Capítulo 21- Maria Eduarda

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- E tudo simples, mas fique o tempo que precisar- a Salete disse, às minhas costas.

Eu entrei no pequeno quartinho daquela casa humilde na periferia da cidade. Jonas e Salete não tinham muito, mas a generosidade deles em me acolher ficaria para sempre marcada em minha mente.

- Obrigada - murmurei a ela. - Fiquei surpresa quando me contou que estava morando com ele - forcei um sorriso, tentando mostrar qualquer animação.

Ela me encarou como se soubesse exatamente o que eu estava vivendo. Ainda assim, permaneceu na sua história.

- Você lembra quando te contei que não sabia se gostava ou não dele. Pois bem, a vida estava cada vez mais difícil na pensão. Depois que você saiu, um homem foi morar no seu quarto e eu não me sentia segura. De madrugada ele ficava andando no corredor e ficava perto da minha porta ... Ele me olhava estranho, e uma noite juro que ele tentou forçar a maçaneta. Então, eu decidi aceitar o convite de Jonas e vim morar com ele. Não sei explicar o que aconteceu depois. Ele é tão gentil e bom que o sentimento foi surgindo. Eu acho que o amo, agora. Nós temos planos de termos um filho. Ele é muito trabalhador.

Eu me aproximei dela e segurei suas mãos. Jonas havia me deixado na casa pouco antes de voltar ao trabalho. Ele me contou que estava guardando dinheiro para abrir sua própria padaria ali naquela região carente de comércios.

- Que bom que deu tudo certo, amiga - afirmei.
- Mas, e você? O que aconteceu?

Eu volvi novamente de costas para ela, e caminhei até a cama de solteiro com colchas floreadas. Larguei minha mala em cima da cama, e então suspirei, cansada.

- Eu me apaixonei - confessei, porque sabia que podia confiar nela. - Eu me apaixonei pelo meu patrão.
- O duque divorciado?
-É conde - eu ri, contendo as lágrimas. - Não importa o que ele é. Ele não ...

Dessa vez não pude conter as lágrimas. Escondi meu rosto com as mãos enquanto Salete se aproximava e me confortava.

- Ricos são como estrelas no céu - disse a ela. - E empregadas são apenas porcos que observam as constelações, enquanto chafurdam na lama.

A mão de Salete se mexeu para cima e para baixo nas minhas costas, como se ela quisesse me aquecer.

- Não pode se culpar ... Essas coisas acontecem- ela disse.
- Eu dormi com ele.
- Todo mundo comete um erro.
- Duas vezes - completei.
- Ok. Dois erros. E dai? - ela bateu no meu ombro. - Você acha que nenhuma outra mulher já passou por isso? Acontece.
- Já aconteceu com você?
- Como você acha que eu perdi minha virgindade?

Não sei por que, aquele relato desgraçado me animou e eu me vi rindo.

- A esposa dele voltou, e me mandou embora. Claro, ela está certa...
- Mas, eles não são divorciados?
- Pelo que eu entendi, ela está tentando reatar.
- E ele?
- Eu não sei. Mas, isso importa?
- Claro que importa. Pode ser que ele queira ficar com você.

"Você vai ficar com ela?"
"Não."

- Ele disse para a esposa que não ficaria comigo. Eu ouvi escondida, e não foi só as palavras. O jeito que ele disse...Ele me considera tão pouca coisa, Salete ...

Soluços me tomaram e eu precisei me esconder nos braços dela. Salete é a irmã e a família que eu nunca tive. A dor era tremenda, e eu precisava dela como nunca precisei de ninguém antes.

- Eu nem pude me despedir das crianças. Eu precisei deixá- las sozinhas. Ísis vai se sair bem, mas eu temo por Igor ... Meu garotinho ... Ele é tão sozinho, Salete ...

Eu não consegui dizer mais nada. Só conseguia chorar, minhas lágrimas caindo quente sobre minha face cansada. Aliás, nunca estive mais cansada em minha vida. Estava exausta ao ponto de só pensar em me deitar.

