Capítulo 12- Otávio

65 10 1
                                    

Há uma leve batida na porta do meu escritório. Pedi para Samuel não me interromper nessa manhã, já que queria terminar todo o trabalho do dia, para ter a tarde livre com as crianças.

E com Maria Eduarda.

Suspiro, quando a porta se abre e não é Samuel que eu vejo. Arlete entra, seu jeito matrona avança na minha direção. ela se senta na cadeira à minha frente, me encarando.

Curvo minha face, um pouco envergonhado, um pouco constrangido. Eu sei que estou errado, mas ... só quero ... sair desse buraco que me enfiei, só quero reagir, só quero viver um pouquinho.

- Você sabe ... Seu avô nunca permitiria que um Figueiredo se engraçasse para a criadagem.

Sinto-me enrubescer.

- Eu sei, Arlete.
- E o que está fazendo? Maria Eduarda é uma jovem trabalhadora, muito boa pessoa. Mas não é alguém com quem você pode ter um relacionamento. Já foi demais tê-la levado a uma festa, e eu sei que a beijou quando a trouxe para casa.
- Foi só um beijo ... - balbuciei.
- Para você. E para ela? Se não tem nenhuma pretensão de levar a menina a sério, não lhe dê falsas esperanças.

Arlete se levantou e deixou o escritório. Encarei o computador, tentando voltar a me concentrar nos números e na bolsa. Não conseguia.
Arlete estava certa, mas ...

*****

- Papai! Posso ir na roda gigante? - Ísis pede.

O parque estava quase vazio. As pessoas costumavam ir a esse tipo de lugar à noite e eu não pensei que as crianças seriam privadas de ver as luzes dos brinquedos.

Eu não pensei ...
Não penso em nada desde que me atrevi a me aproximar da babá dos meus filhos. Só consigo sentir seu cheiro, ansioso por tocar sua pele.

E, depois da noite passada, a luz do sol era bem-vinda a esse passeio. Eu temia o que poderia fazer nos cantos escuros do lugar.

- Sim. Igor, vá com sua irmã - digo ao meu filho que acena, feliz.

Faz muito tempo que não vejo Igor feliz. Provavelmente a última vez foi quando ainda era bem pequeno, quase um bebê, quando eu ainda não tinha começado minhas cobranças por sua educação.

As crianças se afastaram. Ficamos Maria Eduarda e eu lado a lado, observando Igor e Ísis se sentando no balanço e a roda começando a subir.

Eles riam, tão felizes. Era uma coisa tão simples levar meus filhos para algo diferente, dar a eles um dia especial, eu quase não conseguia acreditar que havia passado tanto tempo privando-os de diversão por causa do fundo do poço que me encontrava.

- Maria Eduarda - sussurrei.

Ela ouviu. Não olhou para mim, mas senti pela maneira que ela entreabriu os lábios que escutou minha voz.

- Você sabe ... quando falei de Analy para meu avô, a primeira coisa que ele me perguntou dela foi o sobrenome. Ele só ficou tranquilo e satisfeito quando soube que ela tinha uma boa origem. Para nossa família, tradições são muito importantes.

Ela me encarou. Eu não sei se conseguia alçar exatamente o que eu queria dizer: quero ficar com você, mas não posso assumir você.

Todavia, não tinha coragem suficiente para expressar isso em palavras.

- Nesses poucos dias que convivemos, você se mostrou incrível. Até conseguiu aproximar meu filho de mim.
- Igor é um garoto maravilhoso.
- Você também é maravilhosa, Maria Eduarda. Se fosse em outra situação ...
- Se eu não fosse quem sou? - ela foi corajosa em perguntar.
- Ou eu não fosse quem eu sou - completei.

Pensei que ela iria se irritar ou me xingar, mas tudo que fez foi sorrir gentilmente para mim, como se pudesse me abraçar com seu sorriso. Inconsequente, levei minha mão a dela e segurei seus dedos. O calor que senti abrandou meu coração e minha alma temerosa.

Maria Eduarda parecia um porto seguro em um mar de vida revirado e revoltado

- Papai! - Ísis gritou da roda e erguemos nossos olhos para eles. - É muito legal, papai!

Eu sorri. A tarde calma de um parque vazio subitamente me trouxe paz. Muita paz.

*****

As crianças estavam na área infantil daquela lanchonete simples, mas confortável, perto do parque. Havíamos ido ali para comer alguma coisa depois de várias horas em que Igor e Ísis se revezavam entre montanha russa ou jogos de tiro ao alvo.

- Você é um bom pai.

Eu encarei Maria Eduarda, e a vi sorrindo com um cachorro- quente nas mãos.

- Não sei se sou. Eu fui educado diferente. Sabe? Meu avô não permitia momentos como esse ...
- Diz: brincar? Toda criança precisa brincar.
- Minha infância não foi tão simples.

Ela acenou. Parecia compartilhar do mesmo trauma.

- A minha foi difícil, também.

Nós podíamos conversar sobre isso. Se fazer ouvir, trocar experiências, mas havia muita dor envolvida, então jogamos os sentimentos para debaixo do tapete. Era uma reação comum a ambos, percebi.

Mas, o importante é que vencemos a infância - ela destacou.
Será mesmo?

- Otávio, acredite em mim: você é um bom homem e um bom pai. Precisa deixar isso claro para seus filhos. Sempre. Obrigada por ter dado um momento as crianças, especialmente a Igor.

Ela se importava com meus filhos, isso ficou muito claro. A comparação gritante de Analy, que nunca ligou, me tocou. Sem conseguir me conter, eu ergui minha mão e segurei seu queixo. Logo, minha boca a tomava, de novo. Eu não sabia se as crianças iriam ver, e uma parte de mim nem ligou.

Eu precisava beijá-la, senão morreria. Maria Eduarda era meu único oxigênio nesse momento.

Nossos lábios se descolaram. Ela olhou rapidamente para o lado,para as crianças, e eu segui o seu olhar. Igor e Ísis estavam rindo enquanto pulavam no pula-pula , inocentes ao encontro de emoções que envolviam sua babá e o seu pai.

O filho que você não quisOnde histórias criam vida. Descubra agora