Capítulo 27- Otávio

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Arlete tocou meu braço com carinho, enquanto observávamos a cena que se desenrolava na sala. As duas crianças estavam abraçadas a Maria Eduarda, que estava de joelhos no chão. Nos braços dela, Isabella dormia em silêncio, parecendo confortável entre os irmãos.

- Ela é tão lindinha, Duda - Ísis disse. - Eu posso pegar ela?
- Claro que sim. Vamos sentar-nos no sofá? Assim eu a coloco no seu colo.
- Posso pegar ela também? - Igor indagou.
- É claro, meu amor ...

Meu coração balançou num ritmo calmo enquanto a cena seguia. As crianças estavam tão felizes, eu não os via assim há quase um ano. Enquanto se ajeitavam no sofá e Maria Eduarda, cuidadosamente, colocava o bebê no colo de Ísis, a pergunta que qualquer adulto teria vergonha de fazer, saiu naturalmente dos lábios de Igor:
- Ela é nossa irmã?
- É sim - Maria Eduarda sequer titubeou em responder.

Eu entendi então porque as crianças confiavam tanto nela. Maria Eduarda era sempre sincera com eles. Ela não mascarava ou se envergonhava das situações.

- E você vai ser nossa mãe?

Eu aguardei a resposta com muita apreensão.

- Eu sempre serei uma segunda mãe para vocês.

A resposta pareceu abranger todas as questões das crianças, mas nem de longe respondia as minhas. Arlete voltou a apertar meu braço. A encarei.

- Tempo ao tempo - ela me aconselhou e eu assenti.

Eu tinha o resto da vida para provar a Maria Eduarda que eu a amava.

*****

Na primeira noite que Maria Eduarda dormiu no Casarão, depois de sua volta, eu a busquei de madrugada, ansioso por ter dela qualquer coisa, mesmo que apenas um beijo. Mas, tão logo abri a porta do quarto, vi a cena de Maria Eduarda dormindo na cama com as três crianças que mais lhe importavam - e mais me importavam também. Meu coração, mais uma vez, transbordou de amor.

Minha vontade era me juntar a eles, mas acabei retornando ao meu próprio quarto. O ranger da casa dessa vez pareceu rir da minha ridícula situação.

*****

Duas semanas depois, o quarto de Isabella estava pronto. Ele era quase tão luxuoso quanto o de Igor ou de Ísis naquela idade, mas não tinha muitas das coisas que Analy exigiu para os filhos.

Na verdade, Maria Eduarda disse que só precisávamos trazer o berço de sua casa. A filha podia dormir no quarto que ela ocupava. Eu neguei porque queria que Isa tivesse tudo que meus dois outros filhos tiveram. Eu não pude dar tudo do bom e do melhor para meu bebê até agora, mas a partir do nosso reencontro, isso aconteceria.

Entrei no quarto em tons rosa. As figuras de personagens de desenho na parede foram escolhidas por Isis, que estava mais que feliz em ter uma irmãzinha. Eu temi que pudesse haver um pouco de ciúmes nas crianças, mas isso se mostrou a coisa mais fora da realidade que já pensei.

Igor e Ísis nunca estiveram mais felizes. O riso deles preenchia o ambiente. Eles passavam o dia todo em volta da irmã, brincando com ela, tentando-a ensinar a dizer a primeira palavra, e enchendo-a de beijos. Não era surpresa que eles três costumavam tirar a soneca da tarde juntos, deitados lado a lado junto com Bilbo, numa das cenas mais fofas e incríveis que eu já vivenciei.

Avancei pelo quarto. Tudo estava silencioso. Igor e Ísis estavam brincando no balanço do pomar, enquanto Maria Eduarda estava perto deles, cuidando-os. Como eu tinha trabalho, fiquei na casa com Isa, que antes cochilava, mas agora estava acordada, mas não chorosa, apenas estendendo suas mãozinhas para os brinquedos que circundavam seu berço, interessada na constelação pendurada sobre ele.

