Capítulo 24- Maria Eduarda

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Estendi a xícara de café para o senhor Jorge, que sorriu agradecido. O pão de queijo esfumaçava em seu prato, e ele parecia mais feliz que de costume.

- Vou ser avô - ele me contou, e eu sorri em resposta.
- Meus parabéns. Uma criança é uma benção.

Sempre que alguém falava em crianças, Isabella aparecia de imediato na minha mente. A forma como ela sorria para mim. A maneira como estendia suas mãozinhas em minha direção. Eu sei que minha gravidez foi difícil, e sei que mais difícil ainda é ser mãe solo, mas em nenhum momento desde que o teste deu positivo, eu me arrependi de ter Isabella.

Eu me arrependia de ter ficado com Otávio sim, mas jamais de ter engravidado.

Um barulho na cozinha chama minha atenção. Algo caindo no chão, o som provavelmente de alguma forma de pão. Começo a andar para lá, quando travo e sinto todo ar sumindo dos meus pulmões, todo sangue gelando em minhas veias, meu coração errando o compasso por um segundo.

- Maria Eduarda.

Eu giro para a porta, onde posso ver um homem alto parado. É claro que eu o reconheci apenas pelo tom da voz, mas aparentemente fiz algum semblante de dúvida, pois ele completou em seguida:
- Sou eu, Otávio.

Era quase insuportável vê-lo. Não depois de eu ter me machucado tanto por causa dele. O que diabos ele estava fazendo aqui? Ele não me tirou de sua vida? Não tentou me subornar para abortar?

- O que você está fazendo aqui? - perguntei, talvez um pouco alto demais, pois vi de relance senhor Jorge virar para nós e Jonas sair na porta da cozinha.

- Algum problema? - meu chefe perguntou, parecendo interessado.

Otávio me encarou como se esperasse que eu negasse. Eu devia pedir ajuda e pedir que Jonas o expulsasse dali, porque depois de tudo que ele me fez, aceitar que ele estivesse diante de mim era mais que humilhante.

Neguei para Jonas. Apesar de desejar ver o conde com a cara no asfalto, eu não queria envolver o marido de minha melhor amiga em uma briga.

- Está tudo bem - disse a ele. Depois, voltei para Otávio. - O que quer?

- Podemos conversar?

Pensei muito no que fazer. Por fim, tirei meu avental e disse a Jonas que eu já voltava. Depois, saí da padaria em direção a um muro que ficava ao lado. Cruzei os braços e encarei o homem alto mais uma vez.

Eu não lembrava que ele era tão bonito. Especialmente quando os olhos dele brilhavam como agora.

- Estou escutando - disse, depois de algum tempo, em silêncio.

Uma parte de mim esperou pelo pedido de desculpas. Porque eu merecia um pedido de desculpas, depois de tudo que ele fez.

- Por que foi embora? - ele indagou, e eu fiquei decepcionada. - Achei que me amava - ele completou, e eu precisei respirar profundamente para não voar na cara dele.

- Eu te amava - afirmei. - Mas, amo muito mais a mim mesma.

A mão de Otávio ergueu, ele quase tocou meu rosto, mas eu estapeei seus dedos antes. Eu não queria nenhum gesto carinhoso, só queria que ele dissesse de uma vez o que desejava e me deixasse em paz.

- As crianças sentem sua falta - ele usou da arma mais suja que pôde comigo.

- As crianças têm mãe - devolvi, na mesma moeda.
- Uma mãe que não está nem ai para elas. Ah, Maria Eduarda ... Eu não entendo por que você deixou a casa.
- Você é idiota? Acha que não sei que transou com sua mulher no mesmo dia que fez sexo comigo? Você é um porco nojento!

Droga. Minha voz embargou. Por mais que eu dissesse a mim mesma que eu já havia superado, ali estava a prova de que tudo ainda doía demasiadamente.

- Como você sabe disso? - ele balbuciou, e só então notei que estava incrédulo.

- O que isso importa? Eu sei que dormiu. E eu sei que disse que jamais me assumiria.

Ele baixou a face. Seus braços caíram e eu o percebi envergonhado.

- Eu ... eu fui tão idiota.
- Sim, foi. Mas, é passado. O que você quer de mim, agora?

Ele ergueu a face.
Abriu a boca.
Fechou. Depois, respirou fundo novamente e teve coragem de pedir:
- Volte para mim.

Eu quase ri. Sério, acho que a gargalhada se ajuntou na minha garganta, mas ela não saiu. Ao invés disso, me asfixiou, causando uma dor tão profunda que eu quase chorei.

- Para quê? Analy, você e eu vamos brincar de casinha?
-Não. Está certa quando disse que transei com ela. Eu estava bêbado ...
- Isso não é desculpa.
- Estava confuso. Não importa. Eu errei, mas ela não é parte da minha vida a muito tempo.
- Eu também não. - Dei um passo para frente.

Queria ficar cara a cara com ele, para que ele entendesse o tamanho do meu ódio.

- O que você fez para mim, não tem perdão.
- Por Deus, Maria Eduarda. Foi só sexo. Eu sei que te machucou, mas eu me arrependi e não tenho mais nada com Analy. Eu estava bêbado e não foi algo premeditado. Nunca mais aconteceu.

- Você é idiota? - indaguei. - Você acha que estou com raiva porque trepou com sua ex? Por mim, que dois morram em cima de uma cama. Eu odeio você. Eu odeio você mais que tudo nessa vida.

Ele tentou erguer a mão novamente para me tocar. Novamente, a afastei com um tapa.

- Eu te amo - ele murmurou.

Dessa vez a gargalhada emergiu da minha garganta. Ainda doía, ainda me fazia querer chorar.

- Até parece - debochei.
- Eu te amo - ele repetiu. - Eu demorei para entender por que nunca recebi amor. Mas, eu tenho certeza de que te amo. Eu senti sua falta desde o momento que você partiu e eu nunca deixei de pensar em você.
- Meu Deus, como você pode ser tão falso?
- Precisa entender: Analy me pegou bêbado. Eu nem sabia direito o que estava fazendo.
- Nossa, que mulher cruel! Basicamente uma estupradora. - Suspirei. - O que isso importa? Eu perdoaria uma traição desse tipo, mas você ...

Eu precisei me afastar um pouco. Eu sentia que poderia voar na cara dele em segundos. Havia tanta dor, tanta mágoa, tanto ódio.

- Por que você está aqui? - perguntei pela última vez, querendo encerar o assunto.
- Porque estou apaixonado por você. Porque te quero de volta na minha vida e na vida dos meus filhos.

Eu neguei. Ele não usaria as crianças contra mim. Eu amava Igor e Ísis, mas eu não permitiria que ele usasse aqueles inocentes contra mim.

- Preste bem atenção, Conde Otávio Figueiredo: nunca, nunca e nunca vou te perdoar. Jamais, entendeu.

Ele negou. Parecia alheio aos próprios erros.
O que eu fiz não foi tão ruim assim. Eu não sou um monstro.

- Você é sim. A partir do momento que tentou me fazer abortar seu "bastardo", você se tornou o pior dos homens para mim.

E então eu me afasto.
Otávio não me segue. Era um alívio. Esperava nunca mais vê- lo.

O filho que você não quisOnde histórias criam vida. Descubra agora