Nas duas primeiras semanas eu entrei em uma rotina agradável com as crianças. Elas acordavam às sete, tomavam café da manhã, e então faziam exercícios educativos que eu aprendi quando auxiliei uma professora particular de uma criança que cuidei anos atrás.
Mesmo que eles ainda fossem pequenos e que não tivessem começado oficialmente na escola, era importante já terem uma ideia sobre as letras e a sonoridade delas. Nós montávamos palavras e a cada descoberta eu vivenciava a alegria de Ísis e a admiração de Igor.
À tarde, eu costumava dar passeios com os pequenos. Perto da mansão, em uma estrada de terra, havia diversos arbustos de framboesa. Nós colhíamos para lanchar ou simplesmente para levar para Arlete. Eles adoravam os passeios, corriam e riam como as crianças que eram. Foi aí que Igor me surpreendeu. Longe das vistas do pai, se permitia ser infantil.
- Eu adoro você, Duda - ele me disse, certa vez, usando de um apelido que a irmã me deu.
Segurei suas mãos entre as minhas e a apertei.
Eu o amava. Amava Ísis também, mas com Igor a relação era tão complexa. Era como se ele só se deixasse ser criança perto de mim.E eu sabia que essa confiança que ele depositava em mim era muito importante.
Não vi Otávio muitas vezes nos dias que se passaram. Ele acordava cedo, se enfiava no seu escritório, e só saia de lá tarde da noite. Ouvia seus passos pesados no corredor, e sentia muita vontade de ir conversar com ele, mas sabia que não era adequado, então reprimia minhas necessidades.- Você está ouvindo, Duda? - Ísis me tirou do devaneio, enquanto inclinava a cabeça para o lado, tentando escutar melhor.
Eu segurava sua mão, enquanto Igor andava um pouco mais a frente, cutucando a estrada de terra com um galho de madeira enorme. Ele parou e se voltou para mim.
O silêncio só era cortado pelo vento que balançava minhas madeixas presas, com sua força outonal.
- Parece um bebê - Igor disse, e eu agucei mais os ouvidos.
Só então eu ouvi, aquele chorinho bem baixinho, tão fraquinho, que meu coração arrebentou em mil pedaços. As crianças perceberam primeiro de onde vinha, e correram naquela direção. Eu os segui, meu coração ansioso, temeroso pelo que veria.
E era um bebê. Não humano. Um pequeno filhotinho de cachorro preto choramingando de fome e sede, dentro de uma caixa alta, entre os arbustos daquela estrada abandonada.
- Oh, Deus ... Quanta crueldade - murmurei, enquanto o pegava no colo, seu rabinho batendo rapidamente, o pequeno parecia extremamente grato por ser tirado dali.
- Cadê a mãe dele, Duda? - Igor perguntou.Eu me inclinei um pouco para permitir que Isis pegasse o pequeno nas suas pequenas mãos. Ela foi tão gentil que meu coração acelerou. Ísis sempre parecia tão saltitante e cheia de energia, mas agora ela estava quietinha, pequeninha, quase triste e irreconhecível.
- Não sei, meu amor - disse.
Não sabia também se podia falar sobre as maldades do mundo para as crianças, mas achei que saber que havia pessoas que abandonavam filhotes era parte do aprendizado. O mal existia, fazia parte da sociedade, e eles precisavam saber que gente assim precisava ser evitada.
-Provavelmente a mãe ficou na casa do dono. Os donos Tiraram o filhote dela e abandonaram aqui.
- Por quê? Ele não vai sentir saudades da mamãe? A gente sente - Ísis me contou, e eu senti lágrimas nos olhos.
- Eu sei, querida. Há pessoas que não se importam com a dor nos animais, nem com a dor nas crianças.Eu não sabia se eles iriam me entender, mas por fim, assentiram. A primeira lição de vida era muito difícil.
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O filho que você não quis
RomanceUm filho com ela seria apenas um bastardo... Quando o conde Otávio Figueiredo se viu sozinho com duas crianças, não teve escolha a não ser encontrar uma babá que pudesse cuidar de seus filhos. Recém-divorciado e ainda apaixonado pela ex-mulher, ele...