- Você gosta de estrelas? - eu indaguei, colocando meu dedo indicador entre as mãozinhas dela. - Papai vai te dar todas elas - eu sorri e ela devolveu o sorriso.
- Não devia prometer o que não pode cumprir - ouvi uma voz as minhas costas, e abri um sorriso enorme para Maria Eduarda. - Quem disse que eu não posso?
- Dar estrelas a sua filha? - ela desdenhou.
- Ora, posso investir nessas viagens espaciais, e depois ela se tornará astronauta.

Maria Eduarda abriu seu sorriso lindo para mim enquanto ficava ao meu lado. As Suas mãos seguraram o berço e ela encarou a filha que tinha traços visíveis de Ísis.

-Eu notei que tirou o quadro de Analy da sala - ela observou.
-Não fazia mais sentido aquilo. Eu não a amo mais. Eu amo você - disse, e fui tão sincero que mal conseguia acreditar no quanto meu coração acelerou diante daquela verdade.

Ainda assim, ela não pareceu tocada pelas palavras.

Estava falando com Salete no telefone - me disse. - Ela me convidou para almoçar no final de semana em sua casa. Você quer ir comigo?

Eu sei que era uma chance. Uma em um milhão. Eu sorri agradecido pela oportunidade.

- Você me perdoou?
- Sim.
- E vai voltar para mim?

Silêncio.

- Foi um ano muito difícil - ela me contou, lágrimas surgindo nos seus lindos olhos.

Eu imaginava aquilo. Grávida, sem dinheiro, acreditando que o pai da sua filha havia ordenado um aborto ...

Estendi minha mão e pousei sobre a dela. Eu queria dizer tantas coisas para ela, mas jurei que não iria pressioná-la. Não era justo com Maria Eduarda. Ela tinha todo o direito de ter o tempo dela.

- Senhor? - Arlete apareceu na porta, seu rosto não escondendo a surpresa.

Volvemos na sua direção. Percebi que ela tinha uma mamadeira nas mãos, e estava vindo para alimentar Isa. Arlete era louca pela menina.

- O que foi? Parece que viu um fantasma.

Seu sorriso aliviou a cena.

- Ah, é que as crianças estão sempre em volta de Isabella ou da mãe - apontou Maria Eduarda. - Fiquei surpresa de vê-los sozinhos perto do berço.

- Elas estão no pomar, brincando no balanço -Maria Eduarda explicou.

Arlete negou.

- Não. Eu estava lá agora a pouco, e não tinha ninguém.

Era muito provável que Ísis e Igor estavam fazendo outra coisa, mas uma sensação tão ruim tomou conta de mim, que eu não conseguia evitar o pensamento. Encarei Maria Eduarda e vi o mesmo pânico nela.

Então eu caminhei para fora do quarto. Rapidamente, desci as escadas, saí pela porta da cozinha, meus olhos procurando sinal as crianças na parte externa da casa. O vento uivou entre as montanhas, e eu senti o ar sumindo dos meus pulmões.

- Otávio - Maria Eduarda murmurou às minhas costas.
- Foi Analy. Ela levou as crianças.
- De que jeito? - Arlete negou. - Ela nem queria os filhos.
- Ela não queria. Mas, quer me machucar. Ela vai levá-los para a Argentina.

Eu não sei por que, nem como eu sabia, mas sabia.

- Ela não vai conseguir embarcar com as crianças. Nenhum aeroporto permite que menores ...
- Ela vai de carro - cortei Arlete. - Ela pode cruzar por balsa em Porto Xavier sem apresentar nenhum documento.

Voltei-me para Maria Eduarda e segurei seus ombros.

- Sei que ainda não me aceitou, mas preciso que aja como minha noiva, minha esposa. Por favor, ligue para a polícia e informe o que aconteceu. Se preciso, ligue para Gustavo e ele vai levá-la a uma delegacia. Eu vou pegar o carro e vou atrás de Analy. Se eu tiver sorte, ela não está muito a minha frente.

Maria Eduarda assentiu. Eu a puxei contra mim e lhe dei um beijo de despedida nos lábios. Depois, corri para a garagem. Eu precisava cortar a distância que Analy já percorreu o mais rápido possível.

Ela não iria tirar meus filhos de mim, não importava o quê.

O filho que você não quisOnde histórias criam vida. Descubra agora