Capítulo 58

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André

Fazia uma semana que Aninha não dormia na própria cama e aquele ambiente familiar parecia diferente. Uma semana desde que ela olhou para mim com os olhos cheios de seriedade e disse que não conseguia respirar direito. Não precisei de mais nada para levá-la ao hospital e o que se seguiu foi uma batalha contra a pneumonia que parecia interminável. Agora finalmente em casa o alívio era grande mas o peso nos meus ombros ainda estava lá.

Ela estava dormindo em seu quarto depois de um longo dia. Os médicos disseram que ela estava fora de perigo mas a imagem dela frágil conectada aos aparelhos no hospital ainda assombrava minha mente. Mesmo agora deitada em sua própria cama o som da respiração dela me mantinha em alerta como se qualquer alteração pudesse me levar de volta àquele pesadelo.

Eu estava há dias sem pensar no trabalho. Minha construtora as obras em andamento os clientes... tudo ficou em segundo plano desde que levei Aninha ao hospital. Durante essa semana o mundo lá fora continuou girando mas para mim ele parou. Agora enquanto ela dormia o silêncio da casa me lembrava que em algum momento eu teria que voltar a lidar com tudo. Mas não agora.

Minha mãe estava na cozinha provavelmente preparando algo para quando Aninha acordasse. Ela tinha sido um pilar durante essa semana cuidando de tudo enquanto eu ficava no hospital. Sem ela eu teria desmoronado. Sempre soube que ela e Aninha tinham uma conexão especial e ver como minha filha a procurava para se sentir segura me trazia uma paz que eu não sabia que precisava.

Levantei do sofá e fui até o quarto de Aninha. Ela estava lá, os cabelos loiros espalhados pelo travesseiro as mãozinhas apertando seu bichinho de pelúcia favorito. Fiquei na porta por um momento apenas observando. O quarto estava do jeito que havíamos deixado antes da internação os brinquedos espalhados e os livrinhos empilhados na prateleira. Tudo parecia tão normal mas nada na última semana havia sido normal.

Ela se mexeu um pouco na cama murmurando algo que eu não consegui entender e eu me aproximei. Sentei ao lado dela e automaticamente peguei um dos livrinhos infantis que estavam na mesa de cabeceira. Ler para ela sempre foi uma rotina antes de dormir e hoje não seria diferente mesmo que ela estivesse adormecida. Era como se o simples ato de segurar o livro me conectasse a ela de uma forma que eu não conseguia explicar.

-Papai está aqui pequena.
Murmurei enquanto passava a mão pelos cabelos dela.

Ela abriu os olhos por um breve momento ainda sonolenta e me olhou com um sorriso cansado.

-Lê pra mim papai?
Perguntou apontando o livro na prateleira sem precisar dizer nada. Sempre o mesmo. A Princesa e o Dragão o livro que Bella havia dado para ela quando Aninha ainda era um bebê. Na época eu não imaginava que aquilo se tornaria a história favorita dela uma que eu leria inúmeras vezes noite após noite.

Eu sabia que ela estava exausta mas se isso a fazia se sentir melhor eu faria o que ela pedisse.

Peguei o livro sentindo o peso das lembranças. Sentei ao lado dela e abri na primeira página. As ilustrações coloridas estavam já gastas de tanto manuseio mas Aninha não se importava. Era sempre a mesma animação nos olhos dela como se fosse a primeira vez que estivesse ouvindo a história.

-Era uma vez uma princesa que vivia num castelo muito grande.
Comecei a voz baixa e tranquila tentando manter o ritmo lento para ajudá-la a dormir de novo.
Enquanto eu lia Aninha me observava com aqueles olhos brilhantes já conhecendo cada parte da história mas ainda assim fascinada.

Era impossível não lembrar de Bella. Ela sabia como escolher presentes sabia o que encantaria Aninha. O livro foi uma dessas escolhas certeiras. Não mencionávamos Bella nem eu nem Aninha mas a presença dela pairava toda vez que eu abria esse livro. Eu sabia que minha filha não a mencionava e isso já não me surpreendia.

