Capítulo 12: Lembranças que Queimam

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Naquela noite, o silêncio do quarto de Isabela era profundo, quebrado apenas pelo som suave das ondas ao longe. A conferência continuava, mas, ao contrário dos outros dias, Isabela se sentia exausta, não pela carga de trabalho, mas pelas emoções que pareciam pesar em seu corpo como uma âncora. Ela tentava ler os relatórios para a reunião do dia seguinte, mas as palavras não faziam sentido. Sua mente estava presa em outro lugar.

Em Rafael.

Desde a conversa no terraço, mais cedo, o que ele dissera ecoava em seus pensamentos. "Eu sinto que há mais." As palavras dele haviam se infiltrado em suas defesas cuidadosamente construídas, e, por mais que ela tentasse afastá-las, algo profundo dentro dela sabia que ele estava certo. O que quer que houvesse entre eles, não era algo que pudesse ser simplesmente ignorado ou relegado a um erro passageiro.

Mas, por mais que seus sentimentos por Rafael fossem intensos, eles traziam consigo uma série de lembranças. Lembranças que queimavam, que faziam seu coração doer em um misto de medo e desejo.

Sentada à beira da cama, Isabela apoiou a cabeça nas mãos, os pensamentos correndo de volta a momentos que ela tentava manter enterrados. A primeira vez que sentira algo tão forte por alguém havia sido há muitos anos, antes de sua carreira, antes de ela se tornar a mulher controlada e independente que era hoje. Na época, ela também havia se permitido sentir. E, por isso, se machucou.

Lucas. O nome dele ainda provocava uma leve dor em seu peito. Ele havia sido o primeiro homem que ela amou, quando ainda era jovem e acreditava que o amor podia superar qualquer obstáculo. Eles tinham sonhado juntos, planejado um futuro, mas, no fim, os sonhos se tornaram ilusões. A traição dele – com outra mulher, com quem se casou apenas alguns meses depois do rompimento – deixara cicatrizes profundas que moldaram a mulher que Isabela havia se tornado.

Ela se lembrou de como Lucas parecia perfeito. Carismático, ambicioso, alguém que, como ela, queria conquistar o mundo. Mas havia uma diferença fundamental: ele estava disposto a sacrificar qualquer coisa por seus próprios desejos, inclusive ela. Isabela prometera a si mesma, depois daquela experiência, que jamais colocaria seu coração à frente de sua carreira novamente. E por muitos anos, ela mantivera essa promessa.

Então, Rafael surgiu.

Ele a desafiava de maneiras que Lucas nunca fez. Rafael não era apenas um homem atraente e bem-sucedido. Ele a entendia, via suas ambições e as respeitava. Ele a via como uma igual, algo que Lucas jamais fizera. Mas, mesmo assim, o medo de se machucar novamente permanecia. O medo de que, no final, ela estivesse apenas repetindo o mesmo erro.

Isabela se levantou da cama, sentindo a necessidade de se mover, de não se perder nas próprias memórias. Caminhou até a janela e abriu as cortinas, deixando que a luz suave da lua inundasse o quarto. O oceano estava calmo, como um reflexo sereno do que ela desejava sentir por dentro.

No entanto, o fogo das lembranças continuava a arder.

Ela pensou na intensidade dos momentos com Rafael – o primeiro toque, o beijo, a noite que passaram juntos. A conexão entre eles era inegável, como se algo mais forte que o desejo os atraísse um ao outro. Mas junto com essa intensidade vinham as dúvidas. E se, no final, ele também a decepcionasse? E se, no fim, o passado se repetisse?

Com as mãos apoiadas no peitoril da janela, Isabela respirou fundo, tentando encontrar clareza no caos de seus pensamentos. Mas a única coisa que parecia clara naquele momento era o quanto ela estava dividida entre o medo e o desejo. Ela queria confiar em Rafael, queria acreditar que ele era diferente, mas confiar em alguém novamente, depois de tudo que passara, era algo que ela não sabia se estava pronta para fazer.

