olhos para me encarar. —Quando eu estava com os vampiros, eles me disseram que aquilo não eram lendas e sim acontecimentos reais.

—Não me surpreende que vocês duas estejam sonhando uma com a outra, se o livro pertence a vocês ou está com vocês a muito tempo. —Afirmou, e meu peito pesou quando percebi que ela sabia o que o livro era, pela forma que me encarava. —O chamamos de livro do destino. Cada mundo possui o seu.

—E o que ele é? —Questionei, vendo-a ponderar sobre a melhor forma de responder minha pergunta.

—Existe quatro grandes deuses dos mundos. Morte, vida, destino e magia. O poder deles molda tudo que acontece em todas as dimensões, guiando caminhos e ditando as regras. Mas esse poder que eles carregam é poderoso demais, e algumas vezes ele vasa para a realidade, se concentrando em alguma coisa. —A bruxa começou a explicar, e eu segui os passos dela para perto da lareira, onde ela se inclinou para por mais lenha. —Com o destino, ele se concentra em livros, já que são eles que carregam as histórias. E nesses livros, a magia escreve as linhas que o destino não conseguiu controlar.

—Achei que ele não existia. —Sussurrei, porque sempre pensei que o Destino era só uma invenção. Lirien olhou pra mim, negando com a cabeça com os lábios comprimidos. —Então as histórias contadas lá, são mesmo reais? Elas já aconteceram?

—Ou vão acontecer. —Retrucou com cautela, e eu engoli em seco, pensando nas palavras contidas naquelas páginas. —Normalmente esses livros são destruídos, porque podem afetar demais quem os carrega. Vocês duas estão sonhando uma com a outra, porque a magia do livro está ao redor de vocês há tempo demais.

—É por isso que você não queria Elowen aqui? Essa magia está fazendo algo com ela? —Questionei, segurando o braço de Lirien quando ela tentou se afastar de mim e fugir da conversar. A bruxa me queimou com os olhos, puxando o braço para longe das minhas mãos.

—Ela é o que é, sem qualquer influência de magia. —Afirmou, se afastando de mim para o outro lado da cabana, onde encarou a janela, provavelmente vendo Elowen lá fora. —Vejo através de você, Avery Alwyn. Você cheira a eles.

—A eles? —Repeti, com um arrepio atravessando meu corpo quando ela me lançou um olhar atravessado, me fazendo perceber de quem ela estava falando.

—Eles podem não sentir, mas eu sim. Me pergunto quanto tempo vai demorar para Varek perceber que trouxe um inimigo para o coração da sua alcateia.


Continua...

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