Olhei para Aninha que agora estava com os olhinhos fechados a respiração suave e regular. Continuei lendo mesmo sabendo que ela já estava dormindo. Eu precisava terminar a história como se aquilo me desse uma sensação de normalidade.

Fechei o livro passei a mão pelo cabelo dela e me levantei tentando não fazer barulho. Deixei o livro ao lado da cama no mesmo lugar de sempre e saí do quarto em silêncio. Lá fora minha mãe ainda estava na cozinha o som dos pratos e panelas preenchendo o ar com um ruído familiar quase reconfortante.

Levantei devagar e saí do quarto fechando a porta atrás de mim com cuidado. Minha mãe estava na cozinha mexendo nas panelas, e o cheiro de sopa se espalhava pela casa. O barulho do fogão o som baixo da televisão ligada no outro cômodo tudo isso criava uma sensação de normalidade que eu quase não lembrava como era.

-Ela está dormindo?
Minha mãe perguntou sem me olhar concentrada no jantar.

-Está finalmente.
Respondi passando a mão pelo rosto. O cansaço ainda estava ali mesmo com Aninha em casa.

Minha mãe assentiu como sempre sem dizer muito. Ela sabia o que eu estava sentindo. Depois de todos esses dia a necessidade de voltar à rotina era real mas a preocupação com Aninha continuava me consumindo.

-Você precisa descansar também André.
Disse ela desligando o fogão.
-Agora que ela está melhor precisa começar a pensar em você e no trabalho.
Falou e eu suspirei.

Ela estava certa claro. A construtora estava funcionando sem mim mas por quanto tempo? As mensagens e ligações acumuladas no meu celular já eram um sinal claro de que precisavam de mim. Mas o pensamento de sair de casa de deixar Aninha ainda parecia impossível.

-Vou voltar em breve.
Disse mais para mim do que para minha mãe.
-Só preciso garantir que ela está bem.
Falei quero ficar mais uns dois três dias com a Aninha.

-Ela está bem.
Minha mãe insistiu.
-E eu estou aqui. Você sabe que pode contar comigo.
Falou e eu assenti assenti sabendo que ela tinha razão.

Mesmo assim, o aperto no peito não me deixava relaxar. Fui até o meu escritório sentando em frente ao computador. As notificações no meu celular continuavam aparecendo os e-mails se acumulando. Era difícil focar em contratos e projetos quando a poucos metros de mim estava tudo o que realmente importava.

Depois de um tempo desliguei o computador e voltei para a sala. Minha mãe estava colocando a mesa e o cheiro da sopa agora era forte reconfortante. Sentei-me à mesa e ela me serviu um prato mas eu não estava com muita fome.

Depois de terminar a sopa fiquei sentado ali olhando para a TV sem prestar atenção. Minha mente voo na Bella. Não é fácil esquecer. Ela era parte da minha história mais agora está tão distante. Ela está criando uma barreira onde até nossa amizade está cada vez mais distante. Mas os vestígios do que vivemos estavam ali nos detalhes pequenos como o livro que lia todas as noites.

Mais tarde ouvi passos leves atrás de mim. Era Aninha esfregando os olhos ainda meio sonolenta. Ela caminhou até mim trazendo consigo o bichinho de pelúcia que sempre carregava.

-Papai deita comigo?
Ela pediu com a voz suave.

-Claro meu amor.
Respondi levantando e a pegando no colo. Ela era leve e senti o calor do seu corpo contra o meu um lembrete de que estava ali comigo e fora de perigo.

Deitei-me ao lado dela na cama e ela segurou minha mão. Em poucos minutos já estava respirando profundamente de novo o sono tranquilo. Olhei para o teto pensando em tudo o que precisaria enfrentar nos próximos dias. O trabalho as responsabilidades o medo de algo acontecer de novo. Mas por enquanto eu estava ali. Com ela. E isso era o que importava.

Você Não Ama Ninguém - Volume IIIOnde histórias criam vida. Descubra agora