O celular de Isabela vibrou sobre a mesa de cabeceira, tirando-a de seus pensamentos. Quando ela pegou o aparelho, viu uma nova mensagem de Rafael: "Estou pensando em você. Precisamos conversar de novo. Eu também tenho minhas lembranças."

A última frase fez o coração de Isabela bater mais rápido. Rafael, sempre tão confiante, também carregava suas próprias cicatrizes, seus próprios medos? Ela sabia, por tudo que ele havia contado sobre seu pai e o passado sombrio que o assombrava, que Rafael não era imune à dor. Ele também estava tentando encontrar seu caminho em meio às sombras do que havia vivido.

Ela ponderou por um momento, as lembranças de Lucas ainda pulsando em sua mente, mas algo dentro dela a impulsionou a responder. "Quando?"

A resposta veio quase imediata: "Agora. No terraço."

Isabela hesitou por um segundo antes de pegar um casaco leve e sair do quarto. O resort estava silencioso àquela hora, com apenas alguns poucos hóspedes circulando pelos corredores. Enquanto caminhava em direção ao terraço, ela sentia seu coração acelerando, uma mistura de nervosismo e antecipação.

Quando chegou ao terraço, Rafael já estava lá, de costas para ela, olhando para o mar. Ele parecia imerso em seus próprios pensamentos, e Isabela quase se sentiu culpada por interrompê-los. Mas quando ele ouviu seus passos, virou-se lentamente, um sorriso suave tocando seus lábios.

"Você veio," ele disse, como se estivesse aliviado pela presença dela.

Isabela deu alguns passos até ele, cruzando os braços para se proteger do vento frio da noite. "Você queria conversar," ela respondeu, mantendo o tom calmo, mas sentindo a tensão no ar.

Rafael olhou para ela por um longo momento antes de falar. "Eu também tenho lembranças que queimam, Isabela. E eu acho que parte do que está acontecendo entre nós vem disso. Do medo que temos de repetir os erros do passado."

Ela sentiu um aperto no peito ao ouvir aquelas palavras. "Você tem razão," ela admitiu, sua voz mais baixa. "Eu não sei se estou pronta para passar por isso de novo."

Rafael assentiu lentamente, como se esperasse aquela resposta. "Eu entendo. E também tenho meus medos. Mas a verdade é que, por mais que as lembranças nos machuquem, não podemos deixar que elas nos impeçam de seguir em frente."

Isabela ficou em silêncio, refletindo sobre o que ele dissera. Seguir em frente. Era isso que ela sempre tentava fazer, mas nunca conseguia completamente. Lucas ainda estava presente em sua mente, mesmo anos depois. E agora, com Rafael, ela sentia que tinha a chance de finalmente deixar esse passado para trás, mas não sabia como.

"Eu quero tentar," Rafael disse, sua voz baixa, mas firme. "Quero tentar entender o que está acontecendo entre nós, sem deixar que o passado nos prenda."

Isabela olhou nos olhos dele, sentindo a sinceridade de suas palavras. Havia algo em Rafael que a fazia querer confiar nele, mesmo com todos os seus medos. Mesmo com as cicatrizes que ainda ardiam dentro dela.

"Eu também quero tentar," ela finalmente disse, sua voz trêmula, mas decidida. "Mas não posso prometer que será fácil."

Rafael sorriu suavemente, seus olhos brilhando sob a luz da lua. "Eu não estou pedindo que seja fácil. Só que seja real."

Eles ficaram em silêncio por alguns momentos, olhando para o mar que brilhava à luz da lua. As lembranças ainda estavam lá, queimando em ambos, mas, de alguma forma, o futuro parecia menos assustador agora. Havia incertezas, havia riscos, mas também havia algo que os unia, algo mais forte do que o medo.

E, pela primeira vez em muito tempo, Isabela sentiu que talvez fosse possível deixar o passado para trás e seguir em frente – com Rafael ao seu lado.

Os Lençóis da TempestadeOnde histórias criam vida. Descubra agora