Capítulo 23- Maria Eduarda

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Segurei Isabella com um braço, enquanto com a mão livre mexia na minha sacola preta, buscando as chaves. Respirei aliviada por encontrar logo o que procurava, já que, apesar de ter apenas quatro meses, Isabella estava a cada dia pesando mais.

Graças a Deus. Porque eu temi desnutrição em algum momento dessa etapa, já que meus peitos secaram logo no primeiro mês.

Entro na pequena quitinete alugada perto da casa de Salete, deixando a sacola com as fraldas de lado e indo direto até o berço, para colocar a bebê ali até eu providenciar a banheira para lhe dar banho.

Apesar do dia hoje ter sido difícil, uma maratona no posto de saúde para ela tomar as gotinhas, e uma visita até a creche comunitária, eu estava feliz porque tudo deu certo. Há um ano, quando descobri estar grávida, pensei que nada daria.

Encho a banheirinha de plástico com água quente do chuveiro elétrico, e coloco a mão, medindo a temperatura. Espero um pouco antes de ir buscar Isabella porque não quero que ela se queime. Enquanto isso vou tirando a roupa, sabendo que vou tomar banho assim que ajeitar Isabella. O dia está quente e estou cansada.

Mas, feliz. É bom destacar.
Há um ano, meus enjoos se tornaram tão frequentes que pensei estar doente. Foi Salete que desconfiou que minha doença tinha outro nome. O médico confirmou uma gravidez que me deixou apavorada. Como eu cuidaria de uma criança se não tinha nem onde morar?

O bom de você ter amigos verdadeiros é que não fiquei desamparada. Vendi meu celular no primeiro mês para pagar o primeiro aluguel, e o dinheiro que ganhei na casa do conde eu guardei para os meses que viriam. Jonas me convidou para trabalhar com ele na padaria, até assinou minha carteira como assistente de padeiro. Graças a Deus, o negócio progrediu e eu pude permanecer no trabalho até Isabella nascer.

Agora, o auxílio maternidade estava terminando e eu precisava voltar ao trabalho. Jonas disse que eu poderia ficar mais um mês, mas não era justo ele ter que pagar alguém para ajudá-lo e a mim, em casa. Então, estava na correria pela creche. Por sorte, tinha uma vaga e as moças do lugar aceitaram Isabella.

Vou até o berço e sorrio para minha filhinha. Ela devolve o sorriso, estendendo as mãozinhas para mim. Isso era tão mágico, tão especial. Eu não sei como conseguiria ficar longe dela oito horas por dia, já que só de pensar em me afastar, meu sangue gelava.

Mas, não iria pensar nisso.
Não agora.

Comecei a tirar as roupinhas e quando ela estava nua, peguei- a no colo e a levei ao banheiro. Pus a mão na água, e estava morna e agradável. Coloquei um pouquinho de sabonete líquido ali antes de colocar minha filhinha.

A minha vida seria mais fácil se eu ao menos tivesse o apoio financeiro de Otávio. Mas, ele não quis a filha. E, como sempre, foi covarde em me dizer isso pessoalmente.

Quando eu descobri que estava grávida, liguei para o Casarão. Eu não tinha mais celular, e não tinha como avisar Otávio de outra forma. Também não teria coragem de pisar na casa, temendo ver Igor e Ísis, o apego que eu tinha pelos filhos dele poderia me destruir. Então eu liguei. Não foi surpresa Analy atender.

Eu tinha certeza que eles voltariam assim que eu saísse de cena.

Com a voz embargada, eu contei a verdade. Ela, como sempre, foi muito compreensiva, e me disse que falaria com Otávio. Pediu que eu ligasse alguns dias depois para falar diretamente com ele. Até marcou o horário que ele atenderia.

Eu fiz isso. Quando ela atendeu de novo, soube que ele não estava interessado.

"Otávio disse que não pode ter filhos fora do casamento. Seriam bastardos", ela destacou a palavra que eu já tinha ouvido dos lábios dele. "Mas, ele não vai te desamparar. Pediu que eu a acompanhasse até uma clínica para tirar a criança".

Eu desliguei naquela hora porque não era capaz de ouvir mais. Salete me disse que eu devia exigir na justiça o reconhecimento da paternidade e fodê-lo num processo, mas eu só queria esquecer de Otávio, de Analy e de todos. Eu estava ferida demais. E eu tinha uma criança na barriga que precisava de mim.

Lavei as dobrinhas gordinhas de Isabella, e ela sorriu para mim.

- Eu te amo - disse a ela.

Ela balbuciou alguma coisa. O som preenchendo o vazio que eu tinha no coração.

*****

Limpei as lágrimas com um lenço de papel, antes de voltar para a cozinha.

- A deixou na creche? - Salete me perguntou.

Assenti. Era muito difícil.

- Ela vai ficar bem, Maria Eduarda - me garantiu, apertando meus braços tentando me animar.

O dia se arrastou. Por mais que eu me esforçasse em servir bem os clientes da padaria, estava com minha cabeça em Isabella. E se ela chorasse? Sentisse minha falta? E se as meninas da creche a deixassem sozinha e houvesse um acidente?

Eu não sei por que estava sendo tão trágica. E, sinceramente, nesse momento, pensei em como Analy teve coragem de deixar os próprios filhos sozinhos por tanto tempo? Eu jamais deixaria.

Evitava pensar em Isis e Igor, mas as crianças sempre vinham em minha mente. Eu queria ter dito adeus a eles, ter me despedido, ter dito que os amava. Mas, eu era apenas a babá e talvez eles já houvessem esquecido de mim.

- Ei! - Jonas me cumprimentou, enquanto entrava na padaria. - Bem-vinda de volta.

Ele era sempre o primeiro a chegar, em torno das 4 horas da manhã, para colocar o pão para assar. Então, quando eu chegava as oito para abrir a padaria, ele ia para casa dormir. Ele voltava perto do meio-dia para as fornadas da tarde. Era uma vida exaustiva, mas Jonas me confessou que não trocaria ela para voltar a ser assalariado. Salete ainda trabalhava numa casa de família três vezes na semana, mas se a padaria continuasse a ir tão bem, ela estava pensando em vir trabalhar aqui também.

- Aconteceu uma coisa - ele me disse. - Um cara bateu lá em casa, dizendo que estava procurando você. Ele disse que era seu patrão, acho que quer que volte a trabalhar para ele.

Arqueei as sobrancelhas.

- Quem?
- Ah ... droga ... eu não lembro o nome. Ele disse que conseguiu meu endereço na pensão. - Jonas bateu na cabeça. - Acho que ele não me disse o nome - justificou, mudando a frase. - Eu falei que você trabalhava aqui e ele poderia vir conversar pessoalmente à tarde.

Acenei

De qualquer maneira, eu não sabia se poderia voltar a cuidar de crianças. Depois de Ísis e Igor, era muito difícil encarar o sentimento pelos pequenos sem me comprometer demais.

O filho que você não quisOnde histórias criam vida. Descubra agora