Eu entendia que uma casa como aquela rangia. Especialmente por ser antiga, com suas esquadrias em madeira, janelas tão velhas que eu juro que têm vida.
Sento-me na cama. Faz meia hora que pus as crianças para dormir. Meus pensamentos estão afundados na experiência do primeiro dia.
Isis é cheia de vida, energia e alegria. Ela fala mais que a boca. Tem muita confiança e, claramente, é o xodó do pai. Já Igor me preocupa. Ele é muito retraído, e eu sinto como se ele me pedisse algo, como se seu olhar me clamasse por alguma coisa que eu não sou capaz de alçar.
Um dia ... E eu já amava aquelas crianças ...
Meu apego talvez se explicasse pela certeza de que eu jamais teria meus próprios filhos. Nunca namorei, sempre trabalhando demais, sem tempo para nada, mesmo para flertar. Então eu meio que desviava todo meu instinto maternal aos filhos de outros ...
Meu pensamento volve a mãe das crianças. Eu vi um retrato dela na sala. Enorme, sobre a lareira. Eu quis perguntar se era mesmo ela, mas acabou que Ísis me contou antes de começarmos a brincar de roda. Assim, nem precisei inquirir. A mulher era a dona da casa, mesmo que não morasse mais aqui. O fato de conde manter seu retrato sobre a lareira, intocável, denotava seu amor.
Suspiro, minhas mãos sobre os joelhos.
Como ele é bonito ... E ele foi tão agradável. Nunca pensei que um patrão me convidasse para uma bebida. Pensei em insistir na recusa, mas percebi que o Sr. Otávio se sentia muito sozinho.
Então, por que não um único drink?Na hora, nem pensei que isso poderia ser um teste. De qualquer forma, ele não pareceu me julgar. E enquanto conversávamos, ele foi franco a respeito de tudo, me deixando saber mais ainda das crianças.
Aperto meus joelhos. Não foi tudo que ele me fez saber.Meu corpo ficou tão ciente dele, mesmo que eu recusasse ou tentasse afastar os pensamentos. O conde era um homem tão ...
Nego com a face. Eu não posso, não devo ...Mas, o cheiro dele é tão bom. É preciso muito controle para não abraçá-lo e afundar o rosto em seu peito, apenas para aspirar sua colônia.
Pego meu celular. Abro o aplicativo de mensagens e envio uma para Salete. Espero alguns segundos, mas ela não visualiza. Me jogo para trás na cama. Quero conversar com alguém sobre o que está acontecendo. Preciso saber se esse tipo de reação em meu corpo é normal ou estou ficando louca.
O celular vibra. Olho a tela e Salete me mandou um emoji sorrindo.
Eu ergo o celular para digitar sobre as sensações que ele me faz sentir, mas não consigo. Não consigo nem colocar minha cabeça em ordem para desabafar com a minha amiga.
"Desculpe a hora, só queria dizer que o primeiro dia foi tranquilo e acho que o trabalho será bom".
Não era verdade. Eu estava preocupada com as emoções que estavam brotando. Eu precisava ser profissional, mas estava me sentindo a beira de um precipício, a segundos de pular.
"Você vai arrasar!", ela respondeu, e depois mandou um coração.
Largo o celular de lado. A casa range de novo, o vento aqui nessa colina é forte e parece retorcer as portas e janelas. Está um pouco frio e a costumeira dor de cabeça que eu sinto a noite voltou. Me levanto, buscando a caixinha de chá de hortelã que tenho sempre comigo. Beber chá de hortelã é a única coisa que a alivia minha mente quando estou estressada.
Saio do quarto em direção à cozinha. Desço as escadas e deixo a sala de lado. O piso range conforme vou andando. A casa parece querer me assustar, mas não é dela que tenho medo. Tenho um sachê de chá nas mãos enquanto empurro a porta da cozinha.
A luz está acesa e Otávio está lá. Eu arregalo os olhos ao vê-lo.
- Chá de hortelã - ele me diz, enquanto ergue uma xícara. - Para minha enxaqueca.
Abro a boca, surpresa, enquanto ergo o sachê do mesmo chá. Ele me encara curioso, e então ri.
- Você também tem? - Às vezes, à noite.
- Tenho desde que Analy foi embora - ele admitiu e eu senti muita piedade no meu coração.
-Sinto muito, senhor ...Ele sorri. Seus dentes brancos surgem em seu rosto quadrado. Meu coração acelera porque é impossível conter essa sensação. Eu devia me afastar e sair agora, fugir do que ele provoca, mas quando Otávio se sentou à mesa, deixando a chaleira livre, eu fui preparar meu chá.
E, depois, sentei-me diante dele. Não era capaz de deixá-lo sozinho.
- Eu vi o retrato dela na sala. Era lindíssima.
Ele riu baixinho.
- Você é muito parecida com ela.
Arqueei as sobrancelhas. Era um elogio?
- Fisicamente? Acho que temos o mesmo cabelo ...
- Você também tem esse jeito ... sei lá ...
-Jeito?
- Quando você estava brincando com as crianças, mais cedo, e estava rindo alto ... Quando conheci Analy ela também era assim, cheia de vida, cheia de alegria ...Aparentemente, isso não durou muito.
- Desculpe estar desabafando com você - ele murmurou, e eu tomei a atitude mais impensada da minha vida.
Ergui minha mão e segurei a dele. Seus olhos encontraram os meus naquele instante, e eu senti fogos de artificio explodindo na minha mente.
O que está acontecendo comigo?
Afastei minha mão.- Bom, vou levar meu chá para meu quarto. Já está tarde, vou tentar dormir - digo, me levantando.
Ele sorriu para mim, de novo. Será que sabia o que despertava?- Boa noite, Maria Eduarda.
- Boa noite, senhor - respondi e me afastei.A casa rangia. Meu coração rangia.
Eu estava perdida.
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O filho que você não quis
RomanceUm filho com ela seria apenas um bastardo... Quando o conde Otávio Figueiredo se viu sozinho com duas crianças, não teve escolha a não ser encontrar uma babá que pudesse cuidar de seus filhos. Recém-divorciado e ainda apaixonado pela ex-mulher, ele...