Capítulo 16- Otávio

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O ruim de você ter muitos encontros com investidores e não ter habilidade social nenhuma é ficar preso em discussões sem sentido algum, e não chegar ao ponto na apresentação dos projetos.

No primeiro dia, um dos homens da reunião começou a falar de futebol e perdemos um tempo precioso analisando sobre a nova contratação de tal time, ou como Neymar se saiu na última copa. Por fim, não consegui dizer nem metade do que eu precisava, e quando tentei levar a reunião para os negócios no dia seguinte, foi mais uma perda de tempo, porque só Deus sabe como gráficos do mercado financeiro se tornaram tema de como o país vai afundar em miséria nos próximos anos, ou de como uma nova pandemia destruiria tudo em seis meses.

Por fim, eu levei três dias apenas para a primeira reunião. O que era uma semana de trabalho, se tornou duas, três. Mesmo assim, não maldisse a situação, porque era um alívio ficar longe de casa, longe de Maria Eduarda e do que diabos ela provocava em mim.

Todavia, eu tinha filhos, e eu precisava saber como eles estavam. Então, aproveitei o intervalo de uma das reuniões da sexta para ligar para casa.

- Samuel? - chamei, assim que a voz masculina do outro lado saudou. - Como estão as coisas?
- Boa tarde, Senhor - ele foi formal, como sempre. - As crianças estão bem. Está tudo bem.

Não era tudo que eu queria saber. Mastiguei as palavras em silêncio, e então comecei pelas beiradas.

- Arlete está?
- Está nesse momento arrumando seu quarto, senhor, já que a Sra. Analy não gostou dos novos lençóis.

Eu tinha quase certeza de que ele falou Analy, e acreditei ser um engano.

- Maria Eduarda está no meu quarto?

Aquilo era uma situação quase vexatória, pois deixei claro para ela que não iríamos ter um compromisso, e não a autorizei que se mudasse para meu quarto. Ainda assim, imaginá-la nua entre meus lençóis me causou um aquecimento desesperador.

- Por que a babá estaria no seu quarto, senhor? Estou falando da Sra. Analy.

Mil pensamentos cruzaram minha cabeça nesse momento. Será que entrei em uma realidade alternativa onde minha ex-mulher não era ex? Talvez nunca nos separemos e eu apenas delirei sobre aquela ótica.

- Quero falar com Analy. A chame, por favor.
- Ela não se encontra. Saiu num passeio com Igor e Ísis.

Aquilo devia ser um pesadelo.

- Certo, chame Maria Eduarda.
-Ela não está em casa. Foi caminhar na trilha de framboesas.

Ok. Não era uma realidade alternativa, já que Maria Eduarda estava na casa.

- Peça para ela me ligar assim que chegar - digo a Samuel. Ele concorda e eu desliguei.

Começo a andar de um lado para o outro no quarto do hotel. De qualquer maneira, eu estava irritado. Quem quis o divórcio foi Analy, e agora que o conseguiu ela voltava para casa sem me avisar e ainda ia dormir no meu quarto? Claro que eu não era contra ela ter contato com os filhos, mas crianças não são brinquedos que você ignora por semanas, sequer liga para dar sinal de vida, e então surge como se nada tivesse acontecido.

Exatamente como eu fiz nas últimas semanas ...
Mas, o pior para mim - por mais cruel que parecesse com meus filhos - era ela estar dormindo na minha cama!

Quem autorizou?
O telefone tocou enquanto eu divagava. Olhei o visor e vi que era o número do casarão.

- Alô.
- Senhor ... - a voz de Maria Eduarda surgiu ao longe. Ela parecia tão triste. - Queria falar comigo?
- Ahn ... sim - murmuro. O que eu devo dizer? - Você está bem?
- Sim. As crianças estão bem também, estão com a mãe.

Ela estava machucada. E isso me cortou o coração.

- Eu não sabia que ela iria voltar para casa. Eu sinto muito que isso tenha acontecido sem que eu estivesse aí para resolver.
- Ela está dormindo no seu quarto - sua voz parecia carregada.
- Pois é. Não sei quem autorizou.
- Ninguém autorizou. Ela entrou e tomou conta, porque se sente sua esposa.

A pouco tempo atrás, tudo que eu queria era que Analy voltasse para casa, para mim e para as crianças. Mas, agora tudo mudou. Foi Maria Eduarda a responsável de toda essa mudança.

- As coisas são confusas ... - admito.

No fundo, bem no fundo, eu não sabia o que fazer. Porque eu amei Analy por muitos anos, eu fui um marido leal e apaixonado, e você não desaprende a gostar de alguém tão facilmente. Ainda assim, foi muito custoso aceitar que ela não me queria mais, aceitar o divórcio, e a partida dela.

Eu sofri muito, e me forcei a tentar esquecê-la. Quando eu conheci Maria Eduarda, mesmo que eu jurasse a mim mesmo que não significava nada, ainda assim significava tudo.

Se Analy quisesse reatar, o que eu faria? Escolheria o passado feliz ou o presente incerto?

- Vou cancelar as reuniões de hoje, e voltar para casa.

Ela não comentou minha decisão.

- Você quer que eu vá embora? - indagou, depois de um breve silêncio.
- Não. - Minha resposta foi automática.
- Você não ligou nenhum dia desde que se foi - ela
sussurrou.

Meu coração sangrou.

- Eu não sabia o que dizer se ligasse.

Apertei o telefone enquanto o som da respiração dela. Em nenhum momento eu quis feri-la, mas era o estava acontecendo.

O filho que você não quisOnde histórias criam vida. Descubra agora