E morrer, se tivesse sorte.

Mas, antes disso, o vômito me fez arquear. Eu pedi por banheiro, e Salete me guiou até um pequeno cômodo sanitário ao lado do quarto.

- Estou com problema no estômago. Deve ser estresse.

Ela assentiu.

- Sim, deve ser.

Mas, havia algo em seus olhos que Salete não me disse. De qualquer maneira, eu não questionei. Apenas lavei a boca e voltei para o quarto, a fim de guardar minhas coisas e me ajeitar o melhor que pudesse.

Por mais gentil que seja Salete e Jonas, eu não pretendo ficar muito tempo aqui. Eles são um novo casal e precisam de espaço e privacidade.

A casa estava silenciosa e escura. Na rua ao lado, eu ouvia um bêbado cantar alguma canção sertaneja e um ou outro carro passar. Me revirei nos lençóis perfumados. Salete colocou talco neles, para que eu ficasse o mais confortável. Ela sempre foi tão cuidadosa e caprichosa. Eu aspirei o perfume com um sorriso, pensando no quanto minha amiga era gentil.

De repente, sem pensar, peguei meu celular. Queria apenas ver as horas, mas me dei conta da falta de mensagens nele durante o dia. Então me lembrei que bloqueei Otávio para que ele não pudesse me dizer nada. Ainda assim, será que tentou ao menos entrar em contato?

Meu coração sangrava pela dor e decepção, e ainda assim eu queria saber se pelo menos ele teve uma réstia de ...

De o quê?
Amor?

Eu era tão patética. Mesmo assim, não resisti. Simplesmente fui nas configurações e desbloqueei Otávio, apenas para ver se ele me mandou alguma mensagem.

Eu sorri como uma idiota quando vi várias mensagens:

"Onde você está?",
"Por que não atende o telefone?".

Arqueei as sobrancelhas pensando que talvez ele não tivesse me despedido, e tudo tenha sido uma armação de Analy.
Mas, Analy não o estuprou. Ele fez sexo com ela porque quis.

E Analy não o forçou a dizer que não me queria. Que não me assumiria.

"Eu preciso falar com você,"

Isso dizia a última mensagem. Eu levei meus dedos ao teclado da tela.

"Eu amei você".

Digitei e enviei. Uma parte de mim só queria que ele soubesse.

Pensei em bloqueá-lo de imediato novamente, mas ao perceber que ele visualizou a mensagem, não consegui. Um segundo depois, meu telefone vibrou. Ele estava ligando. Não atendi. Não apenas porque não queria ouvir a voz dele, mas também porque a casa era pequena e eu não queria incomodar os donos.

"Maria Eduarda", Otávio digitou depois de perceber que eu não iria atender. "Muitas coisas aconteceram, mas não estou disposto a renunciar você".

Eu li aquilo, meu coração aos pedaços. Ainda assim, tentei manter a razão. Eu ouvi da boca dele a verdade, não importa o quanto aquelas palavras seriam enganosas.

"O que quer dizer? Você vai se casar comigo?"
Eu só queria saber até onde ele iria. Uma parte de mim quase pôde visualizá-lo com o olhar confuso diante da questão.

"Eu acabei de me divorciar e ... ainda não estou pronto para ... "

Eu não li mais nada, porque não dava para aguentar. Apertei meus olhos, tentando conter a raiva, a decepção, a dor da certeza de que eu era apenas um objeto para ele transar.
Enquanto abri meu coração e entreguei a Otávio algo que jamais dei a outro homem, ele apenas aliviou suas insatisfações sexuais com meu corpo. A mim, apenas uma cópia da sua linda esposa.

Bloqueei-o novamente.
Eu não sou um objeto.
Eu nunca vou deixar mais ninguém no mundo me tratar como um.

O filho que você não quisOnde histórias criam vida. Descubra agora